Tratamento de sementes com fungicidas

Cuidados exigidos com a qualidade sanitária das sementes, cujo tratamento químico com fungicidas mantém papel fundamental na prevenção de doenças nas lavouras

21.10.2022 | 14:27 (UTC -3)

Na era digital, marcada pela oferta abundante de informações quase em tempo real, aspectos básicos para alavancar a produtividade não podem ser abandonados. É o caso dos cuidados exigidos com a qualidade sanitária das sementes, cujo tratamento químico com fungicidas mantém papel fundamental na prevenção de doenças nas lavouras.

A agricultura moderna tem exigido mais profissionalismo a cada safra. O antigo agricultor, que realizava apenas o trabalho braçal na lavoura, tem dado lugar ao novo empresário rural que, além de acompanhar o campo em seu cotidiano, também tem estado mais atualizado quanto às novas tecnologias, aquisição de insumos e comercialização de grãos.

A era digital chegou às fazendas com oferta, quase em tempo real, de informações sobre clima, valores das commodities e resultados de pesquisa que facilitam a tomada de decisão por parte dos agricultores e técnicos. Mas, por outro lado, aspectos básicos para alcançar maiores produtividades têm sido deixados de lado.

Não adianta escolher a cultivar mais adaptada para sua região e com maior teto produtivo; realizar a correção química, física e biológica do solo; adquirir os melhores programas de defensivos para aplicação em parte área; investir em máquinas modernas, se o agricultor esquecer que o início de tudo está na semente, que precisa ser protegida.

Poucos são os agricultores que realizam uma análise da qualidade fisiológica e sanitária da semente, principalmente dentre aqueles que “salvam” suas próprias sementes. E, como não há obrigatoriedade da realização da patologia de sementes, muitas vezes o próprio agricultor é responsável por introduzir novas doenças ou raças de patógenos em suas áreas. Aproximadamente 90% das culturas utilizadas para alimentação humana são provenientes de sementes, dentre as quais destacam-se a soja, feijão, arroz, milho, trigo, cevada, girassol e amendoim.

Plantas infectadas com a presença de lesões nos cotilédones
Plantas infectadas com a presença de lesões nos cotilédones

No Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) existem regras e normas brasileiras para análises sanitárias de sementes e, tais testes têm como principal objetivo determinar a condição sanitária, provendo importantes informações, tais como: serviços de quarentena, certificação de sementes, valor cultural, resistência de cultivares aos patógenos, necessidade e eficiência de tratamento químico, além de qualidade de grãos armazenados (EMPRAPA, 2005).

Nas principais culturas há um grande número de patógenos importantes que interferem na germinação das sementes e emergência de plântulas resultando na redução de estande e, consequentemente nos parâmetros produtivos.

Dentre os patógenos da cultura da soja que têm disso verificados com maior frequência no Laboratório da Agro Carregal e que são disseminados por sementes destacam-se Phomopsis spp., Colletotrichum spp., Fusarium spp., Cercospora kikuchii, Macrophomina phaseolina, Aspergillus spp., Penicillium spp., Penicillium spp., Sclerotinia sclerotiorum e Rhizoctonia solani.

Como o uso de sementes certificadas não é garantia de que estejam isentas de patógenos, existe a necessidade crescente da realização do tratamento químico.

Bandejas com tratamento
Bandejas com tratamento
Bandejas sem tratamento
Bandejas sem tratamento

Sclerotinia sclerotiorum

Causador do mofo branco em diferentes culturas pode estar associado à semente através do micélio dormente e também pelo escleródio (estrutura de resistência do fungo) aderido (GOULART, 2005). Neste caso as sementes constituem um abrigo seguro à sobrevivência do fungo e também um eficiente método de disseminação às longas distâncias.

A incidência desse fungo nas sementes pode causar falhas de estande tanto pelo tombamento em pré quanto em pós emergência. Além disso, haverá a produção de escleródios que constituirão a fonte de inóculo para o próximo cultivo. Hoffman et al. (1998) verificaram 0,3 a 0,7% de incidência de S. sclerotiorum em sementes de soja colhidas em áreas com alta incidência da doença. Apesar de parecer baixa, tal porcentagem de sementes infectadas pode ser extremamente elevada. Para uma cultivar cuja população seja 300 mil plantas por hectare, o agricultor poderá estar introduzindo de 900 a 2100 sementes infectadas por hectare, o que muitas vezes explica a incidência da doença mesmo em áreas nunca cultivadas com soja anteriormente.

Devido à dificuldade de controle e ao potencial de destruição desse patógeno, o nível de tolerância de Sclerotinia sclerotiorum é zero em todas as categorias de sementes de soja comercializadas. Porém, esse índice é baseado somente na presença de escleródios no lote, não sendo obrigatório o teste de sanidade para detecção de micélio dormente.

A melhor alternativa para o agricultor (além de proceder a análise sanitária das sementes) é a realização do tratamento de sementes com fungicidas para tal finalidade. O tratamento de sementes pode ser realizado na própria fazenda (onfarm) ou solicitado na aquisição das sementes (TSI – tratamento de sementes industrial).

Nos experimentos desenvolvidos durante safra 2017/18 na Agro Carregal verificou-se eficiência de diferentes princípios ativos quando comparados à testemunha sem tratamento (7% de incidência em sementes infestadas artificialmente). Os principais fungicidas foram mancozebe, fluazinam, thiabendazol, carbendazim, tiofanato metílico e metalaxil M + fludioxonil, os quaisproporcionaram até 100% de controle.

Phomopsisspp.

O fungo Phomopsis causador da seca da haste e das vagens e também de infecção de sementes é muito comum nas áreas de cultivo de soja, causando perdas em produtividade e na qualidade dos grãos (Wrather et al., 2010). A senescência prematura de plantas de soja ocasiona redução na produtividade quando ocorre antes do completo enchimento de grãos, podendo ainda aumentar a infecção de hastes e sementes por Phomopsis spp., já que a senescência geralmente ocorre sob condições ambientais ótimas ao desenvolvimento da doença (Meriles et al., 2004).

Phomopsis spp, um dos patógenos mais frequentes transmitidos por sementes
Phomopsis spp, um dos patógenos mais frequentes transmitidos por sementes

Apesar da espécie Phomopsis longicolla ser mais comumente recuperada de sementes que as demais (Lu et al., 2010), todas as espécies desse complexo podem atacar e afetar a qualidade das sementes. As sementes infectadas podem não apresentar sintomas, mas geralmente são enrugadas e esbranquiçadas e acabam não germinando ou o fazem de forma mais lenta, resultando em tombamento pré ou pós emergência. Estudos histológicos têm demonstrado que os conídios de P. longicolla germinam e estabelecem-se dentro de 24 horas após sua chegada à superfície da vagem, ressaltando-se que, após 24 horas a 48 horas, ocorre a penetração nas vagens. As colonizações das sementes ocorrem após a colonização da vagem (DRINGRA, ACUNÃ, 1997).

Outros trabalhos têm demonstrado que sementes altamente infectadas por Phomopsis podem ter sua germinação drasticamente reduzida, quando avaliada pelo teste padrão rolo de papel toalha a 25°C. Porém, a emergência das plântulas oriundas de sementes no teste de solo ou areia não é afetada, se a qualidade fisiológica for boa e as condições forem adequadas para rápidas germinação e emergência. Esses resultados podem ser explicados por um mecanismo de escape em que a plântula, ao emergir, solta o tegumento infectado no solo, ao passo que, no teste padrão de germinação (rolo de papel) o tegumento permanece em contato com os cotilédones, causando sua deterioração. Esses resultados demonstram que o teste padrão de germinação, isoladamente, é inadequado para avaliar a qualidade de sementes de soja com alta incidência de Phomopsis.

Sementes infectadas superficialmente por Phomopsis spp., quando semeadas em solos úmidos, geralmente chegam a emergir. Porém, o fungo desenvolvido no tegumento não permite que os cotilédones se abram, impedindo a expansão das folhas primárias. Somente infecções que se iniciam nas vagens resultam em deterioração das sementes (ALMEIDA et al., 2005).

Dentro o manejo de doenças o tratamento das sementes com fungicidas do grupo dos benzimidazóis (carbendazin, tiofanato metílico e tiabendazol) pode reduzir a taxa de transmissão da doença e é recomendado para o controle de Phomopsis spp. (Tecnologias, 2010).

Sementes tratadas contra patógenos presentes no solo
Sementes tratadas contra patógenos presentes no solo

Colletotrichum truncatum

A antracnose é a principal doença que afeta a fase inicial de formação das vagens e um dos principais problemas nos cerrados. A maior ocorrência pode ser atribuída à elevada precipitação, às altas temperaturas e ao adensamento de semeadura. É causada pelo fungo Colletotrichum truncatum, podendo ocorrer morte das plântulas, necrose dos pecíolos e manchas nas folhas, hastes e vagens. Inoculo proveniente de restos de cultura e sementes infectadas pode causar necrose nos cotilédones, que tende a se estender para o hipocótilo, causando o dampingoff(tombamento) de pré e pós-emergência.

Fungicidas a base de thiram, benzimidazóis, determinadas estrobilurinas  e também alguns triazóis apresentam controle efetivo da doença. Os produtos comerciais mais modernos têm apresentado alta eficácia de controle do patógeno nas sementes.

Com relação à perda de viabilidade desse patógeno nas sementes durante o armazenamento, pesquisas demonstraram que esse fungo é mais persistente que Phomopsis spp. e Fusarium semitectum, apesar de sua incidência diminuir quando as sementes são armazenadas em condições ambientes, por um período de seis meses.

O conhecimento da variabilidade espacial de C. truncatum, encontrado nos campos de produção de sementes e de grãos constitui-se em informações fundamentais para o entendimento do progresso da antracnose e para tomada de decisão de medidas de controle. Caso o inoculo primário disseminado via semente encontre ambiente favorável e o hospedeiro seja suscetível, os focos iniciais de infecção ocorrerão de forma aleatória a campo. Posteriormente, o progresso da doença no espaço e no tempo ocorrerá a partir da fonte de inóculo secundário (normalmente oriundo dos cotilédones sintomáticos), produzido nas primeiras lesões das plantas infectadas.

De acordo com Henning (2013), no Brasil não foi estabelecido nível de tolerância para C. truncatum em sementes de soja. Do mesmo modo, ainda não se tem muitas informações referentes à transmissibilidade da semente para a planta e da planta para a semente.     

Cercospora kikuchii

O crestamento foliar de cercospora (Cescospora kikuchii) é um fungo cosmopolita e encontra-se em todas as regiões produtoras de soja do Brasil, causando o crestamento na folha e a mancha-púrpura na semente da soja, caracterizada visualmente pelo arroxeamento das sementes (CARREGAL et al. 2015). Esse fungo pode reduzir a qualidade e a germinação da semente, cuja incidência é favorecida por condições quentes e úmidas, desde a floração até a maturidade fisiológica da soja (FAO, 1995).

As perdas causadas por esta doença variam de 15% a 30% (EMBRAPA, 2000), podendo resultar em até 50% de perdas resultantes do chochamento das vagens (sem sementes), caso incidência elevada ocorra no estágio de granação (CÂMARA, 1998). Além disso, a desfolha antecipada, induzida por C. kikuchii, pode reduzir a produção, devido à formação de sementes de menor tamanho (FAO, 1995).

As sementes infectadas não parecem ser fonte importante de inóculo, a não ser em áreas novas, uma vez que a taxa de transmissão semente-planta-semente é bastante baixa. No teste de sanidade, a presença da coloração púrpura do tegumento facilita a identificação do fungo, bastando observar o seu crescimento e/ou esporulação. O controle da disseminação e da transmissão de patógenos por sementes pode ser realizado por meio do tratamento com fungicidas (MACHADO, 2000). Neste caso também, os produtos mais modernos e que normalmente contêm benzimidazóis em sua constituição têm apresentado controle eficiente.

É importante salientar que o tratamento de sementes é fundamental para proteger as sementes dos patógenos já presentes no solo e erradicar aqueles que estão infestando as sementes (lado de fora do tegumento). Já para o controle de sementes infectadas, a eficácia do tratamento pode variar grandemente.

O agricultor precisa entender que o efeito dos fungicidas em tratamento de sementes permanece efetivo por um período de 10 dias a 15 dias, protegendo inclusive a plântula (produtos sistêmicos) nos primeiros dias após a emergência. Após esse período a plântula estará desprotegida e outros medidas de controle como rotação de culturas são fundamentais para minimizar as perdas. Assim sendo, um engenheiro agrônomo deve sempre ser consultado.

Geliane Cardoso Ribeiro, Luís Henrique Carregal, Agro Carregal Pesquisa e Proteção de Plantas

Artigo publicado na edição 230 da Cultivar Grandes Culturas, mês julho, ano 2018.

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