Manejo da cercosporiose, doença de extrema agressividade na cultura do café

Velha conhecida dos produtores de café a cercosporiose é uma vilã agressiva, que provoca sérios prejuízos

23.11.2017 | 21:59 (UTC -3)

O cafeeiro destaca-se no cenário nacional, sendo o Brasil o maior produtor e exportador mundial, com área plantada (espécies Arábica Conilon) de 2.282.619 hectares, contribuindo tanto no cenário social quanto econômico de vários municípios brasileiros. Apesar dessa importância, o cafeeiro sofre inúmeras perdas, causadas principalmente por doenças, pragas, déficit hídrico e deficiências nutricionais. Entre as doenças presentes na cafeicultura está a cercosporiose, causada pelo fungo Cercospora coffeicola, uma das principais e mais antigas doenças conhecidas do cafeeiro. Pode ocorrer tanto no viveiro quanto no campo.

No viveiro de mudas, a doença é favorecida por regas diárias, por excesso de adubação com K e por falta de Ca, devido à ausência de calagem no substrato. As mudas apresentam desfolha intensa, tornando-se raquíticas e impróprias para o plantio. Nas folhas, os sintomas são de manchas circulares de coloração castanho-clara a escura, com centro branco-acinzentado, quase sempre envolvidas por um halo amarelado. 

Além dos sintomas nas folhas, nas plantas em produção a doença pode ocorrer nos frutos, cujos os sintomas são pequenas manchas necróticas e deprimidas, de cor marrom a negra. Quando a doença ocorre nos frutos, acarreta a queda precoce, a maturação é acelerada, aumenta o número de grãos chochos e ocorre a aderência da polpa ao pergaminho, dificultando a despolpa e causando prejuízos ao agricultor, além de reduzir a qualidade da bebida.

A intensidade dos sintomas da doença, bem como as variáveis fisiológicas da planta, pode ser influenciada por fatores como temperatura, molhamento foliar, intensidade luminosa, oferta de água, fertilidade do solo e desequilíbrio nutricional. Os nutrientes minerais exercem funções específicas no metabolismo vegetal, afetando, assim, seu crescimento e sua produção. Além disso, a nutrição mineral pode promover modificações morfológicas ou químicas que aumentam ou reduzem a resistência das plantas às doenças, como, as alterações nas paredes das células da epiderme, tornando-as mais grossas, com maior acúmulo de celulose e lignina e ainda mais resistentes, bem como alterar a composição química e a síntese de compostos fenólicos. Para expressar a resistência é necessário não somente ter o material ou a semente de variedades resistentes, mas fornecer condições ambientais necessárias à formação das barreiras contra o patógeno, como exemplo, a água e os nutrientes em equilíbrio.

Frequentemente, o controle da cercosporiose baseia-se no uso de fungicidas protetores e sistêmicos, no entanto, uma prática alternativa ou capaz de maximizar a resistência, reduzir o impacto ambiental e aumentar a sustentabilidade financeira é manejar a nutrição mineral para constituir e aumentar as barreiras de resistência à doença. Quando a nutrição é balanceada, células epidérmicas lignificadas e com cutícula espessa, são formadas, servindo como barreira física, evitando a penetração das hifas. Ocorre o melhor controle na permeabilidade da membrana citoplasmática, evitando a saída de açúcares e aminoácidos para os espaços intercelulares, capazes de nutrir os patógenos. Além da formação de compostos fenólicos, com distintas propriedades fungistáticas, ou seja, os benefícios da nutrição mineral balanceada são muitos. Portanto, os nutrientes minerais, macro e micronutrientes, exercem forte influência na incidência e na severidade de doenças e esta influência depende das funções que cada elemento desempenha no metabolismo e nos mecanismos naturais de defesa das plantas. Em viveiros, a utilização de substratos pobres em matéria orgânica, com desequilíbrio de nutrientes, pode predispor as mudas à cercosporiose. Baixas dosagens de nitrogênio e altas de potássio, sem a presença do cálcio, proporcionam aumento na severidade da cercosporiose e consequentemente maior desfolha do cafeeiro. Ou seja, o conhecimento dos efeitos dos nutrientes minerais sobre a suscetibilidade do cafeeiro à cercosporiose pode auxiliar na elaboração de estratégias de manejo.

O nitrogênio (N) é o nutriente mineral mais abundante na matéria seca das plantas e é responsável por promover o crescimento vigoroso da planta, sendo essencial para a produção de aminoácidos, proteínas, hormônios de crescimento, fitoalexinas e fenóis. Em condições de deficiência, pode tornar a planta debilitada, levando ao crescimento mais lento. Entretanto, seu uso em doses excessivas, resulta na produção de tecidos jovens e suculentos, além de prolongar o estádio vegetativo e/ou, retardar a maturidade da planta. Logo, doses excessivas ou deficientes criam condições favoráveis ao ataque de patógenos. No caso da cercosporiose do cafeeiro, o aumento das doses de N, até o máximo recomendado, ao contrário do que ocorre com outras doenças, reduz a intensidade. Além disso, o momento de aplicação do adubo, o seu maior parcelamento, a dose utilizada, a fonte de N usado, o tipo de solo e a interação de tais fatores, podem influenciar no aumento ou na redução da doença. Uma estratégia seria a programação de uma adubação balanceada com quantidade suficiente para o crescimento adequado da planta, evitando períodos de excesso, perda ou condições ambientais favoráveis ao patógeno.

O potássio (K) é um dos nutrientes de maior importância para a cultura do cafeeiro, sendo o segundo elemento mais exigido pela cultura. Plantas deficientes em K tornam-se mais suscetíveis à doença devido à função metabólica desempenhada por este elemento. O potássio ativa enzimas, que atuam na fotossíntese e na respiração, auxilia na formação de aminoácidos e açúcares, atua na absorção celular, regula a abertura e fechamento dos estômatos, além de estar envolvido no transporte de carboidratos para os frutos e outros órgãos do cafeeiro, sendo capaz de contribuir com a resistência das plantas a doenças, pragas e veranicos. Em geral, a nutrição adequada em potássio resulta em menor incidência de doenças devido ao aumento da resistência à penetração e à colonização de patógenos. Atingido o suprimento ótimo de potássio para o crescimento das plantas, não há mais incremento na resistência com o aumento de doses. Acima da dose de equilíbrio, em trabalhos com solução nutritiva e no campo, observou-se aumento na cercosporiose provavelmente devido à competição do K+ com os cátions Ca2+ e Mg2+. Essa competição pela absorção dos cátions ocasionou em desordem nutricional, reduziu a espessura da cutícula e da parede celular e favoreceu a penetração de C. coffeicola. Algumas práticas de manejo de fertilização potássica, como a utilização de cultivares eficientes na absorção de potássio, utilização de métodos de aplicação adequados, com maior número de parcelamentos, sempre de acordo com análise de solo e folhasAlém da adequação da umidade do solo, seja por irrigação ou cobertura morta, e também o fornecimento de Ca e Mg por meio de calagem, podem auxiliar no controle da cercosporiose. Tanto no campo quanto no viveiro, muitas vezes é comum encontrar excesso de K sem a devida calagem., Essa última, essencial tanto para aumentar o pH quanto para fornecer os íons Ca e Mg, fundamentais em processos de resistência e também para a fotossíntese e respiração, pode também reduzir a toxidez por alumínio e aumentar a CTC (t) do solo.

O cálcio (Ca) é constituinte essencial da parede celular da planta. A deficiência de Ca acarreta em parede celular fina e com menor rigidez, tornando a planta vulnerável ao patógeno. Ca é utilizado na síntese de novas paredes celulares na lamela média, bem como na divisão celular. Trabalhos realizados na Universidade Federal de Lavras mostraram que com o aumento das doses de cálcio em solução nutritiva e no campo, até o ideal e com equilíbrio na solução do solo, houve redução na área abaixo da curva de progresso da incidência da cercosporiose. No campo devem-se aplicar doses equilibradas para que não ocorra a competição do cálcio com o potássio e magnésio, e, também, indisponibilização de micronutrientes devido à calagem em excesso.

O conteúdo de fósforo (P) no cafeeiro e no solo é relativamente baixo, mas doses excessivas de fertilizantes fosfatados são utilizadas nas covas e nos sulcos de plantio da cultura. A resposta das plantas à nutrição fosfatada no estádio inicial de crescimento e de desenvolvimento pode estar relacionada ao papel do P na síntese de proteínas e reações enzimáticas, por constituir proteínas necessárias à divisão celular, atuar no processo de absorção iônica, transferência de energia, além de ter grande influência sobre o desenvolvimento do sistema radicular. No solo, o fósforo pode reduzir a oferta de ferro, manganês, zinco e cálcio, elementos que estão envolvidos no mecanismo de resistência das plantas às doenças. Com isso, indiretamente, o excesso de fósforo pode afetar a sanidade de mudas.

Outro elemento, cujo teor na planta é afetado por doenças, é o magnésio (Mg). As plantas absorvem magnésio na forma de Mg2+ e a principal função deste macronutriente é a ativação de enzimas, cofator enzimático e também como componente da molécula de clorofila. Com isso, o magnésio pode afetar o tamanho, a estrutura e a função dos cloroplastos, sendo, portanto, essencial nos processos de fotossíntese, respiração e síntese de compostos orgânicos.

O ataque do fungo Cercospora coffeicola está relacionado à nutrição mineral das plantas, ou seja, plantas mais debilitadas,, pela falta de nutrição ou excesso de produção, são os maiores alvos da doença. Por essa razão, é extremamente importante que as lavouras cafeeiras sejam bem formadas e conduzidas, além de adubadas de acordo com a recomendação da análise de solo, foliares, sua carga pendente, oferta de água e seguindo as características do solo. A maior parte dos programas de tratamento fitossanitário para a cultura do cafeeiro já inclui o controle preventivo da doençaConsequentemente, as aplicações de defensivos agrícolas, o impacto ambiental e aumenta a sustentabilidade da lavoura.

Este artigo foi publicado na edição 184 da revista Cultivar Grandes Culturas. Clique aqui para ler a edição.

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