Cientistas ajudam Campanha Gaúcha a obter selo de procedência para vinhos

06.10.2015 | 20:59 (UTC -3)
Fernando Sinimbu

A ciência está trabalhando para que os vinhos finos produzidos na Campanha Gaúcha, região que abrange parte do oeste e sul do Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai e a Argentina, tenham a Indicação de Procedência, um selo de qualidade concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). O selo vai permitir ao consumidor, por exemplo, identificar o produto e sua origem com confiabilidade. Para isso, os pesquisadores estão desenvolvendo ações como delimitação da área geográfica de produção; zoneamento de clima; testes e escolha das cultivares de uva com maior potencial à produção de vinho; definição de estratégias de controle de doenças e pragas.

A Embrapa Uva e Vinho, em Bento Gonçalves (RS), a 109 quilômetros de Porto Alegre, está à frente de todo o trabalho do Projeto IG Vinhos da Campanha, com pesquisas aplicadas, para estruturar e implantar essa Indicação de Procedência na região, que é o segundo maior polo produtor de vinhos finos do Brasil, respondendo por 31% da produção. A Serra Gaúcha está em primeiro lugar, com 59% da produção.

O trabalho técnico embasará o amparo legal, protegendo e garantindo a exclusividade de uso da marca nos vinhos, de acordo com as normas do INPI, que prevê, entre outros itens, o nome geográfico conhecido como centro de extração, produção ou fabricação do produto ou de prestação de serviço. A Indicação de Procedência (IP) é uma das modalidades do registro de Indicação Geográfica (IG) concedido pelo INPI. Segundo o pesquisador da Embrapa Samar Velho da Silveira, que coordena as ações, o projeto vai gerar também as bases para o desenvolvimento de denominações de origem de vinhos finos e espumantes em áreas específicas da região, além de sustentabilidade ambiental e econômica.

As ações reúnem 41 pesquisadores e mais 30 colaboradores de dez instituições parceiras, como as universidades Federal do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) e a Associação dos Produtores de Vinhos Finos da Campanha. Todo o trabalho é organizado em grupos temáticos: Indicação Geográfica, Viticultura e Fitotecnia, Enologia, Solos e Instalação, Zoneamento de Potencial e Riscos Climáticos e Sistemas de Informações Geográficas.

São esperados resultados e inovações que podem aumentar a competitividade do setor, fortalecer e consolidar o nome da Campanha Gaúcha, além de promover o desenvolvimento do enoturismo. Os pesquisadores trabalham, por exemplo, para o aperfeiçoamento dos métodos de preparo, manejo e conservação do solo; estruturação de sistemas de informações geográficas e elaboração de mapas digitais da região vitícola, bem como a construção de uma rede de monitoramento meteorológico.

Até agora, já foram desenvolvidas atividades nos municípios de Santana do Livramento, Itaqui, Maçambará, Dom Pedrito, Bagé e Candiota. Os pesquisadores enfrentam também desafios na condução dos trabalhos. O primeiro deles, de acordo com o coordenador do projeto, é a falta de costume da população rural da região com o cultivo da videira.

Silveira lembra que, historicamente, a Campanha Gaúcha tem um perfil mais agropecuário do que agrícola. Outro desafio apontado é a "falta de investimentos significativos à ampliação do plantio de novas áreas, instalação de mais vinícolas e capacitação técnica da população local".

Mas a região revela um diferencial que está atraindo a produção de uvas viníferas. Ela possui maior insolação, portanto, maior fotossíntese nas plantas e com isso mais produção de açúcares nos frutos; clima com menos chuva nos meses que antecedem a colheita, o que evita doenças nas plantas geradas por fungos e bactérias; o solo é mais arenoso, o que ajuda na drenagem da água e evita doenças nas raízes, bem como a topografia, que é levemente ondulada, facilitando a mecanização.

Além de todos esses fatores positivos, o valor da terra é baixo para os padrões do Sul do País. Hoje, um hectare na Campanha custa R$ 15 mil, enquanto na Serra Gaúcha, que além da vinicultura é grande polo moveleiro, não sai por menos de R$ 60 mil.

Os produtores acreditam que o reconhecimento da região, por meio da Indicação de Procedência, será um impulso para o desenvolvimento econômico dos onze municípios da Campanha Gaúcha. Os impactos esperados podem mudar a geografia da produção com a obtenção de estímulos a novos investimentos e a inovações tecnológicas, preservando características e tipicidade dos vinhos, estabelecendo, assim, um patrimônio da região.

Segundo o presidente da Associação de Produtores de Vinhos Finos, Giovanni Peres, a Indicação de Procedência será valiosa para consumidores e vinicultores. "É uma conquista, pois vai fortalecer a imagem dos vinhos da Campanha. Queremos que o consumidor, ao comprar uma garrafa com o selo, tenha a certeza de estar adquirindo um vinho de qualidade superior".

O engenheiro-agrônomo Fabrício Domingues, da vinícola Almadén, a maior da região, concorda com Peres sobre a importância do selo de qualidade: "Penso que a Indicação de Procedência da Campanha será um diferencial para competir com as bebidas importadas. Temos que buscar o reconhecimento de qualidade dos produtos nacionais diante dos importados, chilenos e argentinos principalmente, e essa indicação servirá para que nossos produtos sejam reconhecidos tecnicamente como tão bons quanto os vindos de fora".

Encravada no bioma Pampa, a região da Campanha Gaúcha inclui onze municípios em uma área de 41.614 km2, superior à da Suíça, que é de 41.285 km2. A população é estimada hoje em 570 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os municípios de Candiota, Bagé, Dom Pedrito, Santana do Livramento, Rosário do Sul, Quaraí, Uruguaiana e Itaqui são referências da região na produção de uva e vinhos finos.

Reunidas, as dez vinícolas da Campanha têm hoje no mercado quase 300 rótulos. Em 2014, segundo Giovanni Peres, foram produzidos 12 milhões de litros. Para este ano, a expectativa da associação é que a produção chegue a 20 milhões de litros. A região hoje conta com cerca de 180 empresários envolvidos na produção de uvas e vinho. Eles trabalham com variedades viníferas, de origem europeia, como a Cabernet Sauvignon, a de maior prestígio no mundo, Merlot, Tannat, Pinot Noir, Viognier, Chardonnay e Sauvignon Blanc.

Mais conhecida no mercado, a Serra Gaúcha já possui cinco regiões produtoras de vinhos finos com Indicação Geográfica e de Procedência concedidas pelo INPI: Vale dos Vinhedos, Altos Montes, Pinto Bandeira, Monte Belo e Farroupilha. Esses selos foram obtidos com auxílio da pesquisa a Embrapa Uva e Vinho, em parceria com associações de produtores e as universidades Federal do Rio Grande do Sul e de Caxias do Sul, que participou de todo o trabalho de pesquisa, desenvolvimento e inovação para que essas regiões conquistassem o reconhecimento.

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