Congressistas do Mountains conhecem exemplos de produção sustentável em Nova Friburgo (RJ)

A pesquisadora Rachel Bardy, da Embrapa Solos, e a bióloga Maria Clara Estoducto, professora do Ibelga, foram as guias técnicas que conduziram as visitas

02.01.2019 | 21:59 (UTC -3)
Fernando Gregio

Uma das excursões técnicas realizadas durante o Mountains 2018, em Nova Friburgo (RJ), levou participantes do congresso internacional para conhecer três propriedades rurais que fazem parte do chamado Circuto de Agroturismo Altos de Serramar, rede lançada no início do mês de dezembro e que agrega mais de 30 produtores rurais da Região Serrana. A pesquisadora Rachel Bardy, da Embrapa Solos, e a bióloga Maria Clara Estoducto, professora do Ibelga, foram as guias técnicas que conduziram as visitas, que aconteceram no dia 12/12.

A primeira parada aconteceu no Viveiro da Mata Atlântica, às margens da rodovia RJ 142. A equipe do viveiro realiza a coleta de sementes de 230 espécies endêmicas da Região Serrana. São cerca de duas mil matrizes georreferenciadas em uma área de 30 hectares. Após o beneficiamento, as sementes são plantadas em tubetes reutilizáveis, permanecendo as mudas em uma estufa na fase de adaptação. Depois, são levadas para o sol, para o crescimento e rustificação.

“No início, em 2011, pensávamos em trabalhar para grandes projetos. Era a fase pré-Copa do Mundo e Jogos Olímpicos do Rio. Mas isso não aconteceu. Hoje nossos clientes são basicamente produtores rurais e sitiantes de veraneio de pequeno e médio portes aqui da região de Nova Friburgo, preocupados em recuperar áreas degradadas de suas propriedades. Costumamos trabalhar em áreas de difícil recuperação”, explicou o engenheiro agrônomo Kaê Thurler, responsável técnico pelo viveiro. 

De acordo com a pesquisadora Rachel Bardy, a restauração de áreas florestais é fundamental para o fornecimento de vários serviços ecossistêmicos, como a regulação da água e do clima, o estoque de carbono, o controle da erosão em áreas montanhosas e a manutenção da biodiversidade.

Atualmente, o Viveiro da Mata Atlântica e outros empreendedores estão trabalhando para estruturar a associação de produtores de mudas da região.

Oficina das Ervas

A segunda parada da excursão aconteceu na propriedade rural conhecida como Oficina das Ervas, no distrito de Galdinópolis. A proprietária Maria Cristina Frez e sua família vivem no local e cultivam vários tipos de ervas medicinais às margens do rio Macaé, comercializando o produto na forma seca, para chás, ou em travesseiros terapêuticos. O trabalho envolve cuidados especiais com as matas ciliares do rio ao longo da propriedade, ajudando a preservar a importante bacia hidrográfica daquela região.

A família dedica-se também à técnica milenar da tecelagem manual, com diversos teares tradicionais restaurados. Parte da produção é comercializada na lojinha montada no sítio. Outra parte é feita sob encomenda, inclusive de grandes marcas brasileiras. Destaque para a utilização de fibra da flor da planta aquática taboa na confecção de tapetes, colchas e almofadas.

“Sempre gostei muito de artesanato, e quando eu conheci o tear eu me apaixonei. Mas até conseguir que um projeto desse tenha uma renda que dê para você se manter não é fácil. Eu levei oito anos para começar a dizer que estava ganhando alguma coisa com o meu trabalho. Hoje somos em oito pessoas trabalhando diretamente. Chegamos além do que eu imaginava”, revelou Maria Cristina.

E ela não está satisfeita. Já tem como projeto produzir as mudas das ervas que cultiva no sítio para que os visitantes possam levar para casa, e também construir um espaço para oferecer oficinas de final de semana, para transmitir seus conhecimentos.

A professora Maria Clara ressaltou que a visita à Oficina das Ervas deixou claro que a questão das montanhas vai além do turismo e da biodiversidade. “O trabalho desta família mostra que existem pessoas morando e trabalhando na montanha, vivendo da montanha e para a montanha. É o desenvolvimento territorial endógeno, com identidade própria e valorização da cultura local.”

Meliponicultura

A terceira parada da excursão técnica foi no no sítio Gileade, no distrito de Lumiar, dos proprietários Paulo e Ana Paula Corrêa. Eles se dedicam à meliponicultura, criação de abelhas nativas sem ferrão. Paulo dedica-se à prática desde os sete anos de idade e se diz um apaixonado pelas abelhas. Hoje existem cerca de 50 colmeias na propriedade, de diversas espécies de melíponas e trigonas.  

A principal atividade do criador, segundo ele, consiste na multiplicação de enxames, que são repassados a colegas da região, colaborando com a preservação das abelhas, muitas delas ameaçadas de extinção, e a consequente polinização.       

Paulo explicou aos visitantes as funções de cada indivíduo na organização social da colmeia, ressaltando as diferenças entre as abelhas sem ferrão e as europeias e africanas e a maneira peculiar que cada espécie tem de defender a colmeia de invasores. Também ofereceu algumas provas de mel coletados na hora, quando foi possível perceber a diversidade de cores, aromas e sabores dos produtos. 

O casal também ofereceu produtos feitos por Ana Paula a partir de insumos produzidos pelas abelhas (mel, cera, própolis e geoprópolis, que é uma mistura de argila e própolis produzida pelas abelhas) e cultivados no sítio (ervas e flores). São sabonetes, óleos, pomadas, xampus e cremes terapêuticos.

"Sobreviver nesse lugar maravilhoso com essa atividade é uma enorme satisfação. Para chegar até aqui tive que sacrificar minha vida, minha família. Foram oito anos de luta, mas hoje estamos colhendo os frutos", disse Paulo. 

Preservação e bem-estar

A pesquisadora da Embrapa Raquel Bardy destacou que um dos objetivos da excursão a propriedades rurais do circuito turístico Altos da Serramar era mostrar aos congressistas do Mountains exemplos de como o trabalho no ambiente de montanha pode ser sustentável e gerar agregação de valor a produtos artesanais. 

“Pudemos ver como a presença do homem na natureza pode ser sustentável, com famílias vivendo bem, tendo qualidade de vida, e ao mesmo tempo conservando, reutilizando materiais, replantando, tendo uma diversidade maior na agricultura. Tudo isso é importante para o equilíbrio dos ecossistemas, assegura a provisão dos serviços ecossistêmicos e o bem-estar. Esse equilíbrio de biodiversidade e meio ambiente com o bem-estar humano deve ser buscado sempre”, concluiu. 

Visão otimista

Um dos congressistas que acompanhou a excursão foi o professor João Carlos Azevedo, do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), em Portugal. Ele destacou especialmente o trabalho de preservação de espécies nativas da Mata Atlântica, a partir da produção de mudas no viveiro, e salientou a qualidade dos projetos apresentados durante o Mountains, muitos com potencial inovador e que podem servir de referência a áreas de montanhas pelo mundo, segundo ele.

“Chamaram minha atenção especialmente os casos de pagamentos por serviços ecossistêmicos, prática que me pareceu já estar se consolidando aqui no Brasil. Em outras partes do mundo, como na Europa por exemplo, isso ainda não é tão frequente”, relatou.

 


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