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Cientistas da Embrapa Agroenergia (DF) desenvolveram as primeiras canas editadas consideradas não-transgênicas do mundo (DNA-Free), de acordo com a Resolução Normativa nº 16 (RN nº 16) da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), proferida no dia 9/12/2021. São as variedades Cana Flex I e a Cana Flex II, variedades que apresentam, respectivamente, maior digestibilidade da parede celular e maior concentração de sacarose nos tecidos vegetais. Elas respondem a um dos maiores desafios do setor: aumentar o acesso das enzimas aos açúcares presos nas células, o que facilita a fabricação de etanol (de primeira e segunda geração) e a extração de outros bioprodutos.
A Cana Flex I é fruto do silenciamento do gene responsável pela rigidez da parede celular da planta. Essa estrutura foi modificada e apresentou maior “digestibilidade”, ou seja, maior acesso ao ataque de enzimas durante a etapa da hidrólise enzimática, processo químico que extrai os compostos da biomassa vegetal.
Já a segunda variedade foi gerada por meio do silenciamento de um gene nos tecidos da planta, o que ocasionou um incremento considerável na produção de sacarose nos colmos da planta modelo, a Setaria viridis.
“Uma vez identificada essa característica de acúmulo de açúcar na planta-modelo, transferimos esse conhecimento para a cultura da cana-de-açúcar, alvo das nossas pesquisas. Novamente foi observado um incremento da ordem de 15% de sacarose no colmo da cana, bem como o aumento de outros açúcares como glicose e frutose, também presentes na planta, tanto no caldo quanto no tecido vegetal fresco”, explica o pesquisador da Embrapa Hugo Molinari.
A equipe também observou incrementos da ordem de 200% de açúcar nas folhas da cana. “Também fizemos ensaios para ver se o gene tinha atuação na melhoria da sacarificação, que é a conversão da celulose em açúcar industrial, e observamos um incremento da ordem de 12%”, complementa o pesquisador.
Como vantagens da Cana Flex II, Molinari cita o aumento da eficiência na produção de bioetanol, a descoberta de uma variedade mais adequada ao processamento industrial, a obtenção de um bagaço com maior digestibilidade para uso na alimentação animal e a agregação de valor à cadeia produtiva da cana-de-açúcar como um todo.
“Em 2020/2021, a produção estimada total de açúcar no mundo foi de 188 milhões de toneladas, sendo o Brasil responsável por 39 milhões de toneladas, o equivalente a 21% da produção mundial”, afirma Molinari.
Outro ponto destacado pelo pesquisador é a contribuição da cultura da cana para uma matriz energética mais limpa. “Hoje sabemos que mais de 45% da matriz energética brasileira é renovável e que a cana-de-açúcar contribui com uma fatia de mais de 30% para essas fontes renováveis,” informa.
A Embrapa Agroenergia já vinha estudando genes relacionados às acil transferases, enzimas responsáveis pela formação e modificação na estrutura da parede celular da planta e que permitem o acesso ao açúcar. “Especificamente no caso da Cana Flex II, o nosso grupo identificou um gene candidato pertencente à família das acil transferases que se mostrou um ativo biotecnológico muito promissor e viável para aumentar a produção de açúcares em gramíneas”, explica o pesquisador.
Ambas as pesquisas utilizaram a técnica da edição genômica CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), técnica revolucionária de manipulação de genes descoberta em 2012. A tecnologia utiliza a enzima Cas9 para cortar o DNA em pontos determinados, modificando regiões específicas. A descoberta rendeu o Prêmio Nobel de Química em 2020 às pesquisadoras que publicaram o primeiro artigo sobre o tema: Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna.
Na construção das Canas Flex I e II, não houve, portanto, modificação do DNA da planta, apenas o silenciamento dos genes. Por esse motivo, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) classificou as novas variedades como não-transgêncas.
“A polêmica gerada acerca do uso de plantas transgênicas na agricultura fez com que cada país no mundo criasse uma regulamentação específica sobre o tema, o que elevou o custo para inserir no mercado as variedades geneticamente modificadas (GM). Hoje, vemos uma nova tecnologia surgir, a edição de genomas, com a qual não é necessária a introdução de sequências exógenas de outras espécies no genoma da espécie-alvo”, conta Molinari.
De acordo com o cientista, apesar de a transgenia continuar sendo uma estratégia importante para a solução de inúmeros problemas na agricultura e agregação de valor a espécies, a edição genômica feita com técnicas como o CRISPR permite a manipulação do DNA de forma mais precisa, rápida e econômica quando comparada à transgenia.
“A tecnologia CRISPR tem permitido uma democratização do uso da biotecnologia na agricultura, não somente do ponto de vista de mais empresas e instituições participarem do desenvolvimento de produtos que chegam ao mercado, mas também permitindo que mais espécies de interesse sejam beneficiadas”, explica Molinari. Segundo ele, o custo estimado para o desenvolvimento de uma planta transgênica é de cerca de US$ 136 milhões e entre 30% e 60% desse valor é destinado às etapas desregulamentação.
Molinari lembra que o desenvolvimento tecnológico da cultura da cana-de-açúcar ao longo do tempo foi o grande responsável pela expansão do setor. Por décadas, diversos grupos de pesquisa no mundo dedicaram esforços em pesquisa básica para ter uma melhor compreensão acerca do metabolismo do açúcar vegetal e seu controle durante o desenvolvimento em espécies modelo. “Hoje, o metabolismo do açúcar é bem conhecido, revelando a integração de várias enzimas e vias metabólicas nos processos de transporte e acúmulo”, complementa o pesquisador.
De acordo com o chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia, Bruno Laviola, o desenvolvimento de novas cultivares de cana pela técnica CRISPR é uma ação na fronteira do conhecimento. “Essas cultivares são somente o começo e abrem caminho para o desenvolvimento e entrega de outras cultivares para o setor produtivo com características que irão impactar diretamente na produtividade da cana e na diminuição do custo de produção,” anuncia.
Com o auxílio da economista Rosana Guiducci, pesquisadora da Embrapa Agroenergia, a variedade Cana Flex II ganhou uma análise sobre cenários de adoção e avaliação de impactos econômicos no setor sucroenergético. A análise foi tema do trabalho final de MBA realizado por Molinari, no qual a economista foi co-orientadora.
O trabalho realizado no MBA buscou avaliar a viabilidade econômica dessa nova variedade voltada para o aumento no teor de açúcares e melhor aproveitamento do bagaço e da palhada para a produção de etanol de segunda geração (E2G).
Para estimar ganhos econômicos com a adoção da tecnologia, o estudo avaliou dois cenários possíveis, um otimista e um conservador. O primeiro seria a expansão gradual da adoção da Cana Flex II em 1% ao ano, atingindo 10% da produção observada na safra 2020/2021 de cana-de-açúcar no Brasil ao fim de dez anos.
No segundo cenário, mais conservador, a taxa de expansão seria de 0,5% ao ano, chegando a 5% da produção de cana observada na safra 2020/2021 ao fim de dez anos. “Em ambos os cenários, consideramos que uma usina padrão iria processar essa produção, destinando 50% da cana para a produção de açúcar e 50% para etanol de primeira geração, e 60% da palha e do bagaço para a produção de etanol E2G na usina”, explica Guiducci.
A análise de viabilidade econômica considerou no fluxo de receita os diferenciais esperados com a Cana Flex II, obtidos na produção de açúcar, etanol 1G e E2G, comparativamente a uma cana convencional.
Considerou-se um investimento para expandir a infraestrutura e capacidade de processamento da usina da ordem de R$ 2 bilhões (cenário otimista) e em dois aportes de R$ 1 bilhão (cenário conservador), ambos com despesas anuais de manutenção da ordem de R$100 milhões.
A análise final indicou que o investimento é viável, uma vez que os ganhos adicionais esperados com a Cana Flex II registraram uma taxa interna de retorno (TIR) de 27% e 16% e um valor presente líquido (VPL) de R$ 4,19 milhões e R$ 982,7 mil nos cenários otimistas e conservador, respectivamente.
Analisando o cenário mundial da cultura da cana, existe uma previsão de crescimento estimado da produção mundial de açúcar de 13% em relação à safra 2019/2020. No Brasil, o aumento esperado é de 32%. Os principais destinos do produto bruto são os mercados asiáticos, além de nações que possuem polos de refino, como a Arábia Saudita e a Argélia. No Brasil, as exportações de açúcar somaram 28,85 milhões de toneladas em 2020, 45% a mais que o ano anterior, quando foram exportados 18,9 milhões de toneladas.
“O aumento das exportações brasileiras é estimulado, sobretudo, pela redução na oferta mundial devido a adversidades climáticas, como geadas, em importantes países produtores da Ásia e pela desvalorização cambial”, explica a economista Rosana Guiducci.
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