Potencial do controle biológico na cotonicultura brasileira

Por Raul Porfirio de Almeida e Carlos Alberto Domingues da Silva, Embrapa Algodão

18.10.2024 | 14:29 (UTC -3)
Reprodução de&nbsp;<i>Anthonomus grandis</i> em laboratório para pesquisas
Reprodução de Anthonomus grandis em laboratório para pesquisas

Naturalmente, os ecossistemas são ecologicamente equilibrados, de modo que os organismos, animais e vegetais, atuam no meio ambiente em harmonia. A ação do homem com a introdução de sistemas artificiais de produção promove, ao introduzirem monocultivos em detrimentos a cultivos diversificados, uma predominância de organismos mais adaptados, ocasionando instabilidade e risco na sustentabilidade em sistemas de produção agrícola. Isto é agravado em sistemas sucessivos, onde se propicia a multiplicação contínua de cultivos hospedeiros de insetos-praga generalistas, gerando um criadouro ininterrupto desses artrópodes.

A cultura algodoeiro, conhecida pelo grande número de organismos que coabitam no sistema produtivo, com mais de mil espécies entre insetos e ácaros, apresenta uma pequena quantidade percentual de insetos-praga responsáveis por causar dano econômico, entretanto, suficiente para causar sérios prejuízos a produção, quando não devidamente controlados.

Por outro lado, a entomofauna de insetos benéficos, que exerce um papel preponderante na regulação do equilíbrio ambiental, tem atuado no controle dos insetos, apesar de, em inúmeros casos, não serem suficientes para conter naturalmente altas populações de pragas nos agroecossistemas. No algodoeiro, essas pragas, por apresentarem grande capacidade de multiplicação, dispersão e de causar injúrias são responsáveis por sérios prejuízos econômicos à produção, afetando a sustentabilidade do sistema produtivo.

Tentando solucionar o ataque das pragas, os produtores rurais se utilizam, de preferência, de inseticidas cuja ação não se restringem aos insetos, mas também aos inimigos naturais, tanto ou mais suscetíveis aos diversos tipos de produtos químicos. Muito mais que afetar os inimigos naturais, esses produtos químicos, além dos efeitos colaterais, podem ser responsáveis por promover a ressurgência das pragas, assim como induzir os insetos a se tornem resistentes as moléculas inseticidas devido à pressão de seleção. A eliminação da praga-chave no agroecossistema é conhecida por “vácuo biótico”, induzindo o surgimento de pragas secundárias, não mais mantidas sob a ação de inimigos naturais, mas também eliminados devidos as aplicações de inseticidas.

Assim sendo, necessário se faz conhecer o potencial do controle biológico e sua aplicação na cotonicultura. A conceituação do controle biológico tem por base o fato de que as diferentes espécies dos organismos serem reguladas em função da cadeia alimentar, sendo isto uma condição natural em que todos os organismos precisam para sobreviver e se multiplicar. O controle biológico é, portanto, definido como a ação dos inimigos naturais capaz de manter a população média da praga em um nível abaixo daquele que ocorreria sem a presença desses organismos benéficos. O controle biológico (CB) pode ser exercido basicamente das seguintes formas:

1 - CB Artificial: método em que são liberados inimigos naturais multiplicados artificialmente em biofábricas, utilizando-se hospedeiros natural ou artificial, propiciando a seu favor sincronia de ocorrência com a praga-alvo;

2 - CB Natural: é realizado naturalmente sem a intervenção do homem para que ele seja exercido, a exemplo de infestações naturais de insetos ou epizootias de fungos entomopatogênicos. Nele, o sucesso é dependente de fatores ambientais (físicos e biológicos) favoráveis ao desenvolvimento dos inimigos naturais.

Outras modalidades se enquadram dentro destes dois tipos são o CB Clássico e o CB Conservacionista, sendo este último realizado em função da manipulação do ambiente.

São conhecidos por inimigos naturais ou agentes de controle biológico, os predadores, parasitoides e patógenos. Os dois primeiros são denominados entomófagos e o terceiro entomopatógenos. Os predadores são organismos que precisam para sobreviverem e se multiplicarem de mais de um indivíduo para completar o ciclo biológico. As principais ordens de insetos que abrigam os predadores são Coleptera, Hemiptera, Neuroptera, Diptera e Dermaptera. Os parasitoides são caracterizados por necessitarem de um único hospedeiro para completar seu ciclo biológico, podendo se desenvolver no interior do hospedeiro (endoparasitoide) ou na superfície do corpo do hospedeiro (ectoparasitoide). As principais ordens de insetos de parasitoides são Hymenoptera e Diptera. Os entomopatógenos são microorganismos que se alimentam e sobrevivem sobre ou no interior de seus hospedeiros.

Os principais inimigos naturais (predadores e parasitoides) de insetos-praga no algodoeiro são apresentados a seguir:

Trichogramma pretiosum (Hymenoptera: Trichogramatidae): parasitoide de ovos, em especial de lepidópteros, é um dos macrooganismos mais estudados no mundo. O ciclo biológico é completado entre oito e dez dias, tendo no algodoeiro cerca de 15 hospedeiros. Multiplicado em hospedeiro alternativo, é liberado via drone, em grande quantidade (liberação inundativa), que cobre uma área aproximadamente de 400 ha, em duas passagens na área de cultivo.

Catolaccus grandis (Hymenoptera: Pteromalidae): parasitoide com alta capacidade de localização de sua presa, desenvolve-se externamente sobre larvas (3º instar) e pupas do bicudo do algodoeiro (Anthonomus grandis) em botões florais. Ocorre em sincronia com o bicudo, sendo o ataque efetuado por meio da paralisação (imobilização da larva devido a injeção de toxinas, podendo ocasionar a mortalidade do hospedeiro) e/ou em função do parasitismo. Liberações inundativas são recomendadas.

Bracon vulgaris (Hymenoptera: Braconidade): parasitoide que ataca as larvas do bicudo nos botões florais e maçãs do algodoeiro, ocasionando paralisação ao injetarem toxina, a semelhança de C. grandis, e/ou parasitismo. Em geral, dois indivíduos são gerados por larva do bicudo. Sua liberação tem sido recomendada para o momento em que houver presença de larvas do bicudo nas maçãs do algodoeiro.

Chrysoperla externa (Neuroptera: Chrysopidae): predador bastante voraz, apresenta alto potencial reprodutivo e grande capacidade de procura da presa. Muitos insetos de diferentes ordens são seus hospedeiros a exemplo de cochonilhas, pulgões, mosca branca, ácaros, tripes, além de lagartas de diferentes espécies de lepidópteros. C. externa tem o hábito de colocar os ovos com pedicelo. Os insetos adultos são verdes e com asas membranosas. A liberação tem sido realizada na fase na embrionária (ovo), de forma inundativa e com a utilização de drone.

Podisus nigrispinus (Heteroptera: Pentatomidae): predador generalista, se alimenta de uma grande quantidade de hospedeiros. Para o controle das presas tem sido recomentado liberações inundativas, utilizando-se ninfas do quinto instar, sobre lagartas recém eclodidas na lavoura.

Euborellia annulipes (Dermaptera: Anisolabididae): predador com grande capacidade de ataque, se alimenta de ovos e de insetos nas fases imaturas de diferentes presas das ordens dos lepidópteros, hemípteros, coleópteros e dípteros. É também predador de larvas e pupas do bicudo do algodoeiro.

Outros agentes

Outros inimigos naturais são também reconhecidos na cultura do algodoeiro:

• Diptera: Toxomerus dispar e Pseudodoros clavatus (Syrphidae);

• Coleptera: Cycloneda sanguinea (Coccinellidae), Calosoma spp. (Carabidae), Paederus spp (Staphylinidae);

• Hymenoptera: Lysiphlebus testaceipes (Braconidae), Polistes spp. (Vespidae);

• Hemiptera: Geocoris spp. (Geocoridae), Orius spp. (Anthocoridae); Brachymeria spp. (Chalcididae), Netelia spp. (Icheneumonidae), Euplectrus comstockii (Eulophidae);

• Aracnídeos: Aranhas caranguejeiras (Mysumenopsis guyannensis, Synaemopsis rubropunctatus e Xysticus spp.) e as aranhas que tecem teia (Lycosa spp.).

Agentes entomopatogênicos

Vários são os agentes de controle entomopatogênicos, ou seja, fungos, vírus, bactérias e protozoários. Os principais fungos entomopatogênicos associados a insetos-praga da cultura algodoeira são Beauveria bassiana, Metarhizium anisopliae, Metarhizium (=Nomuraea) rileyi, Verticilium lecanii, Entomophthora spp. e Cordyceps spp. As três primeiras espécies são relatadas por causarem infecções no bicudo do algodoeiro. Essas infecções podem ser ocasionadas nas larvas, pupas e adultos do bicudo, entretanto, tem se verificado que a ação do sol é um fator inibidor ao desenvolvimento dos fungos, inativando os conídios, de modo que a aplicação destes microrganismos deve levar em consideração as condições abióticas para o efetivo sucesso.

B. bassiana é um dos fungos mais citados com ação sobre insetos na cultura algodoeira. Além do bicudo, cuja incidência em condições naturais tem se evidenciado enzooticamente ou epizootias, tem infectado lepidópteros (Heliothis spp., Helicoverpa e Alabama argillacea) e Bemisia tabaci, entre os insetos de importância econômica. A maior quantidade de estudos tem sido realizada em relação ao controle do bicudo. Os fungos M. rileyi, M. anisopliae e Entomophthora aulicae atacam os gêneros Heliothis e Helicoverpa; e Paecilomyces fumosoroseus, Aspergillus sp. e Fusarium sp. a espécie Bemisia tabaci.

As bactérias também são importantes agentes patogênicos, infectando insetos adultos, via hemocele, ou seja, a cavidade situada no corpo dos artrópodes, caracterizada pela presença de hemolinfa, assim como por ingestão, isto é, via oral. Formulações comerciais à base de Bacillus thuringiensis têm sido recomendadas para uso inoculativo ou inundativo, em pulverização para o controle de A. argillacea e de lagartas do complexo da subfamília Heliothinae (Heliothis e Helicoverpa). As espécies Chrysodeixis (=Pseudoplusia) includens, Trichoplusia ni e S. frugiperda também são atacadas por B. thruringiensis. Também há registro da ação da bactéria Pseudomonas aeruginosa em A. argillacea e de Serratia marcescens no bicudo do algodoeiro.

Para os gêneros Heliothis, Helicoverpa há registro do Granulovírus e Vírus da Poliedrose Nuclear, adicionando-se a este a espécie A. argillacea, para uso no controle biológico. Para o bicudo há citação do Vírus Iridiescente Chilo (CIV). Há também relatos de vários protozoários microsporídios provocando doenças crônicas em espécies dos gêneros Heliothis e Helicoverpa. Os protozoários Nosema heliothidis e Vairimorpha necatrix atacam Heliothis e Helicoverpa; e Glugea gasti e Mattesia grandis, o bicudo.

Vantagens do controle biológico

São consideradas vantagens do controle biológico o fato de ser compatível a todos os outros métodos de controle de pragas; não causar efeitos colaterais; ser permanente, a depender do sistema produtivo a que está envolvido e; em geral ser menos oneroso que o método químico de controle. Em relação aos inimigos naturais, são consideradas características favoráveis para o seu uso, apresentarem alta eficiência; grande capacidade de busca do hospedeiro; ciclo biológico curto; alto índice reprodutivo; adaptabilidade as condições abióticas e bióticas; sincronia e alta densidade-dependência com seu hospedeiro.

As liberações dos inimigos naturais podem ser realizadas de forma inundativa, ou seja, pela utilização de grande quantidade de indivíduos, ou inoculativa, com pequenas quantidades, visando o controle eficiente e, ao mesmo tempo, a manutenção da praga em nível de equilíbrio biológico. Nas liberações são observadas principalmente a densidade do inimigo natural ideal para liberação e controle, e a capacidade de dispersão dos inimigos naturais. Condições de temperatura, precipitação e a utilização de agrotóxico devem ser observadas quando da liberação. Na atualidade, a utilização de drones tem impulsionado a liberação de inimigos naturais em grandes áreas, com importantes resultados no controle de pragas.

O algodoeiro, apresenta nas primeiras fases de sua fenologia, infestações de afídeos, tripes e lepidópteros, cujo momento é ideal para o estabelecimento de inimigos naturais como T. pretiosum e C. externa, via liberações. Isto contribui decisivamente para o aumento de populações de outros inimigos naturais, a exemplo de joaninhas, sirfídeos, tesourinhas, percevejos predadores, entre outros. Esta fase, que compreende os primeiros 30 dias após a germinação das plantas, não devendo ser, de preferência, alvo do uso de inseticidas sintéticos.

A multiplicação de inimigos naturais em biofábricas tem impulsionado o controle biológico, sendo uma realidade no território brasileiro. Seu sucesso tem se ampliado, principalmente, pela liberação dos agentes de controle biológico por meio de drones na cotonicultura. Exemplos de aplicação bem-sucedida são os cultivos de produtores associados da AMIPA (Associação Mineira dos Produtores de Algodão), com a liberação de T. pretiosum, parasitoide de ovos de lepidópteros-praga. Parceria entre a Embrapa Algodão e AMIPA tem gerado informações técnicas de grande importância relacionadas à vários inimigos naturais (T. pretiosum, C. externa, C. grandis, B. vulgaris e E. annulipes) em relação à produção em biofábrica e utilização em campo.

Por Raul Porfirio de Almeida e Carlos Alberto Domingues da Silva, Embrapa Algodão

Artigo publicado na edição 286 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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