Pecuária nacional e a cana

O pecuarista Nelson Pineda analisa os novos cenários da pecuária e da cana-de-açúcar.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Fatores climáticos têm mudado a face do planeta, mas o território

brasileiro conservará condições de produção de alimentos em larga

escala. Água e disponibilidade de terra para a agricultura são

preponderantes para creditar ao Brasil benefícios gerados por uma

agricultura ainda mais produtiva. A essas vantagens podemos agregar os

benefícios que a Rodada Doha poderá gerar à redução de subsídios e a

queda de tarifas no comércio agrícola mundial, que poderão elevar a

participação brasileira através de cortes substanciais nas tarifas dos

itens mais importantes com os países desenvolvidos, além de elevar as

cotas de importação de produtos brasileiros.

Os países em

desenvolvimento deverão acentuar nos próximos anos a compra de

commodities agrícolas brasileiras e deverão ser os grandes compradores

do nosso etanol e biodiesel. As mudanças que estão ocorrendo na matriz

energética mundial estão impulsionando a produção de combustíveis

renováveis no Brasil. Não há a menor dúvida de que o país deverá

liderar esses segmentos do agronegócio mundial e o Estado de São Paulo

será a locomotiva desse processo.

A disposição dos

administradores públicos em incentivar a implantação de novas usinas de

beneficiamento de cana é compreensível. Mas não se pode admitir que o

entusiasmo em torno da cana prejudique o desenvolvimento de setores que

também possuem peso inegável na balança comercial, como é o caso da

pecuária.

Em 2006, as exportações de açúcar e álcool somaram US$

7,78 bilhões contra US$ 7,39 bilhões de carne bovina e couros. Não nos

colocamos contra o avanço da cana, como também ninguém culpou a cultura

canavieira pela nossa incapacidade de produzir mais quilos de carne por

hectare/ano, mas o Brasil precisa de projetos e não simplesmente uma

corrida desenfreada na substituição da pecuária pela cana. Necessitamos

de planejamento de longo prazo para reformular a pecuária paulista e

avaliar o impacto ambiental e social desse processo.

Não devemos

simplesmente acomodar, arrendar as nossas terras, abater nosso gado e

comprar o kit cana: óculos escuros, bermuda, chinelo e a camioneta,

virando, com num passe de mágica, fazendeiros de sucesso.

Não

nos opomos à substituição das pastagens degradadas por cana. Estamos

querendo delinear os novos cenários da integração cana-pecuária e

tentar reformular os sistemas de produção para leite e carne no Estado

de São Paulo. A pecuária paulista passará por transformações profundas,

onde só haverá lugar para sistemas de produção ordenados em sintonia

com a utilização de recursos genéticos de forma racional, inteligente e

em consonância com o aproveitamento de resíduos da indústria canavieira.

O

contra-senso na aplicação de recursos não se limita ao estímulo à

cana-de-açúcar. Nos últimos anos, o governo federal destinou milhões de

reais para fazer a reforma agrária, em doses inversamente proporcionais

ao que foi gasto com a defesa agropecuária. É um contra-senso sim,

estimular assentamentos no Estado de São Paulo em regiões onde estão

surgindo novos pólos sucroalcooleiros. É um contra-senso sim, deixar de

investir na defesa animal no estado primeiro exportador de carne bovina

antes do foco de febre aftosa em 2005.

O objetivo básico das

políticas públicas agrícolas e agrárias deve levar à inserção

competitiva e sustentável da produção agrícola de todas as cadeias que

compõem o sistema agroindustrial brasileiro e fomentar o equilíbrio

entre elas.

Entre os anos 2000 e 2004, os investimentos em

projetos de reforma agrária e agricultura familiar ultrapassaram os R$

18 bilhões, enquanto os investimentos em pesquisa e desenvolvimento

agrícola, extensionismo rural e defesa sanitária não alcançaram a casa

dos R$ 4 bilhões. Sem contar os pífios recursos destinados à

infra-estrutura de transporte, armazenagem, comercialização e sistemas

de informação de mercado.

Concordo plenamente que o problema da

pecuária nacional não é a cana, mas sim tudo aquilo que há muito se

discute e aos poucos se enfrenta: difusão de tecnologia, relacionamento

moderno entre os agentes da cadeia, seriedade governamental, agregação

de valor e marketing. Porém, não posso deixar de afirmar que é uma

heresia pretender que a cana seja a salvação da pecuária. A integração

do binômio cana e pecuária pode sem dúvida se transformar num processo

interativo com inúmeras combinações desejáveis para a pecuária de corte

e de leite.

Não podemos ser indiferentes à preocupação do

crescimento desordenado e sem planejamento, à falta de sensibilidade

pela biodiversidade e com as conseqüências ambientais e sociais que

podem trazer a monocultura sem um plano real de longo prazo.

Engenheiro, pecuarista e diretor técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ)

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