Livres do carrapato

Os carrapatos causam perdas de 8 dólares/cabeça/ano no Brasil e a seleção de animais geneticamente resistentes aparece como a melhor alternativa para amenizar o problema.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Um dos mais antigos problemas do rebanho nacional e que atinge qualquer sistema de produção é a presença do carrapato Boophilus microplus. Este parasita hematófago, que ingere 0,5 a 3 ml de sangue ao longo de sua vida, é comumente encontrado em regiões intertropicais (cerca de 74% da América Latina e ao redor de 96% dos municípios brasileiros). O carrapato é o ectoparasita que causa perdas de grande vulto à pecuária brasileira e à de outros países do mundo, atingindo cerca de 75% da população bovina mundial.

Mortalidade, perda de peso, diminuição na produção de leite, redução na natalidade, disseminação de doenças transmitidas por carrapatos e até a diminuição da qualidade dos subprodutos, tais como o couro (70% do couro brasileiro é de 2a e 3a categoria forçando o país com o maior rebanho comercial do mundo a importar este subproduto) são algumas das perdas causadas por este parasita. Além disto, o controle dos carrapatos onera o sistema de produção de carne bovina já que os investimentos com carrapaticidas, banheiros e aspersão, e mão-de-obra são altos.

Não sendo suficiente, ainda acredita-se que o Boophilus microplus ao se alimentar, inocula toxinas na corrente sanguínea dos bovinos que não só deprimem o apetite dos animais como ainda apresentam efeito direto nos processos metabólicos do hospedeiro, reduzindo a capacidade funcional do fígado. Apesar das dificuldades em mensurar os prejuízos causados por este parasita, estima-se perdas em torno de 8 dólares/cabeça/ano no Brasil, compreendendo desde os custos com controle químico, prejuízos no desempenho e até mortalidade, em casos mais graves, de animais do rebanho. Há dados da região sul do Brasil (Bagé/RS) demonstrando que uma infestação por carrapatos foi responsável pela mortalidade de até 40% de um rebanho da raça Hereford (CORDOVÉS, 1997).

O carrapato encontra-se no hospedeiro (bovino) na fase parasitária, onde se alimenta, aumenta consideravelmente seu peso (cerca de 200 vezes) e armazena reservas de nutrientes para a fase seguinte no solo (pastagens). Nas espécies monoxenas, onde o Boophilus microplus é o representante mais conhecido, a cópula bem como as mudanças de fases de vida ocorrem num único hospedeiro. Geralmente, os fatores climáticos pouco afetam o desenvolvimento nesta fase do carrapato, pois o microclima que os envolve está intimamente relacionado à fisiologia do bovino. Independentemente se existe ou não a transmissão de agentes patógenos, esta fase do parasitismo determina prejuízos econômicos importantes, tais como perdas na produção de carne e leite e danos no couro dos animais.

Sendo esta a fase mais prejudicial, as mensurações (contagens) desta população no bovino é que expressam a quantidade de indivíduos que compõem de forma direta ou indireta à infestação por carrapatos. Geralmente, determina-se a quantidade de carrapatos fêmeas ingurgitadas que são produzidas por dia no hospedeiro. Sabe-se que as fêmeas de Boophilus microplus maiores de 4,5 mm se desprendem do hospedeiro cerca de 24 horas após terem alcançado o referido tamanho. Desta maneira, contando a quantidade de fêmeas maiores de 4,5 mm no animal, tem-se idéia da quantidade de carrapatos que desovarão nas pastagens.

O período de pré-postura vai desde o desprendimento do carrapato até a expulsão do primeiro ovo, que em boas condições tem duração de dois a quatro dias. Este período sofre maior influência da temperatura ambiente (ideal 27oC) e menor influência da umidade relativa do ar (ideal 70%). Em situações adversas, isto é, baixa temperatura ambiente, a fêmea de carrapato (teleogina) não efetua a postura, porém é capaz de se manter viva até as condições se tornarem favoráveis novamente para iniciar o processo. As fêmeas de carrapatos são capazes de permanecer em pré-postura por até 90 dias, e em situações desfavoráveis podem permanecer vivas nas pastagens por até cinco meses (PENNA, 1990).

Dentre as estratégias de controle, existem quatro alternativas que se destacam no controle do carrapato: a utilização de produtos químicos, o consórcio de pastagens, aplicação de vacinas e a seleção de animais resistentes. Infelizmente, a simples utilização de controle químico, ultimamente não aparece como uma alternativa tão eficaz no controle deste parasita, uma vez que o uso indiscriminado e inadequado destes produtos faz com que surjam cepas resistentes do carrapato a todas as classes de compostos químicos comercialmente utilizados. Além disto, a utilização de produtos químicos apresenta um alto custo, tanto na aquisição do produto e equipamentos, como na disponibilidade de mão-de-obra. Consórcio e rotação de pastagens específicas (capim Gordura, capim Elefante, Andropogon), implantação de lavouras por um período na área infestada, uso de pó de Neem (pecuária orgânica) e vacinas apresentam-se como alternativas eficazes somente em situações de baixa infestação de carrapatos. Desta forma, a seleção de animais geneticamente resistentes ao carrapato apresenta-se como a alternativa que atualmente mais preenche os requisitos necessários para amenizar este problema em qualquer sistema de produção de bovinos de corte.

Pode-se afirmar com tranqüilidade que raças de origem européia e seus cruzamentos são mais susceptíveis às infestações por carrapatos que as de origem zebuínas. Estudos realizados no Brasil, em 1941, envolvendo raças européias (Aberdeen Angus, Flamenga, Holandesa Vermelha e Branca, Holandesa Preta e Branca e Schwys), zebuínas (Gir, Guzerá e Nelore) e nacionais (Caracu e Mocho Nacional), já demonstraram diferenças de susceptibilidade ao carrapato entre origens (européia, zebuína ou nacional), entre raças dentro da mesma origem e entre indivíduos dentro da mesma raça, comprovando que a genética do animal influi na resistência ao parasita. Fatores ligados diretamente à pele, como o comprimento do pêlo, secreções sebáceas, espessura e dureza da pele que existem entre as diferentes raças foram contabilizados como as possíveis causas da resistência.

Embora a imunidade a ectoparasitas seja bem menos definida que a dos endoparasitas, ela ocorre em bovinos contra a maioria das espécies de carrapatos. Num rebanho em condições de grande desafio (ambiente exposto à alta quantidade de parasitas), esta manifestação de resistência pode ser mascarada podendo ter carrapato tanto em animais jovens suscetíveis quanto em animais adultos resistentes. Além da idade, o sexo também influencia na resistência, sendo animais do sexo masculino mais acometidos às infestações por carrapatos.

Programas de seleção de raças da Austrália (Belmont Adaptado e Shorthorn Australiano) mostraram que a herdabilidade da resistência ao carrapato é alta (h2=0,48), o que demonstra que esta característica, quando selecionada, pode ser passada para a progênie. Em um programa de seleção, desenvolvido por cerca de 15 anos, foi verificado que, quando foram selecionados animais resistentes ao carrapato, houve uma diminuição linear do número de carrapatos/animal (de 275 para 40 carrapatos/animal). Estes resultados indicam que a seleção de reprodutores resistentes ao carrapato Boophilus microplus, independente da raça enfocada, pode ser a alternativa mais eficiente para redução dos custos com o controle químico e, desta forma, contribuir para o aumento dos índices de produtividade do rebanho nacional e, conseqüentemente, do retorno econômico da atividade pecuária.

Assim, tem-se para o futuro a necessidade de seleção de animais que apresentam a resistência genética aos carrapatos dentro de cada raça. Com os recentes avanços das técnicas da biologia molecular na pecuária, pode-se acreditar que dentro em breve estarão disponíveis aos criadores testes genéticos, baseados na informação contida no DNA do animal, que possibilitarão a detecção precisa de quais animais dentro de um grupo apresentam potencial para esta resistência. Desta forma, a possibilidade de utilização destes testes genéticos, para determinar quais reprodutores do rebanho que passam a resistência genética ao carrapato para seus filhos, poderá complementar os modelos de melhoramento genético já existentes, principalmente nos programas das raças de maior susceptibilidade ao carrapato. A seleção de animais geneticamente resistentes às infestações parasitárias diminuirá não só a necessidade de controle químico como, também, o comprometimento dos índices zootécnicos, promovendo desta maneira maior ganho econômico da atividade.

Liliane Suguisawa e Ricardo Velludo Gomes De Soutello

Doutorandos UNESP/Botucatu

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