O produto certo

Ao escolher um produto fitossanitário, deve-se pensar em uma opção que cause menos danos ao ambiente. Não é conversa de radical. Produtos agressivos podem matar insetos úteis e desperdiçar dinheiro.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O que é seletividade? É usar um inseticida que mata a praga, sem causar efeitos indesejados. Controle integrado, manejo integrado, manejo de pragas ou outro sinônimo, significa que o agricultor vai lançar mão de todas as armas de que dispõe para evitar que as pragas carreguem uma parte do seu lucro. Se for usar inseticida, que seja seletivo. Cuidando para não afetar o ambiente, não deixar resíduos do produto, não intoxicar animais ou pessoas.

Alguém menos avisado pode pensar que isso é conversa mole de quem fica em escritório com ar condicionado e não toma sol no lombo. Negativo. Já no tempo dos gregos se entendia a ação auto-reguladora da Natureza, e os desastres causados por uma intervenção errada. Desculpem os palavrões, mas vou me valer do latim dos primeiros cientistas para explicar melhor:

a.

(o semelhante cura o semelhante). Naquela época já se sabia que o controle biológico natural deve ser a forma principal de controle de pragas, e não deve ter perturbada a sua ação;

b.

(a força curadora da Natureza), que destaca a importância dos fatores naturais de regulação de populações, e a busca do equilíbrio do ecossistema; e

c.

(primeiro não causar mal), mostra a importância da seletividade, pois acima de qualquer efeito que se deseje de um inseticida, o pressuposto é que este não cause malefícios ao controle biológico.

Entendidos esses conceitos científicos, vê-se que o manejo de pragas é um conjunto harmonioso e ordenado de técnicas de controle. Uma técnica não deve interferir na outra, a menos que para multiplicar sua ação. Os inseticidas devem causar o menor impacto sobre os inimigos naturais e integrar-se a outras técnicas, como é o caso da diminuição de doses quando se usa cultivares resistentes. A menor dose aumenta a seletividade, favorecendo a integração das três táticas de controle.

Alguém pode estar pensando: aí vem um sujeito que nunca plantou um hectare de nada querer ensinar o índio velho aqui. Bem, já plantei e muito. Mas vou dar só um exemplo, que você vai entender logo. Sabe o fede-fede, o percevejo verde da soja, aquele que acaba com os grãos no final do ciclo? Parece uma população enorme, né? Então saiba que, em média, de cada 100 ovos que a fêmea põe, menos de 5 chegam a adulto! São esse 5 que você vê na lavoura. O que aconteceu? O controle biológico tomou conta dos outros 95. O inseticida que você aplica vai matar 80-90% dos 5 que sobreviveram! E aí eu pergunto: e se esse inseticida acabar com os inimigos naturais, como é que você se vira?

Explicando a seletividade

Seletividade de um inseticida é a propriedade de controlar uma praga, com o menor impacto sobre outros organismos presentes. A seletividade varia com o tipo de inseticida, a forma de aplicação, condições de cultivo e de ambiente, o tipo de cultura, a forma de aplicação, a praga visada, a formulação, etc. Veja os tipos de seletividade:

• Fisiológica - Inseticida inócuo para inimigos naturais. Por exemplo, os fisiológicos e os biológicos.

• Dose ou freqüência de aplicação - Inseticidas com baixa seletividade devem ter dose e aplicação reduzidas ao mínimo, feitas nas épocas adequadas. Reduzindo a dose, diminui mais o impacto sobre inimigos naturais do que sobre as pragas.

• Ecológica - Inseticida não seletivo, pode virar seletivo, pela aplicação em época de menor população de inimigos naturais, conhecendo a flutuação das pragas e dos inimigos naturais.

• Forma de aplicação - Iscas tóxicas, pincelamento de árvores, injeção no tronco, cultura armadilha, faixa de aplicação ou sinérgicos, podem tornar o inseticida seletivo.

Programas de manejo

Bem, inseticida não é o bandido da lavoura. Ele tem vantagens e desvantagens:

• Ação rápida - Os inseticidas químicos representam a única alternativa do agricultor, em situações de emergência.

• Ação curativa - Em caso de insucesso, ou sucesso parcial de outras medidas, os inseticidas representam a última alternativa para evitar prejuízos.

• Adaptáveis a diferentes situações - O agricultor possui uma alternativa de uso de inseticida para cada fase da praga, tamanho da população, local de ataque, método de aplicação, etc.

• Custo/benefício- Cientistas americanos demonstraram que US$1,00 gasto com inseticida gera retorno de US$2,82, evitando perda de produção por pragas.

Vantagens observadas

Tem mais. O agricultor vislumbra vantagens adicionais, como:

• Tradição - O uso de inseticidas incorporou-se ao sistema de produção. Uma técnica substituta deve ser superior aos inseticidas quanto à penosidade e ao volume de trabalho, ao risco de insucesso, à garantia de retorno de investimento, à eficiência, ao baixo custo e à ampliação de margem de lucro.

• Risco - O agricultor é avesso a riscos. Para obter a mesma eficiência, o agricultor não substituirá um inseticida que apresenta taxa de insucesso baixa, se não estiver convencido da vantagem.

• Eficiência - O agricultor exige alta eficiência, ausência de danos, em especial com produtos onde a aparência determina o preço e garante o mercado.

• Economia - O agricultor está interessado em quanto custa cada método, e na garantia de sucesso que ele oferece. Na dúvida, continuará usando inseticidas.

Também há desvantagens

Mas nem tudo são flores. Vamos ver alguns problemas:

• Seleção de pragas resistentes - O uso contínuo de um mesmo inseticida - ou um mesmo grupo químico - em altas doses, para controlar a mesma praga - vai selecionar insetos resistentes. Essa praga vai necessitar de doses cada vez maiores de inseticidas, ou produtos mais fortes, reduzindo a seletividade.

• Ressurgência de pragas - A utilização inadequada de inseticidas, no momento inapropriado, não seletivos, pode provocar o ressurgimento de populações elevadas da mesma praga, após cessado o efeito do inseticida, se ele afetar o controle biológico.

• Surgimento de pragas secundárias - Pelos mesmos motivos, pragas que não são problema, pois são controladas biologicamente, tornam-se um problema sério, se o inseticida eliminar seus inimigos.

• Efeito sobre polinizadores - Insetos polinizadores, que freqüentam a cultura durante a floração, são afetados por aplicações de inseticidas tóxicos. Se a flor depende do polinizador para vingar, já se foi a produção pro saco.

• Efeito sobre o Homem - Inseticida é veneno. Manuseio sem os devidos cuidados, pode conduzir à invalidez, ou até à morte.

• Efeito sobre animais domésticos - Animais de criação, de guarda e estimação, também são intoxicados por inseticidas, e podem até morrer.

• Efeito sobre a fauna selvagem - Deriva, aplicações mal feitas, próximo a reservas de animais selvagens, ocasionam intoxicação e morte de espécies.

• Contaminação de solos e água - Mesmo aplicado sobre as plantas, parte do inseticida vai para o solo, daí para os cursos de água, causando enormes estragos ao ambiente.

• Presença de resíduos - Resíduos em produtos alimentares, pelo uso de inseticidas sem critério, causa problemas de qualidade nos produtos alimentares.

• Biomagnificação - Palavra complicada, que significa: um animal come uma planta com inseticida. A dose não é suficiente para matá-lo, mas se acumula no organismo. Vem outro animal e come o primeiro. E assim por diante. Em algum momento um animal vai comer o anterior, ou mesmo o Homem pode se alimentar de um peixe ou uma caça, e acumulou inseticida suficiente para causar intoxicação.

Efeito sobre os inimigos

O impacto sobre inimigos naturais pode ocorrer por:

I. mortalidade de predadores e parasitóides, pela ação tóxica direta do inseticida;

II. mortalidade devido à falta de presas e hospedeiros, mortos pelo inseticida; e

III. contaminação de presas ou hospedeiros com doses que não matam a praga, mas que, pela tal bioacumulação, e pela maior suscetibilidade dos inimigos naturais, provocam a sua morte.

Programas de manejo

E aí, como é que ficamos? Bem, para que um inseticida se adeqüe aos programas de manejo de pragas, é necessário que:

a. possua baixa toxicidade a animais de sangue quente e outras espécies que queremos preservar;

b. especialmente, que seja seletivo a inimigos naturais;

c. tenha uma vida média curta, decompondo-se rapidamente findo o efeito sobre as pragas.

Eu acredito que, a médio e longo prazos, não há como substituir integralmente o uso de inseticidas químicos por outros métodos, que apresentem as mesmas vantagens, sem as suas desvantagens. Então não tem outra maneira: o agricultor tem que estar bem consciente de que precisa usar inseticidas seletivos. Pode não acontecer nada no primeiro ano, nem no segundo, mas se continuar usando produtos não seletivos, um dia não terá mais como plantar a mesma cultura no mesmo lugar.

Décio Luiz Gazzoni

Embrapa Soja

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