A “seca” é um fenômeno complexo resultante da interação de diversos fatores. Contempla mais do que uma simples comparação entre chuvas ocorridas e médias históricas de precipitação. Seus desdobramentos e consequências envolvem um amplo conjunto de aspectos de natureza técnica, econômica, social e ambiental, que devem ser considerados de forma sistêmica. Entretanto...
Todos os anos, o tema é lembrado. Em geral, isto ocorre quando o fenômeno já se estabeleceu e as quebras de produção são irreversíveis, principalmente em cultivos de verão. Nessas ocasiões, por falta de planejamento e medidas preventivas, duas atitudes normalmente são tomadas. Uma delas é não fazer nada e esperar os resultados finais, que podem ser desastrosos para o produtor, dependendo da intensidade do fenômeno. Outra atitude é tentar soluções para enfrentar o problema. “É aí que mora o perigo”, como se costuma dizer. Em geral, buscam-se soluções simplistas e de fácil aplicação, porém desprovidas de responsabilidades. Essas reações são compreensíveis por serem típicas da natureza humana, mas obscurecem a capacidade de discernimento, mesmo de técnicos que lidam com o problema, os quais detém a informação, mas (muitas vezes) lhes falta o conhecimento e condições necessárias para sua aplicação.
Para não cair em cilada ao discutir “seca” de forma simplista e expor falsa esperança aos agricultores (em última análise, os mais prejudicados) é necessário considerar alguns aspectos básicos. Antes de tudo, é preciso analisar a relação entre as condições que o ambiente oferece e as necessidades hídricas das culturas, especialmente cultivos de primavera-verão. Por um lado, as culturas variam seu consumo de água ao longo do ciclo, pois essa demanda aumenta conforme cresce a área foliar. Por outro lado, cada cultura apresenta seus períodos críticos com relação à falta d’água, durante os quais a deficiência hídrica causa perdas intensas e irreversíveis à produção de grãos. As pesquisas revelam que o período crítico do milho é da ordem de 10 dias apenas. Ou seja, uma chuva de 40 mm pode fazer a diferença entre colher e não colher grãos. Do ponto de vista climático, a necessidade de água das grandes culturas de primavera-verão é maior que a chuva que ocorre na maior parte da estação. Em outras palavras, no verão, as médias climáticas de chuva são inferiores à quantidade de água que as plantas necessitam. Além disso, é grande a variabilidade espacial e temporal das chuvas de verão, no Rio Grande do Sul. Esta é a condição normal de tempo e clima. E, portanto, quando a meteorologia faz prognóstico de chuvas na condição de normalidade, significa que faltará chuva para as culturas de verão no Estado.
Como a seca se estabelece nas plantas? Quando ela é prejudicial para as culturas?
É simples entender que a demanda de água das plantas aumenta com o crescimento da área foliar, devido à maior transpiração. Por outro lado, aumento de área foliar implica em maior fotossíntese, principalmente se houver alta disponibilidade de radiação solar. Mas, em geral, a máxima área foliar também coincide com o período mais crítico à falta d’água, que vai do florescimento ao início de enchimento de grãos, na maioria das culturas que produzem grãos. Então, se a máxima área foliar ocorrer no período de maior disponibilidade de radiação solar a transpiração também será a máxima possível, ou seja, haverá maior demanda de água justamente no período crítico para produção de grãos. Portanto, as culturas são duplamente suscetíveis às secas no início do período reprodutivo, porque têm máximo consumo de água (transpiração) e necessitam ótimas condições hídricas para elaborar os componentes do rendimento.
No campo, o déficit hídrico se acentua nas horas de maior demanda evaporativa atmosférica, na medida em que aumenta a incidência de radiação solar e a temperatura do ar. A perda excessiva de água pelas folhas faz com que a planta feche os estômatos, para evitar a secagem completa dos tecidos. Com isto, ela necessita absorver água do solo para recuperar a condição hídrica ideal, abrir novamente os estômatos e permitir a entrada de CO2 para a fotossíntese. A condição de seca se intensifica quando a planta não consegue absorver do solo a quantidade de água necessária para repor as perdas, mesmo durante a noite. Nesta condição, ela entra em estresse, com potencial de causar danos significativos ao rendimento de grãos.
Outro aspecto que deve ser considerado se refere ao manejo do sistema solo-cultura. A capacidade de retenção e disponibilidade de água varia em diferentes solos, em função da textura e, principalmente, da estrutura dos mesmos. A melhoria da estrutura do solo está intimamente associada ao teor de matéria orgânica. É por isto que sistemas conservacionistas, como o sistema plantio direto, são importantes. Por outro lado, o sistema plantio direto favorece a concentração de nutrientes na camada superficial do solo. Além disso, se o sistema for mal implementado ou manejado pode favorecer o surgimento de camadas compactadas logo abaixo da superfície. Assim, havendo concentração de nutrientes próximo à superfície do solo e presença de camadas de impedimento logo abaixo, o desenvolvimento de raízes poderá se limitar aos primeiros 5 a 7 cm de profundidade. Nessas condições, mesmo em curtas estiagens, as plantas entram em estresse hídrico com risco de perdas significativas de rendimento de grãos, se estiverem em período crítico. Portanto, estratégias de adubação apenas na superfície ou na linha de semeadura à menos de 10 cm de profundidade devem ser cuidadosamente planejadas para não agravar o problema das estiagens de curta duração ou das secas mais intensas.
A extensão dos danos causados por estiagens e/ou secas também depende de outros aspectos de manejo das culturas. A época de semeadura inadequada, fora do zoneamento agrícola, é um fator de aumento do risco de quedas de produtividade para a maioria dos cultivos agrícolas, principalmente se houver estiagem durante o período crítico. Na escolha de cultivares é importante explorar a diversidade genética com relação à tolerância ao déficit hídrico, bem como ajustar a densidade de semeadura às condições de água e manejo do solo. O modelo de produção adotado na propriedade também é importante neste aspecto. Ausência de rotação de culturas, uso de cultivares de um único ciclo (todas precoce, por exemplo), épocas de semeadura concentradas em poucos dias são estratégias de alto risco. Mesmo sendo estiagens curtas, a falta de água concentrada no período crítico pode comprometer seriamente a atividade agrícola. Um sistema de produção baseado em diversidade de cultivos e genótipos, escalonamento de épocas de semeadura e diversidade de atividades é muito mais seguro para reduzir riscos diretos e indiretos de fenômenos adversos como estiagens e a seca.
A “seca” é um fenômeno complexo e não deve ser tratado de maneira simplista. É um problema que necessita tratamento sério e com conhecimento pelo segmento agronômico. Ações para convivência com curtas estiagens e com a seca podem ser eficazes se forem devidamente planejadas, não imediatistas. Inicialmente, são essenciais, em uma mesma safra, a diversidade de culturas, a diversificação de cultivares de, pelo menos, dois comprimentos de ciclo e a diversidade de épocas de semeadura em uma mesma safra. Essas estratégias, conjugadas a outras, demandam esforços de inúmeros setores que atuam no agronegócio, como melhoramento genético, manejo do solo, manejo de cultivos agrícolas, planejamento e monitoramento de sistemas produtivos, armazenagem e comercialização de produtos, gerenciamento de recursos hídricos e irrigação, gestão ambiental, entre outros. A busca de conhecimentos deve ser uma premissa indispensável na avaliação e na formulação de medidas de controle e mitigação dos efeitos das secas, pois a dinâmica dos processos é intensa e diversificada em escala espaço-temporal, o que demanda uma avaliação sistêmica e continuada.
Genei Antonio Dalmago
Pesquisadores da Embrapa Trigo -
Homero Bergamaschi
Professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS
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