O dilema da redução do uso de defensivos agrícolas

Por Roberto Araújo, engenheiro agrônomo, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)

18.10.2024 | 14:19 (UTC -3)
<br>

O uso eficiente dos recursos é um dos princípios que norteiam o desenvolvimento agrícola sustentável, que visa equilibrar a produção de alimentos, fibras e energia limpa com a conservação ambiental, a equidade social e a viabilidade econômica.

Em reunião realizada no dia 17/09/24 com os chefes dos Três Poderes para discutir a emergência causada pelo novo recorde de incêndios no país, o presidente Lula discursou contra o “uso em excesso de pesticidas”. Como desdobramento das discussões, o Governo Federal lançou em 16/10/24 um plano para retirar de circulação defensivos agrícolas considerados altamente tóxicos, o Plano Nacional de Redução de Agrotóxicos. O tema, que é polêmico e divide a opinião pública, será normatizado por meio de uma portaria que irá mapear os produtos mais tóxicos e estimular a substituição por bioinsumos.

Nos últimos 40 anos, o Brasil deixou de ser um país importador de alimentos para ser um dos maiores exportadores, alimentando mais de 800 milhões de pessoas no mundo, exportando seus excedentes para mais de 200 países. Portanto, é natural que o país seja um dos maiores consumidores em números absolutos de insumos e tecnologias agrícolas.

A afirmação de que o Brasil importa e usa pesticidas proibidos em outros países é equivocada, pois desconsidera as diferentes razões regulatórias, econômicas e agronômicas de um produto não estar registrado em um determinado país ou bloco econômico, como a União Européia. O fato de um pesticida ser ou não ser registrado na Europa, não determina a sua segurança para a saúde das pessoas ou para o meio ambiente. Em meio a uma guerra de narrativas e pontos de vista diferentes entre o Mapa e o MDA, é necessário desenvolver políticas públicas eficazes para melhoria dos indicadores de sustentabilidade do agro, com base em fatos, dados de pesquisa e na boa ciência, pois a redução do uso de defensivos por área tratada já é uma realidade e a solução não deveria ser tratada de forma ideológica.

Assim como as sementes, os fertilizantes e os bioinsumos, os defensivos químicos (herbicidas, fungicidas, inseticidas e outros) são insumos agrícolas essenciais para a produção agrícola em escala global, pois são indispensáveis para proteger os cultivos contra o ataque de pragas, doenças e plantas daninhas. Dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) revelam que até 40% da produção agrícola é perdida no mundo devido ao ataque de pragas. Sem os pesticidas, as perdas seriam incalculáveis, provocando aumento de preços e colocando em risco a segurança alimentar.

De acordo com o relatório do Ibama, o volume de pesticidas comercializados entre 2009 e 2022 cresceu de 306.785 t para 800.652 t de produtos formulados, um aumento de 260% que tem sido alardeado pelos movimentos contrários aos pesticidas. No mesmo período, de acordo com o IBGE, a área plantada cresceu 132%. O aumento no volume absoluto de pesticidas é compreensível e justificável diante do aumento da adoção de tecnologia no campo, que visa ganhos de produtividade e competitividade na agricultura. De 2022 para 2023 a área tratada com defensivos aumentou 10,5% e o volume de produto aplicado cresceu 9,5%, de acordo com os dados de pesquisa realizada pela Kynetec.

Dados do Censo Agropecuário de 2017 constataram que cerca de 1,7 milhão de estabelecimentos rurais (33%) declararam usar pesticidas, o que representou um aumento de 12% na proporção quando comparado ao Censo de 2006. De 2017 para cá, o número de estabelecimentos utilizando pesticidas certamente aumentou. Com relação ao número de tratores, que intensifica o uso de insumos, havia quase 1,3 milhão de tratores em 734 mil estabelecimentos agropecuários no Censo de 2017, o que representou um aumento de quase 50% em relação ao Censo de 2006.

Esses aumentos materializam o processo de intensificação do uso de tecnologia no Brasil, acompanhando o crescimento da agricultura comercial e de larga escala. Vale destacar que em 2022 o agronegócio respondeu por cerca de 50% das exportações (~US$ 160 bilhões) e representou 26,6% do PIB, além de ser responsável por 20% da força de trabalho no país.

De acordo com os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o custo médio com pesticidas na lavoura de soja, cultivo que representa 55% da área tratada, varia entre 20% e 30%, dependendo da região e das condições climáticas. Dentro da porteira, os agricultores buscam continuamente soluções para reduzir seus custos e a complexidade das operações. Ou seja, se fosse possível, não aplicariam pesticidas e ainda economizariam água, diesel, tempo e mão-de-obra especializada.

Se o objetivo é reduzir o uso de pesticidas, deveríamos analisar as iniciativas que estão sendo mais eficazes e aquelas que não funcionaram satisfatoriamente, entendendo que a redução do uso de insumos por área tratada é um grande desejo dos agricultores.

A redução do uso de pesticidas por área tratada já é uma realidade nas fazendas mais tecnificadas. Reduzir os custos com insumos agrícolas representa maior eficiência na gestão e exige conhecimento agronômico, a adoção de soluções inovadoras e um processo de tomada de decisão com base no monitoramento e na análise de dados de campo.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, é possível listar pelo menos cinco iniciativas e exemplos concretos que estão contribuindo significativamente para a redução do uso de pesticidas por área tratada:

  1. Uso de biotecnologias e de sementes geneticamente avançadas: o ano de 2023 marcou 25 anos da aprovação dos transgênicos. Um estudo realizado pela Agroconsult destaca a redução acumulada na dosagem aplicada de pesticidas (incluindo adjuvantes) de 35% para soja, de 16,2% para milho verão, de 16,4% para milho inverno e de 27,5% para algodão.
  2. Novas moléculas, mais seletivas, com ação específica e com perfil toxicológico e ambiental mais amigável: redução na dose média em gramas de ingrediente ativo por hectare (g.i.a./ha), entre os produtos lançados na década de 1970 (1.200 g.i.a/ha) e os produtos atuais (180 g.i.a/ha).
  3. Agricultura de precisão: reduções na aplicação entre 30% e 50%, pois essas tecnologias permitem identificar pragas e doenças de forma mais precisa, aplicando os produtos químicos apenas nas áreas necessárias.
  4. Técnicas de Manejo Integrado de Pragas, Doenças e Plantas Daninhas: o Programa MIP-Soja Paraná, liderado pelo Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR) e a Embrapa Soja, reduziu em 50% o uso de inseticidas para controlar pragas na cultura da soja. Além da soja, o sucesso do MIP para a redução do número de aplicações de pesticidas já foi relatado nos cultivos de algodão, café, milho e tomate, dentre outros.
  5. Evolução tecnológica e crescimento do mercado de bioinsumos: O uso de controle biológico com a Cotesia flavipes é um bom exemplo. Trata-se de uma vespa parasitoide que ataca a broca-da-cana (Diatraea saccharalis), que tem se mostrado uma estratégia eficaz para reduzir a necessidade de aplicação de inseticidas químicos em 50 e 70% na cultura da cana-de-açúcar. Vale destacar que o controle biológico é parte integrante do MIP e são vários os casos de sucesso com bioinsumos.

Na contramão das iniciativas que estão dando certo, vale destacar dois episódios recentes que tentaram impor uma agenda regulatória para reduzir o uso de pesticidas e falharam:

  1. Sri Lanka: em 2021, o então presidente Gotabaya Rajapaksa implementou uma política de proibição total de pesticidas e fertilizantes sintéticos, como parte de um plano para converter a agricultura do país em 100% orgânica. O resultado foi uma queda na produção de alimentos, crise econômica e social, que resultou em grandes protestos contra o governo. Em julho de 2022, o presidente foi forçado a renunciar e fugir do país após meses de manifestações intensas.
  2. União Europeia: em 2019 foi lançado o “Green Deal” (Pacto Verde Europeu). No que diz respeito ao uso de pesticidas, o Pacto incluía a estratégia "Farm to Fork" (Do Campo à Mesa), que visava reduzir em 50% o uso de pesticidas químicos até 2030. Diante de uma onda de protestos em 2024, uma proposta para a regulamentação do uso de pesticidas foi rejeitada, o que foi visto como um revés importante na implementação da estratégia, enfraquecendo os objetivos originais. Estas ações impactaram os resultados das eleições, estabelecendo limites para a onda de populismo verde no velho continente.

A conclusão é que o volume absoluto de pesticidas (químicos e biológicos) vai continuar crescendo no Brasil, pois a agricultura do país está em processo de expansão e de intensificação no uso de tecnologias. Produtos mais tóxicos tendem a ser substituídos por outros menos tóxicos, desde que não comprometam a eficácia agronômica e o manejo de resistências. Com relação ao uso de pesticidas por área tratada, a tendência é continuar reduzindo, pois os agricultores estão em busca de soluções cada vez mais sustentáveis, visando melhorar a eficiência na gestão das propriedades rurais. A otimização do uso de insumos agrícolas é uma agenda com forte apelo econômico, ambiental e social. Para avançar mais rapidamente, será necessário aperfeiçoar as políticas públicas, criando incentivos e aumentando os investimentos em educação profissionalizante e em assistência técnica. A solução passa longe dos movimentos ideológicos e protecionistas que vivem tentando impor barreiras e restrições de ordem regulatória ao agro brasileiro.

Por Roberto Araújo (na foto), engenheiro agrônomo, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)

Compartilhar

Newsletter Cultivar

Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura

LS Tractor Fevereiro