Importância da certificação de qualidade de EPI's para uso agrícola

A importância da pesquisa e a sua evolução no Brasil em busca de segurança em vestimentas para aplicadores de agroquímicos

01.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Hamilton Humberto Ramos e Viviane Corrêa Aguiar Ramos

Passa ao largo de parte da sociedade a relevância de normas técnicas aplicáveis a equipamentos e produtos. Apesar de esforços da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e da International Standartization Organization (ISO), pouco se dá conta no Brasil de que a normatização beneficia cadeias produtivas e a classe trabalhadora. No setor agrícola, especificamente no trabalho com agroquímicos, a normatização está no centro de uma história de sucesso sobre segurança no trabalho rural. Com as primeiras aplicações de defensivos, na década de 1940, surgiram a preocupação com a segurança do trabalhador e a oferta de produtos atualmente chamados de EPIs (equipamentos de proteção individual). Até então, EPIs agrícolas constituíam adaptações de modelos industriais. Feitos com materiais pesados, nada confortáveis, levavam pouca segurança ao campo.

Em 1977, quando não houvera ainda avanço na confecção de EPIs, a Lei 6514 obrigou o fornecimento destes produtos. Determinou ainda que os equipamentos fossem vendidos mediante Certificado de Aprovação (CA) do Ministério do Trabalho. Somente em 1990, técnicos da Fundacentro, fundação ligada ao Ministério do Trabalho, passaram a estudar EPIs para a agricultura.

Chegaram, à época, as primeiras vestimentas de algodão com hidrorrepelente, base de vários modelos produzidos atualmente.   Contudo, a ausência de normas técnicas ainda facilitava vendas de EPIs ineficazes para agroquímicos. Bastava uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) do fabricante para obter o CA do Ministério do Trabalho.

No início dos anos de 1990, o Centro de Engenharia e Automação (CEA), do Instituto Agronômico (IAC), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo, mediou uma demanda entre o Ministério do Trabalho e uma agroindústria, com o objetivo de verificar a qualidade de EPIs agrícolas. Na busca por normas que sustentassem o estudo, a surpresa: foram identificadas poucas normas americanas ASTM, aplicáveis a riscos químicos. Uma destas, selecionada, implicou reprovação das nove vestimentas analisadas. Esse fato também trouxe à luz uma questão central: tais produtos não tinham qualidade ou a norma era inadequada?

Em 2004, frente à persistência da dúvida, o Comitê Brasileiro de Equipamentos de Proteção Individual (CB-32), coordenado pela Associação da Indústria de Material de Segurança e Proteção ao Trabalho (Animaseg) instituiu a Comissão de Estudos de Luvas e Vestimentas de Proteção para Riscos Químicos (CE-32:006.03). Formado por fabricantes de EPIs e pelo CEA/IAC, o grupo aprofundou estudos quanto a normas que embasassem análises sobre a qualidade de vestimentas.

Chegou-se, inicialmente, à norma ISO DIS 16602, que estava em desenvolvimento especificamente para risco químico. Desdobramentos desse trabalho resultaram em mais uma questão-chave: frente a uma eventual publicação da ISO 16602, e sua conversão em lei, haveria sequer um EPI brasileiro capaz de atender às exigências da norma? Foi em busca de respostas efetivas para essas questões que ganhou vida e estrutura tecnológica o Programa IAC de Qualidade de Equipamentos de Proteção Individual na Agricultura (IAC-Quepia). O Quepia concluiu, ainda na fase inicial do programa, que a norma ISO 16602 não era compatível a EPIs para agroquímicos. A constatação veio após a análise de 52 materiais diferentes, tecidos e não tecidos, dos quais 75% foram reprovados. No tocante aos 25% aprovados, permaneceu a indagação sobre se havia segurança neste resultado, ou seja, se estes seriam representativos para avaliações de qualidade envolvendo produtos químicos similares a agroquímicos. Quepia e ABNT passaram a investigar, então, outra norma em desenvolvimento, a ISO 27065, específica para defensivos, que começou a ser elaborada em 2008 e foi publicada em 2011.

Pouco antes, em 2009, o Ministério do Trabalho publicou a Portaria 121, extinguindo o CA por responsabilidade e adotando normas de qualidade para todos os EPIs. Em relação a vestimentas de proteção para risco químico geral e com agroquímicos, esta portaria estabelecia o uso da ISO 16602. Entre 2010 e 2011, apoiado no trabalho do Quepia e da ABNT, o Ministério do Trabalho publicou duas novas Portarias (184 e 185), para modificar a 121. Essas decisões estabeleceram que a norma ISO 16602 é aplicável somente a vestimentas para risco químico em geral. Já a ISO 27065, ainda em fase de estudos à época, passou a nortear a qualidade de EPI para agroquímicos. Ambas deliberações fizeram do Brasil o primeiro país a contar com normas de qualidade da ISO para vestimentas de proteção para o trabalho com defensivos.

Ensaio com Equipamento de Proteção Individual para aplicação de agroquímicos
Ensaio com Equipamento de Proteção Individual para aplicação de agroquímicos

Outro avanço da pesquisa veio em 2017, quando ABNT e Quepia participaram com destaque do processo de revisão da ISO 27065. Para se ter ideia da importância do Brasil nesse trabalho, vale lembrar que a substância utilizada nos testes até então era um agroquímico comercializado somente nos EUA. Este produto foi substituído por um líquido teste não tóxico, desenvolvido a partir de um corante. O trabalho inicial e a validação dessa nova substância foram integralmente realizados no laboratório avançado do Quepia em Jundiaí, em colaboração com técnicos e pesquisadores dos EUA e da Alemanha. O líquido-teste é atualmente a base das avaliações de qualidade da ISO 27065. Hoje perto de completar 15 anos, o Programa IAC-Quepia contabiliza dezenas de contribuições ao setor produtivo de EPIs e ao trabalhado rural. Com o aprimoramento das certificações de qualidade do Quepia, a aprovação a EPI agrícolas fabricados no País saltou de 49%, em 2011, para 81%. A normatização amparada na pesquisa entrelaçou fabricantes, governo e sociedade e tornou mais seguro o trabalho rural. Urge estender o conceito da normatização a outros setores produtivos, sobretudo àqueles nos quais a inovação é ainda emergente. No próprio agronegócio há inúmeras oportunidades para aprimoramento de produtos e tecnologias. Boa parte delas está no radar do Quepia e também de outros programas do CEA/IAC, como a Unidade de Referência em Tecnologia e Segurança na Aplicação de Agrotóxicos e o “Adjuvantes da Pulverização”.

Viviane e Ramos detalham a trajetória de evolução da segurança de EPIs
Viviane e Ramos detalham a trajetória de evolução da segurança de EPIs

Hamilton Humberto Ramos e
Viviane Corrêa Aguiar Ramos,
Centro de Eng. e Automação do Instituto Agronômico
Secretaria de Agric. e Abast. do Estado de São Paulo

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