Artigo - Produção de alimentos: desafio para o século XXI

19.11.2008 | 21:59 (UTC -3)

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) lançou em Londres, no dia 12 de novembro de 2008, o Relatório sobre a Situação da População Mundial 2008. De acordo com os dados publicados pelo UNFPA, a população mundial atual conta com 6,749 bilhões de habitantes. Para 2050, projeta-se uma população de 9,191 bilhões de habitante. A projeção do Fundo indica um aumento de 2,442 bilhões de habitante nos próximos 41 anos. Para ilustrar o que significa um aumento dessa proporção, cabe observar que a União Européia, que atualmente conta com a participação de 27 países europeus, soma uma população de 495 milhões de habitantes.

Em outras palavras, o aumento populacional projetado para até 2050 equivale à soma de 4,93 blocos europeus. Seria, portanto, como criar 1,2 União Européia ou 594 milhões de habitantes a cada 10 anos.

Para efeito de comparação, estima-se que a população mundial em 1950 contava com 2,4 bilhões de habitantes, em 1985 atingiu 5,000 bilhões, passou em 1999 para 6,000 bilhões, em 2008 chegou aos 6,749 bilhões e em 2050 poderá ter 9,191 bilhões de habitantes. Observa-se que de 1950 até 1999 a população mundial teve um incremento de 3,600 bilhões e de 2000 até 2050 poderá incorporar 3,191 bilhões de habitantes. Evidente a desaceleração do crescimento populacional, principalmente se considerado o número da população no ponto de partida, ou seja, em 1950 e em 2000. Contudo, em termos de aumento do número de pessoas para alimentar, a situação de 2000 até 2050 não difere muito do que foi de 1950 até 1999. Em termos práticos, a agricultura e a pecuária terão que continuar aumentando sua capacidade de produzir alimentos, no mesmo ritmo, pelo menos até 2050.

A denominada Revolução Verde, projetada a partir da década de 1950, levou a um significativo aumento da produção mundial de alimentos ao aplicar os avanços científicos e tecnológicos na agricultura, como o uso de sementes mais produtivas, máquinas agrícolas, sistemas de irrigação, técnicas de cultivo, defensivos químicos e fertilizantes. Entretanto, o instrumental e as práticas desenvolvidas e utilizadas estão se esgotando. Para as próximas décadas, considerando o nível de escassez dos recursos naturais e o contínuo aumento da população, a produção de alimentos em volume suficiente representará um grande desafio para a humanidade, visto que será necessário, ao mesmo tempo, aumentar a produção e atuar para proteger ou recuperar o meio ambiente.

Atualmente, as técnicas oriundas da engenharia genética são apresentadas como uma das principais ferramentas que o ser humano poderá lançar mão para enfrentar o desafio de produzir o alimento necessário à população vindoura. Plantas geneticamente modificadas, em avançado estágio de desenvolvimento, com características de resistência à maior período de seca, a solos ácidos, à salinidade e a temperaturas extremas, poderão contribuir para viabilização de cultivos em áreas até então marginalizadas, para recuperar solos empobrecidos e, conseqüentemente, com o aumento da produção de alimentos. Atentas à necessidade de produzir mais comida, diversas instituições estão direcionando suas pesquisas para o desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas com elevado índice de produtividade, sendo que algumas, como o arroz e a cana-de-açúcar, encontram-se em adiantado estágio de experimentação. Além disso, as plantas geneticamente modificadas desenvolvidas com resistência aos ataques de insetos e vírus e tolerantes a determinados herbicidas, muito tem contribuído para a redução do uso de agrotóxicos.

Na busca pelo encontro de soluções para o desafio posto, somam-se à engenharia genética o incentivo ao uso de técnicas de preservação e recuperação do solo e o uso máquinas sofisticadas como tratores equipados com o sistema de posicionamento global (GPS) que mapeia onde é preciso fazer a correção do solo, permitindo reduzir custo e aumentar a produtividade.

Porém, não só o uso de novas tecnologias e máquinas será suficiente para dar as respostas necessárias, o incentivo aos jovens para optarem pela carreira agrícola e a capacitação do produtor e do trabalhador rural são condições indispensáveis. Principalmente para o Brasil, país que não vem colhendo bons resultados no quesito qualidade de ensino e tem um histórico que é desmotivador à escolha do trabalho rural como profissão, visto que o preconceito à figura do bóia-fria, do pau-de-arara, do peão de roça e o fantasma da mentalidade escravocrata afugenta os jovens trabalhadores.

Esse preconceito que envolve o trabalho na agricultura não deve prevalecer, visto que operar uma máquina equipada com GPS e computador, compreender e bem executar as recomendações de uso de diversos produtos exige um trabalhador bem sucedido em termos educacionais. Precisa-se de trabalhadores rurais cultos, é uma questão estruturante. Nos últimos anos a agricultura desenvolveu mais e melhor do que alguns setores da indústria e do comércio, e as figuras do matuto e do Jeca Tatu não servem mais de rótulo para o trabalhador rural.

Além disso, cabe observar que o Brasil ostenta um índice de agricultores por hectare de terra arável de cultivo permanente semelhante ao de países como Grécia, Holanda e Irlanda. De acordo com dados da Organização das Nações unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) o Brasil conta com uma população de 0,4 agricultor por hectare de terra arável de cultivo permanente. No Japão, esse índice é de 0,8, na China 5,4 e na Índia 3,4. Considerando a vocação agrícola do Brasil, o volume de trabalho necessário ao bom aproveitamento do solo e a adequada preparação da produção para o comércio, pode-se inferir que um aumento de produção implicará a necessidade de aumento de mão-de-obra.

Importante também observar que a população brasileira, que hoje soma 194,2 milhões de pessoas, poderá atingir o montante de 254,1 milhões até 2050, o que significa um aumento de 59,9 milhões de habitantes. A título de comparação, hoje os estados de Minas Gerais e São Paulo somam, juntos, 59,1 milhões de habitantes. Produzir comida e gerar emprego para a população doméstica e, ainda, exportar alimentos para aqueles que precisarão, constitui, ao mesmo tempo, um desafio e uma enorme janela de oportunidade para a agricultura nacional. Soma-se, ainda, ao desafio de produzir alimentos, a necessidade de produzir energia, por meio dos biocombustíveis de primeira ou segunda geração, e papel para esse contingente vindouro.

Até o momento, a agricultura não tem decepcionado a população que vai diariamente aos mercados para comprar alimentos. Entretanto, mesmo estando funcionando a contento, os formuladores de políticas para o setor não podem deixar de valorizar e tratar a agricultura como segmento estratégico. Uma produção insuficiente significa falta de alimentos nos mercados e nas residências.

Advogado e Diretor Jurídico da ANBio

rminare@uol.com.br

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