Evento na região noroeste do RS apontou entraves e oportunidades no trigo

​O Seminário Trigo nas Missões reuniu quase 200 participantes em Santo Ângelo, RS, no dia 28 de fevereiro

11.03.2020 | 20:59 (UTC -3)
Joseani M. Antunes

O encontro aproximou diferentes atores do setor produtivo para discutir estratégias capazes de viabilizar o trigo gaúcho. A região noroeste do Rio Grande do Sul, conhecida pelas Missões Jesuíticas que fomentam o turismo, concentra mais de 60% das lavouras de trigo do Estado. De acordo com os dados da Emater/RS, há 10 anos a região no entorno de Santa Rosa, RS, mantém a área de trigo próxima a 200 mil hectares. A média de produtividade chegou a 3000 quilos por hectare (kg/ha) na última safra, 20% acima da média de 2018. Contudo, considerando a média dos últimos dois anos do Ensaio Estadual de Cultivares divulgado pela Fundação Pró-sementes, o incremento de produtividade foi entre 50 a 70% nas melhores lavouras.

Apesar dos bons rendimentos, muitas lavouras enfrentaram queda no PH (peso do hectolitro), o que acabou desvalorizando o produto no mercado. A falta de renda direta com a venda do trigo é o principal fator de desmotivação do produtor, segundo o Presidente do Sindicato Rural de Santo Ângelo: “Principalmente em anos de clima desfavorável, os custos de produção ficam ainda mais altos, enquanto o preço final de comercialização reduz. Precisamos buscar saídas que possam viabilizar o trigo gaúcho”, esclarece o produtor Laurindo Nikititz.

Nos cálculos do produtor de Entre Ijuís, RS, Lourenço Bittencourt, o custo de produção de trigo chegou a R$ 1.500/ha na última safra, sem contar assistência técnica, seguro, juros do financiamento, IOF e outros. “No final, o custo total pode chegar a R$ 50 por saca de trigo”, contabiliza Lourenço, lembrando, também, que o seguro não cobre perdas por qualidade e doenças, principais riscos na safra de trigo.

Na estimativa da Farsul, o custo para uma lavoura de trigo de média tecnologia ficou em R$1.700/ha. Considerando a cotação atual do trigo em R$ 44 a saca de 60kg, são necessários 38/sc/ha ou 2.280 kg/ha. No investimento de alta tecnologia, o custo foi estimado em 44 sc/ha para pagar a conta da lavoura. “Avaliando a última safra de trigo, vemos que é viável pagar a conta, mesmo que não sobre dinheiro”, argumenta o produtor Hamilton Jardim e ressalta: “O meu gasto para limpar a lavoura em pousio é de R$ 170 por hectare. Isso precisa ser abatido do custo do trigo. Com trigo no inverno, ainda registro entre 7 a 10% de incremento na produtividade da soja. Ou seja, o trigo é altamente viável dentro do sistema de produção”, conclui Hamilton. Segundo ele, o setor produtivo precisa trabalhar para reduzir os riscos de produção no trigo, da mesma forma que faz com a soja e o milho.

Na lavoura do produtor Lauri Krebes, em Santo Ângelo, RS, os custos de produção empataram com o retorno da lavoura, mas o trigo garantiu a área limpa para a implantação da soja. “Plantamos trigo desde quando eu era criança, quando trocávamos os grãos por farinha no moinho local. Nunca foi uma cultura que dava dinheiro, mas sim de subsistência no campo. Hoje os custos de produção são mais altos, mas também cresceram os rendimentos”, conta Lauri.

O produtor de Santo Ânegelo, RS, Tiago Danzer mantém todos os anos a área de 30 hectares coberta com trigo no inverno para formar a palhada para a soja na sequência. “É preciso avaliar bem o que comprar de insumos, colocando na lavoura somente o necessário. Isso vai equilibrar as contas no final sem comprometer o ganho da soja”, orienta Tiago. “Já temos pouca área, como vamos deixar a propriedade vazia no inverno? Se empatar com o custo, o trigo já cumpriu o seu papel na lavoura”, conclui o produtor.

Cenários

O Presidente da Fecoagro/RS Paulo Pires lembrou que o produtor de trigo deseja lucratividade, liquidez, segurança e previsibilidade. “Difícil atender todos os pilares na mesma safra. Por isso, temos que aproveitar todas as oportunidades que o mercado possa oferecer, sem esquecer da sustentabilidade da lavoura, com renda para o produtor e bons rendimentos no longo prazo”, diz Pires.

De acordo com Pires, está se configurando um cenário positivo para o trigo brasileiro neste ano, com a alta do dólar e os problemas fiscais na Argentina,  que favorecem o consumo da safra nacional pela indústria moageira. O preço, segundo ele, também tem se mantido acima dos R$ 40/sc, atrativo ao produtor. 

Para o Chefe-Geral da Embrapa Trigo Osvaldo Vieira, novos espaços de comercialização do trigo começam a ganhar força neste ano. Ele destacou a aproximação do setor produtivo com a indústria de suínos e aves para uso dos cereais de inverno em substituição ao milho na composição de rações em Santa Catarina, um mercado capaz de absorver grande parte do trigo gaúcho. Outras iniciativas visam atender a indústria de biscoito, que, ao contrário do trigo para panificação, demanda grãos com baixa força de glúten num mercado que posiciona o Brasil como segundo produtor mundial de biscoitos. Existe espaço, ainda, para trigo branqueador, para a abastecer a produção de etanol, para exportação, produção de alimentos integrais, artesanais, forragem animal, entre outros. “A maior falácia é dizer que o trigo brasileiro não tem qualidade. Não estamos falando de trigo ‘chuvado’, mas em safras de tempo seco na colheita o trigo é tão bom e até superior aos grãos importados”, explica Osvaldo Vieira. 

“Precisamos oferecer oportunidades para que o produtor de trigo continue na atividade. Isso passa pela oferta tecnológica para novos mercados. A Embrapa está fazendo a sua parte na pesquisa e apontando as possibilidades para que o setor produtivo estabeleça as melhores estratégias de liquidez ao trigo brasileiro”, finaliza Vieira.

O Seminário Trigo nas Missões foi promoção do Sindicato Rural e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Ângelo, junto com a Emater/RS e apoio da Embrapa Trigo, Farsul, Fecoagro/RS e Fetag/RS. 

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