Importância do material propagativo na produção de videiras

Intimamente relacionada à ocorrência de problemas fitossanitários, a longevidade dos parreirais depende em grande parte do tipo de material propagativo utilizado na implantação

08.07.2016 | 20:59 (UTC -3)

A vitivinicultura nacional, com o objetivo de obter ganhos em competitividade, tem buscado junto aos viticultores produção de uva associada à qualidade de matéria-prima. A crescente demanda interna pelo suco integral de uva tem exigido a obtenção de maior produtividade por planta ao longo do tempo, mas com racionalização de custos e recursos. Já a produção de vinhos finos vem estabelecendo maior rigor na qualidade da uva processada.

A qualidade do material vegetal que origina os parreirais é o fator-chave no estabelecimento do potencial produtivo de uma cultura. Desta forma, dentre as práticas agrícolas consideradas estratégicas, atualmente ganha destaque a produção de mudas de videira. É senso comum no setor vitivinícola que uma eficiente reconversão da matriz produtiva só será plena a partir do momento em que as mudas utilizadas sejam agregadas às inovações tecnológicas.

A base técnica para obtenção de mudas de videira já é conhecida e largamente difundida entre produtores e viveiristas. Porém, a inovação na produção ainda é pouco explorada. A base desta inovação parte da oferta de materiais propagativos com as chamadas “qualidades sanitárias, genéticas e agronômicas superiores". E são estas que, por desconhecimento ou falta de força legal, muitas vezes, são ignoradas pelos produtores de mudas, que deixam de agregar valor ao seu produto.

A utilização de mudas de videira com qualidade genética e sanitária é condição essencial para a permanência na atividade com viabilidade econômica e com competitividade frente aos concorrentes externos. A longevidade dos vinhedos está especialmente relacionada à ocorrência de problemas fitossanitários. A vitivinicultura brasileira vem enfrentando, ao longo dos anos, o surgimento de vários problemas fitossanitários, que se revelam como principal entrave tecnológico a continuidade da atividade.

Assim, tanto viveiristas profissionais como produtores rurais, devem rever a conceituação da produção de mudas. Apesar de ainda não existirem padrões de qualidade e identidade oficiais para mudas, o setor vitivinícola tem esperado cada vez mais a garantia da qualidade das mudas produzidas. Dentre os critérios de qualidade mais exigidos, especial atenção tem sido dada aos aspectos fitossanitários, destacando-se os cuidados na prevenção da disseminação de fungos, vírus e insetos junto às mudas. Estes cuidados se iniciam pela avaliação visual das mudas, uma vez que em um lote de mudas com apresentação morfológica uniforme, já há indicativo de que o sistema de produção foi aplicado de maneira eficiente.

O seguinte padrão morfológico representa o aspecto visual da muda com qualidade superior: porta-enxerto (comprimento de no mínimo 30cm e diâmetro entre 1,5cm e 2,5cm); enxertia (boa soldadura, sem fissuras ou engrossamento); enxerto (brotação única, com no mínimo 0,3cm de diâmetro e no mínimo duas gemas); sistema radicular (simétrico, apresentando um nível de raízes, com no mínimo três raízes e podadas a pelo menos 10cm). Exemplo de muda neste padrão é observado na Figura 1, enquanto que, nas Figuras 2 e 3 são demonstradas mudas com sistema radicular e enxertia fora do padrão, respectivamente.

Porém, além do padrão morfológico, a qualidade fitossanitária que, muitas vezes, não pode ser identificada visualmente, é a que deve ter a maior atenção por parte do produtor de mudas. Essencialmente, são três as etapas do viveiro que devem ser monitoradas: 1) obtenção do material propagativo das mudas nos matrizeiros; 2) enxertia da variedade copa no porta-enxerto e 3) enraizamento das mudas em canteiros.

As variações das técnicas, ao longo das etapas, são diversas. Em mudas produzidas por viveiristas profissionais registrados no Renasem/Mapa, existe elevada escala de produção, pois utilizam equipamentos mecanizados para enxertia, forçagem e enraizamentos (Figura 4). Porém, especialmente nos minifúndios familiares, com ênfase em sistemas de base ecológica, ainda é comum a produção da muda na propriedade, com o uso de enxertias manuais e enraizamentos a campo (Figura 5). Independentemente do perfil do produtor, a base sanitária para obtenção de materiais com qualidade superior é a mesma.

A aquisição ou a formação de mudas de qualidade é um ponto-chave inicial para o controle de doenças causadoras da morte de videira. A utilização de mudas infectadas tem provocado a disseminação de enfermidades para locais até então livres da doença. A não percepção por parte dos produtores rurais e de alguns viveiristas torna extremamente sério o problema, uma vez que além de contribuir com a disseminação de patógenos, acarreta gasto com a manutenção antieconômica de plantas que terão de ser, mais cedo ou tarde, eliminadas, além de novos gastos com o replantio e o atraso do retorno financeiro ao produtor. Logo, a visão imediatista em que a muda é um fator de produção pouco relevante dentro do negocio deve ser totalmente abandonada.

Diversos fungos fitopatogênicos podem atacar a videira ocasionando perdas em maior ou menor grau. Parte é frequentemente disseminada via material vegetativo contaminado, originando plantas mais fracas, com menor vigor, menor produção, folhas menores que o normal, cloróticas, avermelhamento entre as nervuras, murchas na parte aérea, evoluindo para o declínio e a morte (Figura 6). Entre as doenças fúngicas causadoras de declínio e morte de videiras destacam-se: fusariose (Fusarium oxysporum f. sp. herbemontis); pé-preto (Cylindrocarpon destructans); chocolate (Phaeoacemonium sp. e Phaeoacremoniella sp.); eupitiose (Eutypa lata); podridão-descendente (Botryosphaeria sp., Neofusicoccum sp. e Lasiodiplodia teobromae); podridão-do-colo (Xyllaria sp.), entre outras. Estes patógenos são uma grande ameaça para o estabelecimento de uma viticultura moderna e competitiva. A falta de informação e/ou o diagnóstico impreciso tem levado muitos produtores, após constatarem os sintomas, a utilizar adubações como forma de corrigir o problema, por equivocadamente pensarem se tratar de uma deficiência nutricional, sendo que na verdade a causa é biótica, ou seja, provocada por um agente fitopatogênico.

Como estes fungos são transmitidos via material vegetativo, os produtores ou viveiristas precisam monitorar visualmente as plantas matrizes, periodicamente, a fim de evitar coletar estacas ou gemas de plantas com a presença de sintomas de doenças. Análises complementares poderão ser realizadas em laboratórios de Fitopatologia, enviando-se amostras de videira para a detecção de fungos fitopatogênicos no interior dos tecidos. As plantas com sintomas de podridão-descendente ou eutipiose devem ser recuperadas, por meio de uma poda drástica, para eliminação de todos os tecidos apodrecidos, e os cortes protegidos com pasta à base de fungicida. Só assim esta planta recuperada poderá ser candidata à planta matriz, desde que após o monitoramento não seja constatada novamente a presença de sintomas. Já para as demais doenças causadas por fungos de solo recomenda-se a erradicação das plantas com sintomas.

Outras medidas de controle recomendadas são: não instalar o viveiro próximo ao vinhedo utilizado comercialmente; utilizar no viveiro solo livre de fungos fitopatogênicos causadores de declínio e morte de plantas e que não tenha sido cultivado com videira há pelo menos três anos; tratar a base das estacas com solução de fungicidas (tebuconazole ou tiofanato metílico) antes do contato direto com o solo ou substrato; nos sistemas orgânicos ou agroecológicos a proteção poderá ser realizada com calda bordalesa ou Trichoderma; após a enxertia, pulverizar ou pincelar a região dos tecidos com solução de fungicidas para evitar a entrada de fungos causadores de morte-descendente; descartar as mudas que apresentarem o sistema radicular com sintomas de apodrecimento ou escurecimento de raízes e/ou podridão interna na base.

No caso das viroses da videira, o processo infeccioso resultará em queda de produtividade e da qualidade da produção, refletindo na rentabilidade da cultura. Os sintomas associados à infecção viral em videira são perda contínua e gradual do vigor da planta, produção reduzida, coloração (avermelhamento ou amarelecimento) anormal das folhas, folhas com aparência atípica (bordos enrolados, textura rugosa e bolhosidade na superfície do limbo foliar), brotação irregular dos ramos, engrossamento e amadurecimento irregular dos ramos, presença de caneluras no lenho (ranhuras sob a casca do tronco) (Figura 7A-B) e casca do tronco com aparência alterada (espessa e com rachaduras) (Figura 7C-D), além do amadurecimento irregular e do menor teor de açúcares nos frutos. É importante destacar que nem sempre a videira infectada por vírus exibirá sintomas perceptíveis, pois a infecção pode ser latente em algumas cultivares comerciais. Entretanto, mesmo nestes casos a presença do vírus poderá causar prejuízos.

O controle das viroses da videira somente é viável no campo por meio da utilização de material propagativo sadio do porta-enxerto e da cultivar produtora (copa). Recomendam-se, na implantação ou renovação do vinhedo, a aquisição e o plantio de mudas ou material propagativo “certificados", ou seja, que tenham a garantia de boa sanidade. Este tipo de material pode ser obtido em órgãos oficiais que desenvolvam programas de produção de material propagativo de videira livre de vírus ou em viveiristas que multiplicam material sadio sob o controle de órgãos oficiais. Outra opção é a aquisição de mudas pela importação, observando-se a legislação relativa a este procedimento.

Em situação específica é o viticultor quem prepara a própria muda que será plantada em sua propriedade. Neste caso, o viticultor deve realizar cuidadosa inspeção visual, periódica e ao longo do ano, no vinhedo de onde pretende retirar o material propagativo, selecionando plantas com bom aspecto sanitário, vigorosas, produtivas e com uva de boa qualidade. A observação de sintomas, que possam estar associados à infecção viral, descredencia a planta como doadora de material propagativo de boa qualidade. Este processo não é garantia total de que as mudas formadas terão boa condição fitossanitária, pois as plantas “matrizes" selecionadas podem não exibir sintomas de infecção viral em função do tipo de material genético (cultivar), das condições ambientais, da virulência do isolado ou espécie viral, do estádio de desenvolvimento da planta, dentre outros fatores.

A aquisição de mudas de uma fonte idônea dá maior segurança de que estas não estejam afetadas por viroses, doenças muito difíceis de serem reconhecidas no momento da aquisição das mudas. No caso de a muda estar contaminada, provavelmente, isto somente será constatado no vinhedo algum tempo após o seu plantio. Assim, a única solução técnica seria eliminar a planta infectada e replantar uma muda com boa condição sanitária, pois, uma vez infectada por vírus, é impossível curar uma planta no campo.

A recomendação para que o produtor utilize material propagativo (estaca, gema, muda) com sanidade superior é válida tanto para a cultivar do porta-enxerto quanto para a cultivar do enxerto (copa). Os vírus são patógenos sistêmicos, ou seja, possuem a capacidade de se movimentarem do porta-enxerto para a copa e vice-versa e, consequentemente, a parte sadia da muda será infectada a partir daquela doente.

Os porta-enxertos, mesmo afetados por viroses, dificilmente mostram sintomas da doença, ou seja, apresentam desenvolvimento quase normal, tornando impossível a identificação visual das plantas infectadas. Os danos sobre a muda, ao se utilizar o porta-enxerto infectado, somente serão observados, no vinhedo, algum tempo após o plantio, quando a vegetação da copa, que normalmente é sensível à infecção viral, passar a exibir sintomas da doença. Após esta constatação não haverá mais possibilidade de controle a não ser a reposição da muda.

Assim, a principal forma de disseminação das viroses é por meio de material propagativo infectado, durante o processo de formação das mudas, independentemente do método de enxertia. Até o momento, não existe comprovação de que os vírus que infectam a videira sejam transmitidos mecanicamente, ou seja, que eles possam ser transmitidos por ferramentas de cultivo.

Até algum tempo atrás, assumia-se que a disseminação dos vírus da videira ocorria exclusivamente por meio de material propagativo infectado, principalmente por meio de porta-enxertos que não apresentavam sintomas. Entretanto, estudos mostraram que algumas espécies de cochonilhas atuam como vetoras de vírus em videiras. Desde então, em diversos países vitícolas do mundo surgiram relatos da disseminação natural de vírus em vinhedos por diferentes espécies de cochonilhas (pseudococcídeos). O controle de insetos vetores de vírus é um tema de difícil abordagem, pela gama de variáveis envolvidas no processo de transmissão viral e, atualmente, constitui um desafio da viticultura mundial.

Além de vírus, insetos-praga como a pérola-da-terra (Eurhizococcus brasiliensis), filoxera (Daktulosphaira vitifoliae) e cochonilhas podem ser veiculados com a muda e causar perdas significativas no potencial produtivo do futuro vinhedo. Para monitoramento destas pragas, o produtor de mudas deve estar atento a alguns aspectos. A pérola-da-terra, sendo a praga de maior importância econômica na cultura da videira, deve ter sua dispersão entre regiões anulada. Neste caso, o maior risco ocorre na oferta de mudas na forma de torrão. Já para filoxera, por ocasião da colheita das mudas, a presença de nodosidades, tuberosidades e hipertrofias nas raízes deve ser observada, pois são sintomas relacionados à sua ocorrência. Finalmente, destaca-se que o melhor controle de insetos-praga, no processo de produção da muda, se dará ao longo do período vegetativo. É o caso das estruturas de filoxera, que podem ser observadas em folhas, ramos e brotos durante o verão (Figura 8) e a presença de cistos de pérola nas raízes (especialmente nas plantas matrizes) a partir do início da primavera.


Legenda das figuras:

Figura 1 - Muda obtida por enxertia mecânica com padrão morfológico (Foto: Daniel Santos Grohs)

Figura 2 - Muda obtida por enxertia manual com sistema radicular fora do padrão morfológico (Foto: Daniel S. Grohs)

Figura 3 - Detalhe de enxerto realizado de forma manual fora do padrão morfológico (Foto: Daniel S. Grohs)

Figura 4 - Mudas enxertadas e enraizadas em típico sistema de produção aplicado por viveiristas profissionais (Foto: Daniel S. Grohs)

Figura 5 - Mudas enraizadas em típico sistema de produção aplicado por viticultores na propriedade (Foto: Daniel S. Grohs)

Figura 6 - Doenças fúngicas que comprometem o desenvolvimento das plantas de videira. Pé-preto (A); fusariose (B); chocolate (C) e podridão-descendente (D) (Fotos: Lucas da R. Garrido)

Figura 7 - Videiras afetadas por viroses. (A) porta-enxerto cultivar Paulsen 1103, aspecto normal do lenho em planta sadia e (B) reentrâncias longitudinais típicas das caneluras do tronco (visualizadas após a retirada da casca), correspondendo ao local onde a casca penetra no lenho, prejudicando o funcionamento normal dos vasos condutores da seiva; (C) corte transversal de ramos de videira sadia e (D) de videira infectada com a virose do complexo rugoso, exibindo engrossamento da casca e caneluras (Fotos: Thor V. M. Fajardo)

Confira o artigo na edição 83 da Revista Cultivar Hortaliças e Frutas.

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