Elas vieram com tudo!

Mudanças nos métodos de cultura, principalmente com a expansão do plantio direto, e o plantio em épocas alternativas, como a chamada safrinha, que ganha corpo em cada vez mais lugares, ocasionam importantes alteraç&otild

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Os percevejos (Hemiptera: Heteroptera) são insetos sugadores, isto é, alimentam-se introduzindo o aparelho bucal (estiletes) na fonte nutricional. Dentre as espécies fitófagas, muitos se alimentam de plantas de importância econômica, tornando-se pragas. Normalmente, esses percevejos fitófagos alimentam-se das sementes, que são verdadeiros “pacotes” de nutrientes, com alto teor de nitrogênio. Desta forma, esses insetos estão comumente associados com plantas no período reprodutivo

Recentemente, entretanto, temos observado a ocorrência de percevejos atacando plantas novas (plântulas) de três culturas, tradicionalmente importantes para a agricultura brasileira, a saber: o milho, o trigo e a soja. Os percevejos que têm demonstrado esse hábito alimentar são conhecidos popularmente por barriga-verde (

spp.) e por formigão (

Westwood).

Há duas espécies de percevejos, conhecidos por barriga-verde.

(F.) e

(Dallas). As espécies são muito semelhantes.

é maior e seus espinhos são da mesma cor dos ombros (pronoto).

é menor, e a extremidade dos espinhos é mais escura do que o restante do pronoto. O próprio nome indica, isto é, melacanthus, significa os cantos melanizados ou escurecidos.

Praga em expansão

A distribuição geográfica de

spp. no Brasil abrange a Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), Região Sudeste (São Paulo) e Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul e Mato Grosso). Muito provavelmente, os percevejos barriga-verde tenham uma distribuição maior do que a aqui apresentada, e parecem estar em expansão, seguindo as culturas nas áreas que estão sendo incorporadas ao processo produtivo agrícola.

Esses percevejos, desde a década de 70, têm sido mencionados como pragas secundárias da soja. Entretanto, a partir da década de 90, tem ocorrido diversos relatos das duas espécies em milho, cultura que tem sofrido os maiores danos. Os percevejos atacam as plantas jovens (plântulas) causando o amarelecimento das plantas e, às vezes, o “encharutamento” delas, isto é, engrossamento do caule e atrofia. Nas folhas, os danos são necrosamento do tecido foliar no sentido transversal. Esse necrosamento aumenta à medida que a folha se desenvolve. Existem diversos relatos de perdas consideráveis de lavouras de milho pela ação dos percevejos barriga-verde, requerendo medidas de controle. Diversos inseticidas têm sido utilizados no tratamento de sementes, bem como pulverizados na parte aérea das plantas. Atualmente, vários órgãos de pesquisa estão desenvolvendo testes de produtos, como é o caso do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR).

Em trigo, os danos dos percevejos barriga-verde são mais recentes. Houve diversas reclamações de produtores de trigo no Norte do Paraná em 1998. Na safra 1999, novamente o problema ocorreu. Trabalhos de pesquisa desenvolvidos na Embrapa Soja, em Londrina, atestam que o efeito dos percevejos pode comprometer até 30% da produção. No trigo, à semelhança do que ocorre no milho, os insetos sugam os caulículos, causando morte das plantas, rebrotamento e atrofia. O ‘stand’ final fica prejudicado e o tamanho das espigas e o peso de grãos é reduzido. Também neste caso, estudos estão em andamento na Embrapa Soja e Embrapa Trigo, visando esclarecer por completo esta questão.

Ataque à soja

Em soja, os percevejos barriga-verde, que, em geral, sempre estiveram presentes em número reduzido durante o período reprodutivo, estão agora ocorrendo no início da safra, atacando as plântulas. Os insetos presentes nas palhadas, e que tem o hábito da diapausa, atacam os cotilédones das plântulas. Observações efetuadas indicam que o problema em soja é menor do que ocorre com o milho ou o trigo. Aparentemente, as plantas toleram o ataque dos percevejos e após perderem os cotilédones, passam a se desenvolver normalmente, apesar do ataque inicial. Novamente, deve-se mencionar que os estudos estão em andamento na Embrapa Soja.

Uma outra espécie de percevejo - popularmente chamado de formigão -está também atacando as plântulas de soja. Felizmente, esta espécie não se alimenta do milho ou do trigo, ficando restrito à soja. Este percevejo há muito vem sendo observado em soja e em outras leguminosas como o feijão comum e o feijão guandu. Normalmente, o inseto ocorre na fase de maturação das plantas, em pouco influindo no rendimento dessas culturas. Entretanto, com infestações severas, tem se observado um efeito prejudicial na qualidade das sementes de soja e feijão, com a transmissão de microorganismos (patógenos). Esse percevejo é extremamente comum na época da colheita, apresentando um vôo rápido. É comum no Norte do Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Aparentemente, não está adaptado aos locais de latitudes maiores, ao sul do Trópico de Capricórnio.

Na safra de soja que ora se inicia, temos recebido reclamações de agricultores que observam o percevejo formigão alimentando-se de cotilédones. Embora os danos não tenham sido avaliados, suspeita-se que o problema seja ocasional e de importância pequena, não se justificando medidas de controle do inseto no início do desenvolvimento da soja.

Mudança de hábitos

Diante do novo cenário agrícola que estamos vivenciando, dois fatores devem ser destacados como influenciadores da incidência dos percevejos no início do desenvolvimento das plantas, considerando-se o sistema agrícola soja-trigo-milho. Um deles diz respeito a “safrinha”, que corresponde ao plantio do milho em época distinta do plantio da safra convencional de verão, por exemplo, em fevereiro-março - só no Paraná o milho é cultivado em 1 milhão de hectares, em São Paulo 420 mil, Mato Grosso do Sul 290 mil, Mato Grosso 360 mil e Goiás 215 mil hectares - ou da soja semeada no mesmo período, porém em menor escala. Essa chamada safrinha tem aumentado o problema dos percevejos fitófagos, pois se constitui numa fonte adicional de alimento para os insetos, que, normalmente, estariam buscando refúgio ou plantas hospedeiras nativas, nesta época do ano.

Um segundo fator a influenciar as populações de percevejos quali e quantitativamente é o plantio ou semeadura direta. São inúmeras as vantagens desse sistema de cultivo, já demonstradas em diversos artigos e comprovadas no campo, tanto é que sua adoção tem se tornado generalizada nas áreas agrícolas do país. No entanto, no que se refere aos percevejos fitófagos com hábitos de diapausa, isto é, que passam parte do seu ciclo biológico em “repouso” no solo sob as palhadas ou restos culturais, o plantio direto oferece condições favoráveis para a sua biologia. É o caso dos percevejos barriga-verde e do também chamado percevejo marrom –

(F.) - este último, uma importante praga da soja, no período reprodutivo.

As mudanças aqui mencionadas - safrinha e semeadura direta - que estamos vivenciando mais intensamente no cenário agrícola trazem consigo mudanças no cenário da entomologia até então conhecida. Essa entomologia é fruto do tradicional cultivo convencional, com aração e gradagem dos solos e cultivo não sequencial de culturas. A situação agora é outra e os nossos sistemas de manejo integrados de pragas devem ser revistos diante dessa realidade. Como se diz popularmente por aí se referindo a esta nova situação - “...agora é outra Entomologia...”.

Antônio R. Panizzi

Embrapa Soja

Viviane R. Chocorosqui

UFPR

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