Uso da pupunheira na agricultura familiar

A pupunheira (Bactris gasipaes Kunth. var. gasipaes Henderson), alia a capacidade de perfilhamento à precocidade, de tal maneira que permita sua exploração continuada por até 15 anos consecutivos

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O palmito brasileiro adveio, inicialmente, da exploração extrativista da juçara (E. oleraceae) e, a partir do anos 80, depois de esgotadas as reservas desta espécie na Mata Atlântica, passou a vir do açaí (E. oleraceae) no Amapá e Pará, que são os maiores produtores e exportadores do palmito em conserva oriundo do extrativismo. Este tipo de exploração levou o IBAMA a colocar a juçara na lista das espécies ameaçadas de extinção, pois a mesma não perfilha e, consequentemente, não possibilita a regeneração das populações nativas. A partir da Rio 92, ficou proibida a extração de palmitos selvagens de juçara ou açaí, acordo vigente a partir do ano 2000. A partir de 1994, as exportações para a França caíram em 50%, principal comprador, que passou a importar palmito da Costa Rica. A partir do mesmo ano, os plantios cultivados de pupunha passaram a ser incrementados no Brasil.

Qual o tamanho do mercado de palmito?

O agronegócio do palmito é relativamente novo, no Brasil e no mundo, com um Valor Bruto de Produção estimado em US$ 500 milhões. Na última década, a atividade deixou de ser eminentemente extrativa, assim como foi reduzida a industrialização clandestina. O acirramento da questão ambiental, a quase extinção das espécies nativas na Mata Atlântica, o raleamento dos estoques de açaí nos estados do Pará e Amapá, o crescente aproveitamento dessa palmeira para a colheita de frutos, aliado às exigências dos consumidores e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), têm induzido, mais recentemente, a dois grandes movimentos: i) à extração organizada em planos de manejo, onde a legislação e a “pressão” ambientalista o permitam; e ii) ao cultivo de espécies nativas e de exóticas, em todas as regiões do País e em quase todos os Estados. Os resultados desses movimentos já são perceptíveis: a reordenação do segmento extrativo-industrial em Belém – extração via planos de manejo, maior atenção à qualidade, palmito ecológico; a instalação de novos grupos empresariais no Sul da Bahia e no Vale do Ribeira (SP); a reordenação das agroindústrias tradicionais, no Sul do País e; o incremento da atividade em Santa Catarina e no Paraná, via projetos de cultivo.

Em 2007, o Brasil produziu 61.429 toneladas, o que representa uma área colhida de 10.035 ha. As regiões Centro-Oeste e Nordeste foram responsáveis por 78,5% dessa produção. Os estados de Goiás e Bahia destacaram-sem com uma produção entre 23.092 e 21.253 toneladas. Os estados do Espírito Santo e São Paulo, apresentaram produção entre 778 e 1933 toneladas, mas vêm se destacando em evolução de área colhida, quantidade produzida e rendimento médio por hectare. Em 2008, o Brasil exportou 1.624 toneladas de palmito, o que corresponde a US$ 7,1 milhões, sendo que a maior parte destas exportações foi destinada para os Estados Unidos, com 1.072 toneladas (66% do total das exportações), seguido pela França, com 133 toneladas.

O Brasil é o maior produtor e consumidor de palmito do mundo, mas já não possui mais o título de maior exportador. Nos últimos anos, a Costa Rica e o Equador, com plantios de pupunha de forma organizada, com ganhos de escala e consequentemente preços mais baixos, assumiram a liderança do mercado internacional. A perda do Brasil da primeira posição no ranking dos maiores exportadores mundiais deve-se aos fatos do palmito nacional apresentar baixa qualidade e de ser um produto não ecológico, pois é sustentado pelo corte de palmeiras nativas. A baixa qualidade do palmito é resultado do processo de extrativismo.

Devido ao potencial comercial do palmito de pupunha, muitos países latino-americanos estão investindo no seu cultivo e industrialização. O interesse para cultivar a pupunha está aumentando fortemente nos últimos anos, especialmente para a produção de palmito. Dois fatores que estão facilitando este aumento: a existência de um mercado a nível mundial e a disponibilidade de tecnologia para o cultivo e industrialização da pupunha para palmito.

O palmito é um produto nobre e com mercado garantido, sendo o Brasil o maior produtor mundial, com aproximadamente 95% do total, sendo os maiores compradores a França e os Estados Unidos. Em 2006 a exportação de palmito em conserva foi de U$ 35 milhões. Somente para atender ao consumo interno, estima-se que o Brasil precisa de uma área cultivada de 130.000hectares.ha A área cultivada com pupunha é de 204.000ha. O faturamento anual do setor palmito é de 350 milhões de dólares, com a geração de 8 mil empregos diretos e 25 mil empregos indiretos.

Quais as potencialidades da pupunheira na produção de palmito?

A pupunheira (Bactris gasipaes Kunth. var. gasipaes Henderson), alia a capacidade de perfilhamento à precocidade, de tal maneira que permita sua exploração continuada por até 15 anos consecutivos (como ocorre na Costa Rica), sob boas condições de manejo, sem necessidade de quaisquer replantios.

Por estas características que lhe são inerentes, a pupunheira pode ser cultivada e seu palmito explorado sob condições ambientalmente sustentáveis e, em alguns casos, em áreas declivosas marginais aos cultivos mecanizados de culturas anuais como a soja e o milho, com rentabilidades economicamente aceitáveis e, por isto, sua demanda por parte de produtores de diversas regiões do Brasil tem sido crescente. Seu palmito, de boa qualidade, apresenta lenta oxidação, viabilizando a comercialização do produto in natura, até exportação, o que não acontece com as demais espécies produtoras de palmito. A cultura da pupunha, além do potencial produtivo e excelente opção de renda para o agricultor, pode também ter uma função ecológica importante, pois pode atender à demanda de palmito, aliviando a pressão sobre o extrativismo que tem sido observado na exploração do palmito oriundo do Euterpe.

Como está a pesquisa com a pupunheira?

As pesquisas com a pupunheira para palmito no Brasil foram iniciadas há cerca de 36 anos, por pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e Instituto Nacional de PesquisaS da Amazônia (INPA). No entanto, carecia de um projeto de maior abrangência e sistematicidade, que cobrisse diversas áreas, como acontece com outras culturas agrícolas e florestais, vindo a atender as demandas regionais existentes.

No ano 2000 foi estabelecida a primeira ação conjunta com pupunheira para palmito no Sul do Brasil, através de um projeto interinstitucional, coordenado pela Embrapa Florestas e uma rede de pesquisa/parceiros. Essa atuação ocorreu através de um trabalho conjunto com outras instituições e parceiros privados, conforme segue: Rio de Janeiro (Embrapa Agroindústria de Alimentos, UFRJ), Paraná (Embrapa Florestas, Embrapa Soja, Universidade Estadual de Maringá, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Universidade Federal do Paraná, EMATER-PR, IAPAR, Faculdades ‘Espírita’, PUC-PR), Santa Catarina (EPAGRI, Fundação Municipal 25 de Julho), Minas Gerais (Embrapa Milho e Sorgo, Universidade Federal de Minas Gerais), São Paulo (APTA/IAC, CATI); empresas privadas (Voight Alimentos Ltda, Empresa Flora do Vale – Joinville/SC, Indústria e Comércio de Conservas Alimentícias Vale do Ribeira–Registro/SP, Viveiros Flora do Vale–Eldorado/SP) e associações (Associação dos Produtores de Pupunha do Vale do Ribeira–Apuvale, Associação Brasileira das Indústrias do Palmito Pupunha).

Os principais resultados deste projeto foram: primeiro estudo nacional sobre o mercado do palmito, zoneamento edafoclimático do estado do Paraná, tecnologias geradas/adaptadas (sobre produção de mudas, espaçamento, controle químico de plantas daninhas, etiologia e controle químico da antracnose, sistema de irrigação (microaspersão e gotejamento), quebra-ventos, manejo de perfilhos e colheita), seleção de pupunheiras produtivas no litoral e nordeste do Paraná, instalação de um banco ativo de germoplasma e definição de indicadores de custos, produtividade e renda da pupunha para palmito.

Os resultados dessas interações resultaram em vários dias de campos e cursos, folders, publicações diversas e Encontros Regionais com até 300 participantes, envolvendo produtores, agroindustriais e extensionistas. Também realizaram-se dois dias de campo na TV (com alcance nacional). Em 2008 foi publicado o livro “Palmeiras produtoras de palmito”. Um dos principais resultados obtidos foi a definição do fluxograma de processamento mínimo com o uso de solução filmogênica para revestimento comestível do tolete de palmito de pupunha e desenvolvimento de uma embalagem específica para comercialização do palmito minimamente processado aumentando a sua vida útil de 10 para 22 dias. Com isso, o produto in natura pode ser comercializado em locais distantes da produção agroindustrial e até mesmo exportado por via aérea, uma vez que o valor agregado deste produto é alto. O uso desta tecnologia propicia um produto de qualidade com alto valor comercial. Além disso, enfatizam-se o estudo das formas de comercialização do palmito, a tecnologia de processamento mínimo de espaguete de palmito, controle físico de plantas daninhas (uso de papelão tratado), obtenção da 3a geração de seleção de sementes melhoradas e estratégias para controle de doenças.

Espera-se neste projeto alcançar avanços sensíveis que permitam a consolidação de um sistema de produção competitivo, atendendo especialmente os anseios dos produtores e dos agroindustriais. Parte desses produtos/tecnologias poderão também ser adotados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste do País, como é o caso da nova embalagem e estudo de mercado, entre outros.

E a pupunheira na agricultura familiar?

Por suas características, a pupunheira também pode ser trabalhada no sistema de Agricultura Familiar, podendo ser cultivada isoladamente ou consorciada com outras culturas, o que a torna sustentável do ponto de vista socioeconômico.

A pupunheira é uma planta perene que apresenta algumas vantagens para seu cultivo destinado à produção de palmito como: precocidade de corte, rusticidade, perfilhamento abundante, boa palatabilidade. Seu palmito apresenta lenta oxidação (escurecimento), viabilizando a comercialização do produto in natura. A viabilização da comercialização do palmito in natura por grupos de produtores pode constituir-se em importante fonte de renda para agricultores familiares, uma vez que o processamento não exigiria grandes investimentos e tornaria possível a venda do produto em mercados locais (feiras de produtores) ou em grandes mercados.

Na região Sul, a região litorânea dos estados do Paraná e de Santa Catarina apresenta-se como área potencial para o plantio da pupunheira para palmito, devido às suas condições climáticas serem favoráveis ao estabelecimento e desenvolvimento da espécie. Nas regiões nordeste e noroeste do estado do Paraná, em áreas com disponibilidade de água deficitária e menos propensas às geadas, a pupunheira pode ser cultivada com o uso de irrigação, quebra ventos, culturas anuais intercalares, adubação verde, nutrição adequada das plantas e a escolha da época ideal de plantio (setembro a fevereiro). Adotando-se estes cuidados, o produtor poder obter índices adequados de produtividade e de rentabilidade.

Álvaro Figueredo dos Santos

é Engenheiro Agrônomo, Doutor em Fitopatologia e Pesquisador da Embrapa Florestas;

Dinelson José Maciel Neves

é Engenheiro Florestal, Doutor em Engenharia Florestal e Pesquisador da Embrapa Florestas;

Antonio Nascim Kalil Filho

é Engenheiro Agrônomo, Doutor em Genética Vegetal e Pesquisador da Embrapa Florestas

Joel Penteado Junior

é Economista, Mestre em Agronomia e Analista da Embrapa Florestas

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