Preocupado com o clima, produtor de milho reduz oferta e contém desvalorizações
Contudo, os preços internacionais em queda e a cautela de compradores em adquirir grandes lotes ainda impedem valorizações domésticas do cereal
O surto da Covid-19 no mundo, em especial na China e no Brasil, trará riscos e oportunidades em um futuro próximo. Para 2020, além da explosão da pandemia da Covid-19, persistirão a influência da peste suína africana (PSA) na China e a disputa comercial EUA-China. A expectativa é positiva para o setor de proteína animal brasileira, com previsões de aumento nas exportações de carne suína para a China e forte demanda do mercado internacional. Por outro lado, para o setor de soja, qualquer recuperação nas receitas em 2020 é incerta, dependendo não apenas da evolução da PSA que vem dizimando milhares de animais no país asiático, mas também das relações comerciais EUA-China.
O surto da epidemia da Covid-19 veio se somar aos condicionantes anteriores, passando a constituir-se em um terceiro e importante desafio ao agronegócio brasileiro. Antes do surto, as estimativas eram por um PIB Global de 2,3%. Agora se estima uma queda em até -2,5%. Uma contração mais profunda do que a crise global de 2008.
As informações são da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa (SIRE) que acaba de publicar o estudo “Agronegócio em tempos de Covid-19: desafios para o Brasil e a China”, elaborado pelo pesquisador Mário Seixas Alves, do departamento de Análises e Estudos Estratégicos.
A publicação tem como subsídio os dados publicados por agências internacionais que atuam com foco em agronegócio e em serviços de alimentação: RaboResearch, Food & Agribusiness, departamento vinculado ao Rabobank, instituição líder em serviços de financiamento para alimentação, agronegócio e sustentabilidade; FitchSolutions, pertencente à agência de risco Fitch Rating Inc., bem como pela The Economist Intelligence Unit Limited (EIU) e pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), da ESALQ/USP.
“O Brasil enfrenta o desafio de lidar com a ameaça que a pandemia da Covid-19 representa para a saúde de seus cidadãos e para a economia do país. Como principal exportador mundial de vários produtos agrícolas, o país exerce uma liderança reconhecida nos mercados globais de commodities agrícolas”, reconhece o relatório da RaboResearch, Food & Agribusiness.
Em termos globais, embora haja riscos crescentes de interrupções nas cadeias de fornecimento de alimentos, assim como de protecionismo alimentar, por parte de alguns países, estimam-se poucas mudanças na produção mundial. Isso porque a produção agrícola foi relativamente isolada da disseminação da Covid-19 e das medidas de restrições de movimentos de pessoas e de bens entre e intra-países, e regiões. “Evidências sugerem que houve uma interrupção relativamente limitada no setor agrícola, especialmente na produção de grãos e carnes”, afirma o relatório da agência FitchSolutions.
Por outro lado, o fechamento generalizado de restaurantes, hotéis e outros estabelecimentos devido à pandemia de coronavírus, tumultuou os sistemas alimentares dos dois países em foco: Brasil e China. No Brasil, a determinação de fechamentos de restaurantes, lanchonetes e outros serviços de fornecimento de alimentos diretos à população, em resposta à disseminação da Covid-19 por todo o país, reduziu a atividade de serviços de alimentação, limitando os alimentos fora de casa a apenas pedidos de entrega em domicílio, por um período ainda não determinado.
“Com grande parte da população brasileira permanecendo em casa, pelo período de isolamento social necessário para conter, ou minimizar, a contaminação pela Covid-19, a demanda por itens de consumo doméstico aumentou repentinamente e a disponibilidade de alimentos no canal de varejo se tornou uma preocupação para consumidores, processadores de alimentos e varejistas”, detalha Mário Seixas.
Sobre a produção brasileira de commodities, segundo Seixas, embora o comércio global de alimentos dê a impressão de normalidade, em meio à forte demanda de importações para a China ocorridas em março e abril, as agências internacionais demonstram em seus relatórios analíticos preocupação com possíveis interrupções na cadeia de suprimentos em decorrência das medidas de contenção da Covid-19.
“O fechamento de fronteiras ou as restrições de movimentos em determinados países, como é o caso da Argentina, pode afetar o escoamento da produção em portos para exportação”, exemplifica Seixas.
Ele acrescenta que os gargalos que podem impactar a entrega de suprimentos pelos países da América do Sul para o continente asiático podem incluir problemas com transportes terrestres, portos, restrições à circulação de mercadorias, fechamento de ativos e disponibilidade de trabalhadores.
Seixas cita alguns pontos identificados pela agência RaboResearch, Food & Agribusiness como possíveis impeditivos para o escoamento da produção para a China, tanto por países da América do Sul quanto pelos Estados Unidos: a maioria das exportações de soja e farinha da Argentina ocorre em uma pequena área perto da cidade de Rosário, que encontra-se em quarentena; o Brasil envia a maior parte de sua soja, milho e algodão pelo porto de Santos, que tem operado normalmente até agora, apesar do medo de contágio pelos trabalhadores portuários; e os Estados Unidos que enviam grande parte de sua safra de milho e soja a partir de duas regiões portuárias concentradas no Pacífico e em Nova Orleans.
De acordo com dados da agência internacional Rabobank, a China é autossuficiente em todos os principais grãos para alimentação humana, incluindo trigo, milho e arroz. “A importação de grãos para consumo humano representa apenas uma pequena parcela do consumo doméstico, na faixa de 1% a 3%. Além disso, a China possui grandes quantidades de estoque desses grãos, sob responsabilidade estatal”, explica Seixas.
Por outro lado, a China tem uma alta dependência de importação da soja. “A soja importada, a maioria proveniente do Brasil, EUA e Argentina, responde por 85% do consumo doméstico”, ressalta Seixas. “E de acordo com os dados destacados pelas agências internacionais, o mercado está extremamente preocupado com o fato de a logística interna e as operações portuárias poderem ser prejudicadas nesses principais países exportadores, especialmente no Brasil e na Argentina, o que poderia causar interrupções de fornecimento de curto prazo no mercado internacional”, complementa o pesquisador.
Mas o impacto da Covid-19 nas culturas de grãos e oleaginosas no Brasil é visto pelos especialistas das agências internacionais como limitado. Março foi o mês mais intenso da colheita de grãos de primeira safra, e início de preparo para a segunda safra. As operações de campo estão agora focadas na pulverização de proteção das culturas, e essas operações estão sendo realizadas por empregados que vivem na própria propriedade. Portanto, por enquanto, os problemas climáticos são vistos como o principal risco para a produção.
Por outro lado, a expectativa de ganhos é grande pelos produtores, com valores nominais recordes para a soja, devido à forte desvalorização do Real, em relação ao dólar americano. Por esse motivo, os produtores estão acelerando as negociações e vendas da soja no mercado externo, em comparação com os anos anteriores.
De acordo com a RaboResearch, Food & Agribusiness, ainda não há uma previsão de final para o surto na China, Por isso, alterações profundas já podem ser observadas no comportamento do consumidor e pelas novas regulamentações criadas pelo governo chinês.
O governo chinês também tem sugerido que as indústrias processadoras de alimentos invistam em processos de inovação e automação, aprofundando a parceria com indústrias de tecnologias para acelerar, por exemplo, a automação de entregas com o uso de robôs ou drones, reduzindo assim os riscos de escassez ou custos de mão de obra. “Portanto, a tendência é o aumento do comércio eletrônico, com pesado investimento eu automação para a garantia do fornecimento de alimentos para a população”, diz Seixas.
“Multinacionais hoje instaladas na China também já começam a se planejar ou a considerar a possibilidade de realocarem suas capacidades de fabricação para fora daquele País”, ressalta o pesquisador da Embrapa.
Conheça o estudo completo sobre as tendências do agro com a Covid-19 acessando aqui.
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