Como dimensionar sua frota de tratores e implementos

Uma boa seleção dos tratores e implementos pode garantir menores custos fixos e variáveis ao longo dos anos

15.01.2021 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Máquinas

No Brasil, existe hoje uma disponibilidade muito grande de tratores, colhedoras e demais máquinas e implementos agrícolas capazes de atender a todas as atividades demandadas pela agropecuária, incluindo a parte de produção de grãos, forrageiras, florestal, hortifrutigranjeiros, pecuária intensiva e extensiva etc. Como exemplo, somente em termos de tratores, há atualmente em torno de 20 marcas ou empresas que fabricam e ou revendem aproximadamente 280 modelos de tratores com potência variando de 20cv a 600cv. Em relação às colhedoras de grãos, há menor número de fabricantes, porém há pelo menos 35 modelos dessas máquinas sendo vendidas no Brasil, com potência variando entre 150cv e 700cv. Da mesma forma, pode-se citar fabricantes de outras máquinas e implementos agrícolas desde arados, grades, escarificadores, enxadas rotativas, pulverizadores, carretas graneleiras, distribuidores de sólidos, semeadoras, plantadoras, avião agrícola, colhedoras de cana-de-açúcar, algodão, café, tubérculos, forragens, dentre outras.

Independentemente do processo agrícola a que se destina a propriedade e do tipo de agricultura praticada, familiar ou de escala, o trator ainda é a máquina mais utilizada. Assim, a primeira necessidade visa escolher, selecionar e adequar os conjuntos mecanizados (por exemplo: trator mais semeadora-adubadora) em termos de compatibilização mecânica, de potência e de capacidade de campo efetiva.

A compatibilização mecânica se refere sobre a possibilidade ou não de acoplamento e/ou acionamento entre um conjunto trator + implemento, sendo esta muito fácil de ser obtida e já é de domínio da maioria dos agricultores. Como exemplos práticos de compatibilização mecânica podemos citar um conjunto trator mais arado de discos, montado, de categoria II, o qual não é possível acoplar em trator que possua sistema hidráulico de três pontos de categoria I. Outros exemplos seriam uma semeadora-adubadora de arrasto, acoplada à barra de tração (BT), ou uma ensiladora montada, que possui acionamento da bica de descarga e do defletor de saída por pistões hidráulicos, não podem operar com trator que não possua sistema hidráulico de acionamento remoto (válvulas de controle remoto – VCR). Há também, mais recentemente, a incompatibilidade tecnológica, ou seja, a ausência de componentes mecânicos ou eletrônicos que dificulta e ou impede a “comunicação”, por exemplo, entre o trator e a máquina.

Composição do custo horário (em percentual) de um conjunto trator-semeadora, para uma propriedade que opera com sistema plantio direto, com área estimada de 600 hectares por ano (considerando safras de  inverno e de verão)
Composição do custo horário (em percentual) de um conjunto trator-semeadora, para uma propriedade que opera com sistema plantio direto, com área estimada de 600 hectares por ano (considerando safras de inverno e de verão)

A compatibilização trator-implemento em termos de potência é o ajuste entre o esforço exigido pelo implemento na Tomada de Potência (TDP) ou entre a força de tração na BT e a velocidade de deslocamento com a disponibilidade de potência do motor, considerando as perdas envolvidas nos dois processos. Se for utilizada a TDP do trator, a perda de potência se situa na média de 15%, em relação ao motor operando na sua rotação máxima, o que não é recomendado pelos fabricantes e que não deveria ocorrer na prática.

A rotação de trabalho da TDP dos tratores situa-se em torno de 90% da máxima para a TDP540 Normal e por volta de 70% na TDP540 Econômica. Assim, se for utilizada a TDP540 Normal de um trator de 100cv para acionamento de uma bomba de irrigação ou de um gerador de eletricidade, por exemplo, a potência máxima disponibilizada para o acionamento seria de 77cv (100cv x 0,85 x 0,9 = 77cv). Caso fosse utilizada a TDP540 Econômica, a disponibilidade seria ainda menor, em torno de 60cv (100cv x 0,85 x 0,6) na TDP. Caso o trator, além de fornecer potência para acionamento da TDP, ainda tenha que exercer força de tração, como, por exemplo, acionar a bomba de pistões e a turbina de um atomizador fruteiro, com capacidade de dois mil litros, deve ser feita a soma das exigências de potência (BT e TDP) do mesmo para compatibilizar com a potência do motor do trator.

A compatibilização por exigência de potência na BT ou na TDP é ensinada nas melhores Universidades do Brasil, mas sabe-se que mesmo muitos profissionais da área não possuem conhecimento nem ferramentas para realizar este dimensionamento, que depende do trator, da máquina, do solo, do terreno etc. Em geral, os agricultores se baseiam em informações de catálogos dos fabricantes de máquinas ou mesmo de exemplos de conjuntos mecanizados já utilizados por vizinhos. Por isso, é de suma importância que os fabricantes de máquinas e implementos tenham especificações claras e confiáveis sobre esse assunto nos catálogos de venda dos seus produtos.

Incompatibilidade trator-implemento: exigência de potência da semeadora maior do que o potencial de tração do trator
Incompatibilidade trator-implemento: exigência de potência da semeadora maior do que o potencial de tração do trator

Da mesma forma, os conjuntos mecanizados devem ser compatíveis em termos de capacidade de campo efetiva (CCE) para atender a quantidade de hectares a serem trabalhados em determinado tempo disponível (TD). É a compatibilização mais complicada no planejamento agropecuário. Isso porque é muito difícil prever, com razoável grau de acerto, o tempo disponível para realizar operações agrícolas no campo. Embora se utilizem modelos matemáticos baseados em dados climáticos de longa duração, nem sempre o clima, em especial o regime de chuvas, segue a tendência normal estimada. Assim, em muitos planejamentos são utilizados valores de tempo disponível médios ou até baixos, o que pode implicar superdimensionamento do parque de máquinas da propriedade. Se o planejador ou agricultor considerar valores de tempo disponível súper ou subestimados, implica possuir um parque de máquinas maior do que o necessário ou poderão faltar conjuntos mecanizados para cumprir as tarefas previstas.

Para amenizar essa situação de não saber exatamente como vai se comportar o clima, há alternativas para contornar ou pelo menos amenizar o problema, como utilização de variedades de culturas com diferentes ciclos e mesmo culturas diferentes no ano agrícola. Assim, em caso de falta ou excesso de chuva, pode-se utilizar variedades com ciclo mais precoce ou mais tardio ou trocar a cultura inicialmente prevista. No entanto, caso o agricultor já tenha efetuado a compra das sementes de uma determinada variedade de uma cultura, essa alternativa já não é aplicável. A falta de pontualidade em relação à época da semeadura e/ou plantio de determinada cultura afeta, consequentemente, as demais operações, desde os tratos culturais até a colheita. Além de interferir nas questões legais de seguro agrícola (semeadura fora da época recomendada pelo zoneamento agrícola da região), em geral afeta negativamente a produtividade. Assim, conseguir realizar, no período adequado e recomendado, todas as operações mecanizadas para implantação e condução de uma determinada cultura, passa pelo correto dimensionamento do parque de máquinas e no planejamento operacional, que é extremamente dependente dos dias disponíveis para trabalho no campo.

Obsolescência em máquinas agrícolas: nos detalhes trator com apenas uma válvula de controle remoto (VCR) e a ensiladora necessitando de duas saídas
Obsolescência em máquinas agrícolas: nos detalhes trator com apenas uma válvula de controle remoto (VCR) e a ensiladora necessitando de duas saídas

A compatibilidade entre disponibilidade e necessidade de máquinas em uma propriedade implica custos, desde a aquisição até os de sua utilização. Um parque com muitas máquinas, com baixa utilização, implica altos custos fixos. Um parque com pouca disponibilidade de máquinas pode não atender às tarefas planejadas no período exigido e recomendado.

Assim, outro dado fundamental nas propriedades é saber qual o custo horário de utilização (R$/h) da maquinaria. Um trator ou qualquer outra máquina ou implemento agrícola, quanto mais horas for utilizado por ano, em geral menor é seu custo operacional e menor é a chance de se tornar obsoleto com baixo número de horas trabalhadas. Atualmente existem no mercado diversos programas computacionais para cálculo do custo operacional de máquinas.

Os custos fixos envolvem depreciação, juros, seguro, abrigo e mão de obra. Os custos variáveis englobam gastos com combustível, reparos e peças e manutenção programada, como troca de óleos lubrificantes, de filtros de ar e de óleo, graxa, aditivos etc. Somando-se os custos fixos e variáveis (R$) e dividindo-se este valor pelo total de horas planejadas na vida útil da máquina (h), resulta o custo horário (CH) de utilização (R$/h).

A vida útil de uma máquina é obtida multiplicando-se o número de anos de uso planejados pelo número de horas trabalhadas por ano. Importante considerar no planejamento o tempo em que a máquina poderá se tornar obsoleta, mecânica ou tecnologicamente, ou seja, embora ainda esteja em perfeitas condições de trabalhabilidade, fatores mais modernos de tecnologia impedem ou, no mínimo, restringem o seu uso.

Há uma estreita relação entre custos fixos e variáveis e mesmo entre os custos fixos e entre os custos variáveis. Por exemplo, se o produtor atentar para realizar corretamente a manutenção programada de sua máquina (custo variável), isso provavelmente se refletirá em menor gasto com combustível e com reparos e peças (também custos variáveis). Da mesma forma, irá implicar maior vida útil da máquina (mais anos de uso ou mais horas de uso nos anos) e menor depreciação (custo fixo). Uma mão de obra qualificada, mesmo com custo pouco mais elevado, pode reduzir custos variáveis como depreciação, combustível e reparos e peças, além de propiciar mais trabalho – mais área semeada, colhida, pulverizada por hora de trabalho. O custo de construção e manutenção de um abrigo para as máquinas (custo fixo) tem relação direta com depreciação (custo fixo) e com reparos e peças (custos variáveis). Há máquinas para as quais é muito recomendado que seja pago seguro, como trator, colheitadeiras, distribuidores e pulverizadores autopropelidos e semeadoras, em especial pela possibilidade de ocorrência de incêndios ou de acidentes.

EXEMPLO PRÁTICO

Fazendo-se, como exemplo, um cálculo de custo horário de utilização (CH) de um trator 4x2 com TDA, com cabine, potência de 80cv, com valor de aquisição de R$ 225.000,00 (novo) e prevendo-se uma vida útil de 15 anos e utilização de 600 horas por ano (agricultura familiar, lavoura com grãos em plantio direto), teremos os seguintes valores (em R$/h) por rubrica de custos fixos: Depreciação: 18,00; Juro: 14,00; Seguro: 8,00; Abrigo: 8,00 e Mão de obra: 16,00 (considerando pagamento de salário mensal de R$ 2.000,00 e mais os acréscimos legais de férias, 13º etc.). A soma dos CH fixos daria R$ 64,00. Os custos variáveis, também em R$/h, seriam: Combustível: 32,00; Reparos e Peças: 16,00 e Manutenção Programada: 4,00. A soma dos CH variáveis daria R$ 52,00. O total do custo de utilização do referido trator seria de R$ 116,00 por hora. Se convenientemente estimada a vida útil do trator (15 anos de uso e 600 horas de uso no ano), com o valor calculado de CH se consegue pagar os custos de utilização. Se for contabilizado o total dos valores calculados para Depreciação e somados com o valor obtido com sua venda após os 15 anos de uso, o montante deveria ser o suficiente para adquirir outro modelo de trator novo, semelhante. Às vezes esse cálculo não “fecha” devido a novas tecnologias adicionadas ao trator, mesmo tendo a mesma potência que foi considerada no exemplo (80cv).

Se esse trator operar com uma semeadora-adubadora de precisão com seis linhas, espaçadas em 50cm, com valor de aquisição nova de R$ 100.000,00 e previsão para uso por 15 anos e 100 horas por ano, o CH de utilização (em R$/h) desta máquina seria: Depreciação: 50,00; Juro: 22,00; Seguro: 15,00; Abrigo: 10,00 e Reparos e Peças: 33,00. Assim, daria um CH de R$ 130,00 por hora. Supondo que o conjunto trator-semeadora tenha uma capacidade de campo efetiva de 1,3ha/h (seis linhas espaçadas em 0,5m; velocidade média de 5km/h e eficiência operacional de campo de 86%), o custo para semear um hectare com o conjunto trator-semeadora especificado seria de R$ 190,00 (R$ 116,00/h do trator mais R$ 130,00/h da semeadora dividido por 1,3ha/h).

Muitos agricultores entendem que vários desses itens que compõem o custo horário de utilização não são levados em consideração, que somente há gasto com mão de obra, combustível e manutenção programada. Mas quando vão pagar um serviço mecanizado terceirizado, notam que os valores cobrados, além dos calculados anteriormente, são maiores, pois é embutido um valor de lucro pelo proprietário da mesma.

Cálculos semelhantes podem ser feitos para estimar o custo horário de utilização de máquinas usadas. Porém deve-se atentar ao fato de que, dependendo do tempo de utilização, não serão mais contabilizados a Depreciação nem o Seguro. No entanto, pode-se ter maiores valores relativos a custos com Combustível, Reparos e Peças e com Manutenção Programada, em função do tempo de uso. Assim, nem sempre o CH de um trator usado é menor do que de um novo. 

Constatou-se, nos exemplos apresentados, que o custo hora do trator é maior do que o da semeadora, mesmo esta última custando menos da metade do valor do trator. Isso se deve à reduzida vida útil considerada para a semeadora (15 anos e 100h por ano). No caso considerado, para a agricultura familiar, nem sempre são atingidos esses valores de horas de vida útil do trator e da semeadora, quando se emprega o plantio direto para culturas de grãos. Em alguns casos, fica evidente que seria muito mais econômico ao produtor contratar serviço mecanizado para as suas lavouras, devido à pequena área cultivada e, por isso, à baixa utilização de maquinário. No entanto, nem sempre o agricultor poderá contar com o serviço terceirizado na hora que precisar, por um preço justo e também com a qualidade necessária. Assim, mesmo custando mais caro, prefere adquirir sua própria mecanização e não ficar dependente de terceiros, em especial para as operações agrícolas mais importantes e fundamentais, como semeadura, tratos culturais e colheita, no caso de culturas produtoras de grãos.

Em propriedades menores, da agricultura familiar, é comum a baixa quantidade de horas trabalhadas com a maquinaria existente, em relação às médias e às grandes. Uma das variáveis que reduzem um pouco o CH de utilização é que, nesse tipo de propriedade, as máquinas são utilizadas por muito mais anos, compensando, em parte, o baixo número de horas de uso no ano. No entanto, deve-se considerar que, recentemente, houve uma mudança muito rápida de tecnologias incorporadas às máquinas e pode ocorrer a obsolescência dos bens. A solução é a venda desse usado. Mas ficam as perguntas: vender por quanto? O mercado de usados vai absorver essa maquinaria até quando?

Às vezes, o valor do CH de uma máquina, por exemplo um pulverizador de barras autopropelido, é, aparentemente, bastante elevado (R$ 410,00/h). Mas se for dividir o CH pela área trabalhada por hora (22ha/h), tem-se um custo de R$ 19,00 por hectare aplicado. Assim, é sempre melhor expressar o custo de utilização das máquinas por hectare trabalhado. Nos últimos anos percebeu-se que houve uma mudança na composição percentual dos itens que compõem o custo horário de utilização, em que a rubrica Combustível (logicamente nas máquinas com motor) tem sido bem superior às demais. Também há rápida e alta depreciação dos bens nos primeiros dois anos de uso (ao redor de 30% do valor do novo). A partir do terceiro ano, há uma redução gradual e constante do valor da máquina, em torno de 5% a 8% a.a, até atingir ponto de venda ou de sucata.

Concluindo, vemos que uma boa seleção, o adequado dimensionamento e uma eficiente utilização das máquinas agrícolas interferem atualmente de forma muito impactante na condução e no custo dos empreendimentos agropecuários e, por consequência, na sua lucratividade financeira.

Renato Levien e Michael Mazurana, Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia da UFRGS

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