Em ação ajuizada pelo PT, STF invalida regras que flexibilizaram controle de pesticidas

Ministros decidiram também que deve ser dada total publicidade aos pedidos e às concessões de registro desses produtos, sem exigência de cadastro para consulta

13.07.2023 | 18:11 (UTC -3)
Schubert Peter, com informações do STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais dispositivos do Decreto 4.074/2002, que regulamenta a Lei 7.802/1989. Entre as regras consideradas inconstitucionais estão as que flexibilizaram o controle de qualidade de pesticidas e o aproveitamento de alimentos descartados.

A decisão, por maioria, foi tomada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 910, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Um dos dispositivos invalidados atribuía unicamente ao Ministério da Saúde a fixação do limite máximo de resíduos de pesticidas e o intervalo de segurança de aplicação do produto. Antes, essa competência também era dos Ministérios da Agricultura (Mapa) e do Meio Ambiente. Para a relatora, ministra Cármen Lúcia, a revogação da atribuição compartilhada caracteriza “nítido retrocesso socioambiental".

Também foram declaradas inconstitucionais normas que determinavam aos titulares de registro de pesticidas a obrigação de somente “guardar” os laudos sobre impurezas relevantes do ponto de vista toxicológico e ambiental nesses produtos, cabendo ao Poder Público monitorar e fiscalizar a sua qualidade. Na redação original do decreto, o controle de qualidade cabia ao Mapa e aos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Segundo a relatora, a alteração enfraqueceu o poder de polícia estatal.

Outro dispositivo declarado inconstitucional vinculou a destruição ou a inutilização de vegetais e alimentos em que sejam identificados resíduos de produtos acima dos níveis permitidos ao “risco dietético inaceitável”. Com a decisão, volta a valer a redação de 2002 do decreto que determina a inutilização de alimentos com resíduos de pesticidas "acima dos níveis permitidos". Segundo a ministra Cármen Lúcia, a alteração permitia o aproveitamento de alimentos que seriam descartados por descumprimento das normas sanitárias aplicáveis, colocando em risco a população.

A decisão determinou, ainda, que um produto com múltiplos ingredientes ativos somente poderá ser considerado equivalente para registro se todos eles já tiverem sido registrados. Também deve ser dada total publicidade aos pedidos e às concessões de registro de pesticidas, sem exigência de cadastro para consulta.

Por fim, os ministros decidiram que os critérios referentes a procedimentos, estudos e evidências suficientes para a classificação de pesticidas como cancerígenos, causadores de distúrbios hormonais, danosos ao aparelho reprodutor ou mais perigosos à espécie humana devem ser os aceitos por instituições técnico-científicas nacionais ou internacionais reconhecidas.

Conforme informações do tribunal, a decisão foi:

O Tribunal, por maioria,

(a) converteu o julgamento da medida cautelar em definitivo de mérito;

(b) não conheceu da arguição de descumprimento de preceito fundamental quanto ao inc. IV do art. 6º e ao art. 41 do Decreto n. 4.074/2002, alterado pelo Decreto n. 10.833/2021; e

(c) conheceu parcialmente da arguição de descumprimento de preceito fundamental e julgou parcialmente procedente o pedido para:

(c.1) declarar a inconstitucionalidade do inc. I do art. 6º do Decreto n. 10.833/2021, pelo qual revogado o inc. III do art. 2º do Decreto n. 4.074/2002;

(c.2) declarar a inconstitucionalidade do inc. X do art. 2º e dos §§ 2º e 3º do art. 69 do Decreto n. 4.074/2002, modificado pelo Decreto n. 10.833/2021;

(c.3) declarar a inconstitucionalidade do § 8° do art. 86 do Decreto n. 4.074/2002, modificado pelo Decreto n. 10.833/2021;

(c.4) dar interpretação conforme à Constituição ao inc. I do § 14 do art. 10 do Decreto n. 4.074/2002, alterado pelo Decreto n. 10.833/2021, para que a expressão mesmo ingrediente ativo seja compreendida como a totalidade dos ingredientes ativos dos produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos ou afins que busque se registrar;

(c.5) dar interpretação conforme à Constituição ao inc. XV do art. 2° do Decreto n. 4.074/2002 para que a publicidade aos resumos de pedidos e concessões de registro seja realizada por meio do acesso livre, sem a exigência de cadastro para consulta dessas informações;

(c.6) dar interpretação conforme à Constituição ao § 2° do art. 31 do Decreto n. 4.074/2002, alterado pelo Decreto n. 10.833/2021, para que os critérios referentes aos procedimentos, aos estudos e às evidências suficientes sejam aqueles aceitos por instituições técnico-científicas nacionais ou internacionais reconhecidas.

Tudo nos termos do voto da relatora, vencidos os Ministros André Mendonça e Nunes Marques, que não conheciam da arguição e, vencidos em relação às questões preliminares, no mérito, julgavam improcedentes os pedidos.

Essa decisão recebeu a seguinte ementa:

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Decreto 4.074/2002, modificado pelo Decreto 10.833/2021. Controle de agrotóxicos, componentes e afins. Afronta a preceitos fundamentais garantidores do direito fundamental à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Princípios da prevenção e da precaução. Vedação ao retrocesso socioambiental. Arguição de descumprimento fundamental parcialmente conhecida e julgada, em parte, procedente. (ADPF 910, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 03/07/2023)

A íntegra do acórdão pode ser lido no link abaixo:

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