Tração ideal

Há grande oferta de tratores no mercado; ao optar por um, o agricultor deve considerar se está comprando o produto que mais se adapta às suas necessidades.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Para produzir tração, o trator se vale basicamente de um motor, de um sistema de transmissão e de um sistema de rodado, como se diz em geral.

O rodado é um conjunto de órgãos que, além de sustentar o peso do trator, permite a autopropulsão, o direcionamento e, principalmente, a transformação da potência do motor em potência útil na barra. Mas a potência do motor que chega ao rodado, denominada potência no eixo, é distribuída na sobreposição da resistência ao rolamento, nas perdas por patinagem, na interação rodado-solo e na produção de trabalho útil na barra de tração. De modo que o uso mais eficiente de potência do trator é obtido quando se alcança maiores valores de potência na barra, com mínimos valores nas demais formas. Para o cumprimento dessas funções e requisitos são identificados dois tipos de rodado: a) rodado pneumático; b) rodado de esteira.

Cada um desses tipos apresenta características tais que possibilitam vantagens e desvantagens em diversas situações de campo. Muito da energia produzida pelo trator (20 a 50 %) se perde na interface pneu-solo, o que leva a contínua necessidade de desenvolvimento de estudos que visam a melhoria de sua construção, utilização e seleção adequada, em função da operação a ser executada, do tipo e condições de solo e das características do trator utilizado. Por conta disso é que se tem diferentes configurações de rodado: 4x2, 4x4, esteira, meia esteira e outras.

RODADOS PNEUMÁTICOS

Da primitiva roda de ferro à roda pneumática, muita tecnologia foi desenvolvida. Os primeiros tratores construídos eram equipados com rodas de ferro providas de garras, mas estas transmitiam muitas vibrações ao operador. Razão porque a introdução do pneumático em tratores agrícolas tinha, a princípio, a finalidade de propiciar conforto ao operador, pois a borracha absorvia boa parte dessas vibrações. Com o aperfeiçoamento dos processos de obtenção da borracha e combinação de outros elementos utilizados na construção do pneu, estes passaram a apresentar também vantajosas características de resistência e aderência ao solo.

As configurações mais comuns dos rodados pneumáticos estão representadas nos tratores classificados como 4x2 e 4x4, passando pelo trator 4x2 auxiliar (ou trator com tração dianteira auxiliar). Saliente-se que as designações aqui usadas e ainda não normatizadas são quase um consenso no meio técnico. De modo que se entende aqui como trator 4x2 aquele que tem um eixo de tração e um eixo com rodas direcionais; 4x4 o de quatro rodas iguais e tração em dois eixos, às vezes chamada de tração dupla; 4x2 auxiliar o que tem quatro rodas de tração, mas com tração opcional no eixo dianteiro, também chamada de tração dianteira auxiliar ou assistida.

Mas o que diferencia um do outro em termos de aplicação?

Os tratores convencionais, de duas rodas de tração (4x2), respeitadas as suas limitações, destinam-se, a princípio, para tarefas diversas na propriedade agrícola. Possuem, em geral, motores com potência de até 100 cv e caracterizam-se pelo desenvolvimento de pequeno esforço de tração, pela versatilidade para manobrar em espaços reduzidos, e para realizar cultivos em linha e transporte. Por sua limitação de tração, se adequam melhor a solos de textura média e em regiões de moderado índice pluviométrico, que não compromete as condições de aderência dos pneus no solo. Tratores desse tipo são encontrados na faixa de R$15 mil a R$ 50 mil.

Embora os tratores convencionais ocupem uma fatia boa do mercado - o aumento das propriedades agrícolas que demandou aumento na largura dos implementos e uso de maior velocidade de deslocamento na execução das operações agrícolas, principalmente a de preparo do solo - foram sendo substituídos pelos tratores com tração nas quatro rodas (4x4).

Os tratores 4x4 são pesados e de grande porte, apresentam potência no motor acima de 120 cv e podem ter chassi rígido ou articulado; com preço que varia de R$ 250 mil a R$ 350 mil. Adequam-se melhor a solos pesados, em tarefas com alta exigência de tração, oferecem maior segurança em terrenos mais declivosos (a distribuição de peso por eixos lhes dá grande estabilidade longitudinal) e melhor capacidade de frenagem, uma vez que o freio atua nas quatro rodas. Não se adequam, porém, às operações de cultivo, por conta do tamanho dos pneumáticos.

Já os tratores 4x2 aux., que se constituem em uma alternativa intermediária às duas configurações, apresentam, guardadas as devidas proporções, vantagens próximas aos 4x4, com preços bem inferiores a estes (a grande maioria varia de R$ 25 mil a R$ 90 mil). Pode-se dizer que os tratores 4x2 aux. têm, quase, “cara” de um trator convencional com “coração” de 4x4, isto é, as rodas dianteiras com menor diâmetro que as traseiras, com possibilidade de controle da direção (como nos 4x2), mas quando a tração dianteira é acionada possibilita maior capacidade de tração (como nos 4x4). Estudos realizados no Centro de Mecanização e Automação Agrícola e outros, mostram que a força de tração de um trator TDA pode ser aumentada em até 30% em relação a mesma versão com tração simples.

Inicialmente introduzida em tratores com potência acima de 100 cv, a tração dianteira assistida foi tão bem aceita no mercado, que também equipam tratores em quase todas as faixas de potência, inclusive abaixo de 40 cv.

Inúmeros trabalhos técnicos-científicos comparando o desempenho de tratores 4x2 e 4x2 aux. comprovam, além do aumento de tração, redução da patinagem das rodas motrizes e aumento da capacidade operacional, com o uso de tratores com TDA. As vantagens do 4x2 aux. são mais evidenciadas em condições adversas (terrenos inclinados, solos úmidos, áreas irrigadas) onde os tratores convencionais têm dificuldades de operar.

Sendo o peso sobre o rodado um dos determinadores da capacidade de tração neste tipo de trator, a concentração de peso no eixo dianteiro tem muita influência. Para melhor eficiência de tração o ideal é que se situe entre 40 e 45 % do peso total, no eixo dianteiro, enquanto que os tratores 4x2 apresentam cerca de 20 a 35%. Muitas vezes, entretanto, o agricultor altera essa lastragem, retirando ou colocando peso, e não usa todo o potencial do trator.

Para fins de comparação, apresenta-se na Tabela (

) valores representativos da eficiência de tração para os diversos tipos de trator, conforme adotado pela American Society of Agricultural Engineers.

Mas a eficiência de tração e todos os demais parâmetros (velocidade, consumo de combustível, patinagem, características técnicas) que podem apontar vantagens para um ou para outro tipo, nem sempre definem sozinhos a compra de um trator. O custo de aquisição ainda exerce forte influência. Reverter essa valoração, ponderando sobre o total de horas trabalhadas no ano, a aplicação desejada e as condições de campo disponíveis é tarefa que o agricultor deveria considerar na hora de compra da máquina.

PNEU NA MEDIDA CERTA

Seja qual for o tipo de rodado pneumático, o importante é utilizar o conjunto de pneus adequado. No campo não é incomum encontrar certas improvisações em tratores 4x2: de um lado do eixo dianteiro um pneu agrícola tipo F-2 e de outro, um pneu de utilitário tipo Jeep.

Uma comparação com o homem é válida. O que acontece quando se calça um sapato apertado, folgado ou um tipo e outro simultaneamente? Não é desconfortável? O pé força para um lado, a postura desalinha e o desempenho para andar fica prejudicado. Com o sapato adequado, a pisada é firme e a passada é segura. A mesma coisa acontece com o trator agrícola que precisa usar a medida certa de pneumáticos. Esta pode até ser mais de uma, dependendo da indicação do fabricante (standard ou opcional). É importante que sejam observados os modelos possíveis de utilização quando da troca do pneumático. Nem todas as rodas servem para qualquer aplicação agrícola. O desempenho e duração das mesmas vão depender do seu tamanho, do desenho da banda de rodagem, da pressão de inflação e de outros fatores. O manual de operações, o folheto de especificações técnicas, o representante ou o fabricante podem auxiliar nessa escolha.

RODADO DE ESTEIRA

As modalidades deste tipo de rodado já são tantas que merecem uma classificação apropriada. Levando em conta o material das esteiras, existem os tratores com esteira de metal e os tratores com esteira de borracha, equipados normalmente com duas esteiras (uma de cada lado). Considerando a configuração ou arranjo do sistema, são tradicionalmente conhecidos os de meia-esteira e os de ¾ de esteira. Mas como chamar os sistemas utilizados pelo Challenger 45 e pelos tratores da série 8000T da John Deere? E o Quadtrac da Case (Steiger), que dispõe de quatro esteiras de borracha, independentes. Seria este um trator de semi-esteira?

Tais sistemas são desenvolvimentos relativamente recentes que se propõem a melhorar a distribuição de peso do trator sobre as esteiras, minimizando a compactação e permitindo melhor acompanhamento das irregularidades do terreno.

Os tratores de esteiras, pela sua constituição, são tratores de elevado peso total (9 a 23 t), apresentam potência no motor que pode chegar a 400 cv. Os preços dos modelos disponíveis no mercado brasileiro variam de R$ 150 mil a R$ 350 mil o que, aliado às características próprias do trator, significa que sua aquisição não é viável para pequenos ou médios produtores.

Os tratores de esteira prestam-se a serviços pesados, com alta exigência de tração, sendo utilizados não só em operações agrícolas, mas também em operações de desmatamento, terraplenagem, construção de barragens de terra e outras. Em relação ao trator de quatro rodas pneumáticas, o trator de esteira é definitivamente mais estável, pois é baixa a localização do seu centro de gravidade e tem maior aderência no solo, o que proporciona baixíssimos índices de patinagem. Como aspecto negativo tem-se a limitação de velocidade de deslocamento, o que em modelos mais modernos, como os citados, isso já não é problema, pois podem desenvolver até 30 km/h. Além disso, a falta de versatilidade para cultivos em linhas, o alto preço de aquisição e elevada despesa de manutenção do sistema rodante, particularizam o seu uso.

RODAS PNEUMÁTICAS x ESTEIRAS DE BORRACHA

Para melhor conhecer as potencialidades do rodado com pneus e do rodado com esteiras de borracha, reproduzimos a seguir, resultados e comentários de testes realizados pelo Centro de Pesquisa de Máquinas Agrícolas, de Alberta, no Canadá, ao compararem o desempenho de tração de vários modelos Challenger, com tratores com tração nas quatro rodas (4x4) em várias condições de solo. Nesses testes foram medidas a potência no motor, a potência na barra de tração, a velocidade de deslocamento, a patinagem e a qualidade do conforto para se locomover. Diferenças bem definidas foram encontradas entre os dois tipos de rodado. Resumidamente, as esteiras de borracha ganharam em força de tração, na facilidade de otimizar o desempenho do sistema de tração e mostraram um leve ganho na eficiência de produzir potência útil, enquanto que os pneumáticos ganharam no controle para esterçar e no custo global. O conforto para se deslocar, foi semelhante para ambos.

A Figura 1 permite clara visualização de resultados obtidos com um Challenger 65 (270 cv) e um trator 4x4 (270 cv) equipado com rodado duplo (oito pneus radiais) ambos pesando 14,5 t.

A respeito de força de tração como se vê na Figura 3, a curva de desempenho proporcionada pela esteira de borracha sobe acentuadamente para pequenos níveis de patinagem enquanto que a curva do rodado pneumático aumenta gradualmente sobre uma larga faixa de patinagem, sem alcançar altos valores para a relação força de tração/peso. Os autores comentam que a esteira de borracha pode realmente desenvolver mais força de tração que o pneumático, mas que isso não é o mais importante. Na maioria das operações agrícolas, a potência na barra, que é o produto de força vezes a velocidade de deslocamento, é que conta. Embora ambos os sistemas tenham tração para desenvolver 200 cv de potência na barra a velocidades acima de 8,0 km/h, a capacidade de tração adicional das esteiras de borracha em desenvolver 200 cv a velocidades tão baixas quanto 5,0 km/h não é uma grande vantagem, uma vez que a maioria das operações agrícolas é realizada a velocidades maiores.

Considerando-se como otimização do sistema de tração a seleção do peso e do arranjo adequado de pneus para uma dada condição de trabalho (velocidade, força, condição de solo), o uso de um trator no seu ponto ótimo proporciona melhor desempenho e custo de operação menor. Otimizar um trator com rodado pneumático para uma dada velocidade, força de tração e condição de solo pode requerer mudanças na lastragem e na pressão de inflação. Uma vez que envolve planejamento, medições e manuseio de lastros pesados, é freqüente que isso seja feito apenas uma vez para o trator. Assim, o trator com pneumáticos pode nem sempre estar na configuração ótima para a condição de trabalho do momento. Com esteiras de borracha, não há pressões nem lastros para trocar.

A Figura 2 mostra que as esteiras de borracha desenvolvem máxima potência na barra ao longo de uma faixa maior de velocidades, do que os pneumáticos. Isto significa que no trabalho diário as esteiras conseguiriam liberar mais potência, porque elas mantêm cerca da mesma eficiência a despeito de mudanças nas condições de operação, o que é uma grande vantagem. Os pneumáticos, entretanto, apresentam outro problema que as esteiras não têm. Sob carga, em algumas situações, os tratores com pneumáticos têm a tendência de apresentar “power hop”, que é aquele movimento de “pular/saltar” enquanto está tracionando. E, ajustar o trator para reduzir esse problema pode afastá-lo da sua condição ótima.

Quanto à eficiência da liberação de potência na barra, pequena diferença foi encontrada entre os dois sistemas de rodado avaliados (Figura 3). Ambos alcançaram eficiências máximas similares (cerca de 80%) só que em níveis de patinagem diferentes. Além disso (Figura 4), as esteiras de borracha mantiveram sua eficiência sobre larga faixa de tração e condições de solo.

Ila Maria Corrêa

DEA-IAC

* Confira este artigo, com fotos e tabelas, em formato PDF. Basta clicar no link abaixo:

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