Por sua natureza e características próprias, nem sempre as doenças de pós-colheita em hortaliças são reconhecidas e identificadas como um fator primário de perda, sendo sua incidência associada a outros estresses que ocorrem simultaneamente após a colheita. As doenças de pós-colheita podem causar três tipos básicos de perdas, de acordo com a extensão do dano: (1) “cosmética” ou superficial; (2) parcial; e (3) total. A perda “cosmética” ou superficial caracteriza-se pela alteração da aparência do produto, reduzindo seu valor como mercadoria. Tubérculos de batata afetados com sintomas de sarna prateada causada por
ou com escleródios de Rhizoctonia solani são exemplos deste tipo de perda. A perda parcial ocorre quando é possível descartar a parte lesionada do produto, separando-se a porção ou a unidade deteriorada. Frutos de pimentão com lesões de antracnose causada por
podem ser selecionados e descartados ou as folhas externas de alface com lesões de
pv. vitians podem ser eliminadas. A perda total ocorre quando a doença é a causa principal do descarte do produto, afetando sua aparência, qualidade e integridade. As podridões causadas pelas espécies/subespécies de Erwinia em raízes de cenoura e outras hortaliças na fase de pós-colheita geralmente são deste tipo.
Assim como ocorre para as demais doenças de plantas, a preocupação com as perdas ocasionadas por doenças de pós-colheita em hortaliças está condicionada a surtos epidêmicos, que reduzem drasticamente seu valor como mercadoria. Nesta situação, o descarte é, geralmente, a única medida factível do ponto de vista técnico e econômico, e a manipulação e seleção adicionais aumentam o custo final do produto remanescente. As doenças de pós-colheita só se tornam um problema relevante quando três fatores ocorrem simultaneamente: (a) o patógeno é agressivo; (b) a condição ambiental é favorável; e (c) a hospedeira está suscetível. Muitas vezes, têm-se estas condições ocorrendo juntas, mas as perdas são desprezíveis porque o período de tempo transcorrido entre a colheita e o consumo da hortaliça é extremamente curto, variando de 1 a 3 dias para grande parte das hortaliças folhosas, por exemplo.
Por suas características, as doenças de pós-colheita em hortaliças são motivo de preocupação para consumidores, comerciantes (atacadistas, varejistas) e beneficiadores. As hortaliças, em sua maioria, são comercializadas como mercadorias, sem certificado de origem e sem possibilidade de rastreabilidade; e os agricultores dificilmente tomam conhecimento da condição em que seu produto chega até o consumidor. Em muitos casos, um intermediário se encarrega até mesmo do processo de colheita, desvinculando completamente o produtor das etapas subseqüentes da cadeia de pós-colheita. Esta situação começa a mudar a partir de alterações na forma de comercialização, com o surgimento das centrais de distribuição de alguns supermercados, certificação de origem e a compra direta de fornecedores credenciados. Neste caso, as hortaliças são comercializadas em embalagens com marca própria, identificando-se o produtor ou empresa responsável, inclusive com código de barras, além de conter outras informações sobre o produto, como sua origem e validade. Deste modo, é possível responsabilizar o fornecedor por eventuais perdas, inclusive aquelas ocasionadas por doenças de pós-colheita, ou então informar que o produto está apresentando problemas nas fases subseqüentes à colheita. O consumidor geralmente assume as perdas que ocorrem em seu domicílio, mas os outros segmentos envolvidos na comercialização muitas vezes são ressarcidos na forma de nova mercadoria ou descontos nos pagamentos futuros. Em todas estas situações, um ou mais segmentos da cadeia (produção, comercialização, consumo) assumem uma parte das perdas.
Fungos e bactérias são os patógenos pós-colheita mais importantes em hortaliças, sendo responsáveis pela maior parte das doenças. Nematóides e vírus eventualmente são considerados neste grupo quando afetam diretamente a parte comercial das hortaliças, causando sintomas e sinais, como frutos de tomate infectados pelo vírus do vira-cabeça e raízes de cenoura com galhas causadas por
spp. Os fungos e bactérias que atacam hortaliças apresentam grande variabilidade em relação a perdas, sintomas, especificidade por hospedeira, agressividade e sobrevivência.
De acordo com o modo de infecção e as diferentes partes comerciais das hortaliças (frutos, folhas, raízes, bulbos, tubérculos, inflorescências), os fungos que causam doenças em pós-colheita podem ser agrupados em fungos de parte aérea, de solo e oportunistas. Os gêneros de fungos mais importantes envolvidos em doenças de pós-colheita são Alternaria, Ascochyta, Aspergillus, Botrytis, Botryodiplodia, Cercospora, Choanephora, Cladosporium, Colletotrichum, Cylindrocladium, Diaporthe, Dydimella, Fusarium, Geotrichum, Glomerella, Macrophomina, Mucor, Mycosphaerella, Penicillium, Phoma, Phytophthora, Pythium, Rhizoctonia, Rhizopus, Sclerotinia, Sclerotium, Septoria e Stemphyllium.
De uma maneira geral, as hortaliças são mais suscetíveis ao ataque de bactérias devido ao seu pH um pouco mais elevado que o das frutas. Os gêneros mais importantes são Erwinia, Burkholderia, Pseudomonas, Bacillus e Clostridium, mas Streptomyces, Xanthomonas e Serratia também podem ser considerados patógenos pós-colheita quando afetam diretamente o produto comercial (folhas, frutos, tubérculos, raízes). A maior parte destas bactérias já foi registrada em hortaliças no Brasil.
A infecção de hortaliças antes da colheita pode ocorrer de várias maneiras, como a penetração direta através da epiderme, pelas aberturas naturais ou através de ferimentos mecânicos. Muitos fungos patogênicos são capazes de iniciar o processo de infecção dos tecidos e permanecer latentes por períodos de tempo variáveis, até que a resistência da planta hospedeira diminua e/ou as condições de desenvolvimento do patógeno sejam favoráveis à ocorrência da doença. Fungos menos agressivos e bactérias podem ter acesso às hortaliças através de aberturas naturais, como estômatos, lenticelas, cicatrizes de crescimento e ferimentos. Os diferentes tipos de danos mecânicos (quebras, abrasões, perfurações e rupturas) são portas de entrada para fungos e bactérias, sendo esta a forma mais importante de penetração na fase de pós-colheita.
Existe hoje em dia uma grande preocupação por parte dos consumidores por produtos sem resíduos químicos tóxicos, microbiológicos ou outros tipos de contaminação. As melhores formas de controle ainda são a prevenção das doenças durante a fase de cultivo, a redução do inóculo inicial e o estabelecimento de um ambiente favorável à manutenção da resistência e qualidade dos produtos na fase de pós-colheita. O controle das doenças pós-colheita em hortaliças é limitado por uma série de fatores, como sua alta perecibilidade e suscetibilidade, falta de diagnose precisa e disponibilidade de tratamentos específicos. As medidas mais simples para manter a sanidade das hortaliças até seu consumo efetivo são a adoção de um sistema de controle integrado de pragas e doenças durante o cultivo; a desinfestação/desinfecção dos produtos, equipamentos e embalagens; o manuseio cuidadoso dos produtos; e o uso de embalagens e temperatura adequada para cada tipo de hortaliça. O uso de produtos químicos para o controle de doenças de pós-colheita em hortaliças é dificultado pelo curto espaço de tempo entre a colheita e o consumo (prazo de carência), desenvolvimento de resistência a alguns princípios ativos e pequeno número de produtos oficialmente registrados para esta finalidade.
Uma parte significativa das perdas causadas por doenças pós-colheita em hortaliças pode ser reduzida com medidas simples no manuseio pós-colheita, como pré-resfriamento, uso de embalagens adequadas, refrigeração e manipulação cuidadosa dos produtos. O manuseio ideal atualmente é utilizado somente em hortaliças com maior valor agregado ou destinadas a segmentos específicos do mercado, relativamente pequeno em volume. Em relação aos métodos de controle das doenças pós-colheita, a tendência é a pesquisa e o uso de métodos alternativos aos químicos, como a modificação das condições ambientais, controle biológico, métodos físicos, indução de resistência, modificação das condições de armazenamento, transformação genética e o uso de substâncias naturais, como óleos essenciais e outras com propriedades antifúngicas.
Assim como para as demais doenças de plantas, medidas preventivas são a melhor opção de controle e devem ser baseadas em programas de controle integrado, incluindo-se também o manuseio pós-colheita do produto. Atualmente, isto pode ser alcançado mediante a identificação do patógeno por fitopatologistas e a caracterização das condições em que a doença está ocorrendo. Através desta abordagem, a doença e as perdas decorrentes são consideradas sob diferentes aspectos (técnico, comercial e econômico) e a adoção de medidas de controle propostas deverão ser coerentes com o sistema de produção e de manuseio pós-colheita das hortaliças.
Embrapa Hortaliças
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