Nova doença em videiras

Cancro da videira pode dizimar os parreirais brasileiros.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

O cultivo de frutíferas no perímetro irrigado do vale do Rio São Francisco tem impulsionado as exportações brasileiras de manga e uva nos últimos anos, face as condições adequadas e prevalentes no semi-árido do Nordeste, proporcionando frutos de ótima qualidade e aceitação no mercado internacional.

Entretanto, no início de 1998, a viticultura brasileira foi aplacada por uma insidiosa enfermidade bacteriana na região de Petrolina, estado de Pernambuco, principalmente em plantios de ‘Red Globe’, cultivar de videira que vinha se destacando pela produtividade e ótima aceitação entre os importadores

O cancro da videira, enfermidade nova para a viticultura brasileira, é causado pela bactéria

pv. viticola, e anteriormente só registrada na Índia.

Os sintomas da doença não só depreciam a qualidade da uva, como acarretam graves danos à produção. Além da cultivar “Red Globe”, essa bacteriose já foi constatada, embora de forma menos agressiva, em outras cultivares de videira, tais como: Itália, Rubi, Benitaka e Superior (variedade de uva sem sementes).

Ao que tudo indica, a doença se estabeleceu através de ramos de videira da India, clandestinamente introduzidos no Brasil. A ampla e rápida distribuição desses elementos de propagação vegetal entre os viticultores, resultou na epidemia assinalada em Pernambuco no ano de 1998. Atualmente já existem registros de ocorrência da bactéria em vinhedos nos estados da Bahia e do Piauí.

Sintomas da doença

Os sintomas dessa doença se manifestam primeiramente nas folhas, sob a forma de pequenas manchas translúcidas, necróticas, angulares e de coloração castanha. A coalescência dessas manchas conduz ao secamento e queda de folhas. Manchas são também produzidas em ramos, gavinhas e engaços dos cachos. Mas, é nos ramos, contudo, que ocorrem os sintomas mais prejudiciais, representados por cancros extensos e profundos que impedem o transporte de seiva.

Prejuízos causados

A doença pode ocasionar uma quebra de safra da ordem de 60 a 80%. Em Petrolina, estima-se um prejuízo inicial acima de três milhões de reais, envolvendo uma área contaminada de cerca de 120 hectares. Por outro lado, os produtores de mudas da cultivar “Red Globe” encontram-se desestimulados, havendo, ainda, receio do surgimento de níveis de incidência elevados em outras cultivares mais suscetíveis, particularmente naquelas sem sementes (“seedless”) e nas que produzem bagas de pigmentação avermelhada. Além disso, existe a preocupação de que outras regiões vitícolas sejam atingidas, representando um problema muito mais sério para o país.

Disseminação da doença

A sobrevivência da bactéria parece estar associada a cancros ativos remanescentes nos ramos podados ou partes vegetais deixadas no pomar. Gavinhas aderidas ao aramado podem também contribuir como nichos de preservação do inóculo da bactéria. O solo, de maneira diferente, parece não estar diretamente vinculado à sobrevivência do patógeno.

Sob condições climáticas favoráveis, constituídas por chuvas intermitentes e elevada umidade relativa do ar, massas de células da bactéria (exsudatos) são formadas sobre as lesões nas folhas e nos cancros existentes nos órgãos lenhosos que, sob o impacto de gotas de chuva, resultam na formação de partículas aerossóis, as quais transportadas pelas correntes aéreas promovem a disseminação da doença à distância.

Dados obtidos na Índia demonstraram que níveis de incidência da doença e perdas na produção não foram significativos quando, após as podas, prevaleciam condições secas. Em contrapartida, períodos chuvosos prolongados favoreceram o desenvolvimento dessa doença, cuja incidência atingiu cerca de 78%.

Acredita-se, assim, que a estação quente-chuvosa ocorrida em fins de 1997 e início de 1998, associada à poda efetuada na mesma época, tenha precipitado e acelerado a epidemia da doença nos parreirais do Vale do São Francisco.

Medidas de controle

Não se conhecem medidas eficazes para o controle da doença. Dessa forma, todos os cuidados devem ser tomados visando a proteção de áreas de cultivo de videiras ainda não atingidas pelo cancro bacteriano. Sendo assim, o viticultor deve começar por certificar-se sobre a procedência das mudas, verificando as condições sanitárias do local de sua produção e as medidas preventivas de controle adotadas pelo viveirista.

Os viveiros devem estar implantados em locais distantes de parreirais afetados pela doença, devendo, ainda, ficar protegidos por “quebra-ventos”. As mudas deverão ter seu desenvolvimento acompanhado por meio de exames periódicos de sanidade, descartando-se imediatamente aquelas com quaisquer sintomas.

De fundamental importância é a desinfestação química de ferramentas e utensílios durante operações de poda e raleio, bem como a conscientização dos trabalhadores sobre a necessidade de higienização antes de seu ingresso nas áreas de cultivo.

Em parreirais formados, os viticultores devem programar-se para que, dentro do possível, as podas sejam realizadas em períodos de menor precipitação pluviométrica.

Os restos vegetais podados devem ser logo recolhidos e destruídos pelo fogo ou enterrio. Nas lavouras muito atacadas pela doença recomenda-se a poda drástica, permanecendo somente as pernadas principais.

O controle químico preventivo vem sendo tentado com pulverizações de produtos à base de cobre, de modo a promover uma boa cobertura da superfície das plantas. Entretanto, não existem dados de pesquisa de campo sobre a eficiência desse método de controle. É oportuno lembrar que a eficácia do controle tem relação direta com o nível técnico da aplicação. Por isso, cuidados devem ser tomados para garantir o direcionamento dos jatos durante a pulverização, de maneira que toda a folha seja protegida.

Uma outra prática cultural indispensável ao controle seria o uso de “cercas vivas”. Até o momento parece não existir consenso a respeito do assunto porém espécies como Grevilha, capim Cameron, Sansão do Campo e/ou Casuarina poderiam ser, ainda assim, empregadas na proteção de parreirais, de forma a reduzir a disseminação da doença.

João S. de Paula Araújo

UFRRJ

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