De olho na muda

A melhor forma para evitar o aparecimento de viroses no pomar de pêssegos é usar mudas livres de vírus.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

No Brasil, a produção de frutas de caroço se concentra nos Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Paraná. O maior produtor é o Rio Grande do Sul com cerca de 65% do volume nacional, estando a produção concentrada principalmente em três regiões. A microrregião de Pelotas (Canguçu, Morro Redondo, Piratini) representa cerca de 95% do pêssego de indústria cultivado no Estado, com uma área de aproximadamente 8.145 hectare e uma produção de 40,8 mil toneladas. A microrregião de Caxias do Sul (Farroupilha, Bento Gonçalves e Pinto Bandeira) destaca-se pelo cultivo de pêssego de mesa representando 62% da produção do Estado, com uma área de 3.231 hectare, produzindo aproximadamente 46,7 mil toneladas. A mesorregião metropolitana de Porto Alegre (Vila Nova, Charqueadas e Guaíba) ocupa o terceiro lugar em área plantada de pessegueiros e o segundo em pêssego para consumo in natura.

Em 1999, esta atividade recebeu grande incentivo, com a implantação do projeto de produção integrada de frutas de caroço (PIFC) nestas três regiões produtoras, tendo como objetivo a prática de uma fruticultura cada vez mais integrada ao meio ambiente, possibilitando a produção de melhor qualidade. Os resultados deste estímulo podem ser observados através do aumento da área plantada.

A maioria dos produtores de pêssego, no entanto, ainda enfrenta consideráveis riscos na atividade, entre os quais se inclui a baixa qualidade fitossanitária das mudas utilizadas na implantação dos pomares, especialmente no que se refere à infecção por vírus. Devido ao modo de obtenção das mudas das fruteiras de caroço, que é baseado na propagação vegetativa (enxertia) das cultivares de copa (produtoras de frutas) e na utilização de sementes para a obtenção de porta-enxertos, os vírus se perpetuam no material propagativo quando não são selecionadas matrizes sadias para a obtenção das borbulhas. Resulta disso a presença disseminada de vírus no material propagativo de Prunus usado no RS, reduzindo a produção, comprometendo a qualidade dos frutos ou dos produtos finais e a rentabilidade devido aos altos investimentos necessários à implantação e à manutenção de pomares.

Dentre as viroses de fruteiras de caroço, a mais importante é conhecida mundialmente como Varíola ou Sharka, causada pelo Plum pox vírus (PPV), que induz graves sintomas necróticos nos frutos, inutilizando-os para a comercialização. Este vírus encontra-se disseminado na Europa e já foi reportado nos Estados Unidos e no Chile. Felizmente, ainda não foi encontrado no Brasil. É importante salientar seu alto potencial destrutivo, uma vez que a importação indiscriminada de materiais propagativos infectados podem introduzi-lo em nosso meio. Uma vez introduzido, facilmente disseminar-se-ia pelas diversas regiões produtoras, já que, na natureza, é transmitido de modo não persistente por afídeos. Outro vírus de importância para as prunóideas, principalmente na América do Norte, é o Peach mosaic vírus (PMV), que também ainda não foi reportado no País e cujo modo de transmissão na natureza se dá via ácaros.

No Rio Grande do Sul foram detectados em pessegueiros o vírus da mancha anelar necrótica de Prunus (Prunus necrotic ringspot virus – PNRSV) e o vírus do nanismo da ameixeira (Prune dwarf virus – PDV). Pertencem ao gênero Ilarvírus, não têm vetores conhecidos, sendo transmitidos por sementes e pólen, além de tecidos infectados do hospedeiro. Caracterizam-se por serem latentes em pessegueiros, o que impossibilita o reconhecimento das plantas infectadas nos viveiros e nos pomares, facilitando a sua disseminação.

Essas duas viroses foram reportadas em todas as regiões produtoras de Prunus do mundo, ocorrendo isoladamente ou em combinação. Quando combinadas, formam um complexo denominado de PSD (Prunus stunding disease), que ocasiona maiores perdas econômicas, incluindo redução de 30% na produção de cercas. Entretanto, os prejuízos causados pelas viroses em fruteiras não se resumem à redução da produção, podendo causar ainda os seguintes danos: diminuição do vigor da árvore; redução do diâmetro do tronco: diminuição da qualidade dos frutos, que podem apresentar deformações e reduções no tamanho; e aumento da incompatibilidade entre enxerto e o porta-enxerto.

A distribuição geográfica do PDV e do PNRSV nas principais regiões produtoras de pêssego do RS revelou uma maior incidência na microrregião de Caxias do Sul, seguida da mesorregião Metropolitana de Porto Alegre. Estas regiões se caracterizam pela produção de frutas para comercialização in natura, com predominância de cultivares antigas e que, portanto, estiveram mais tempo expostas à infecção. As análises de amostras de plantas de viveiros da microrregião de Pelotas revelaram, também, infecções por ambos vírus, com índices de 20 a 100% nas cultivares copas, enquanto nos porta-enxertos os percentuais de infecção foram insignificantes (0,33%).

Tais resultados comprovam a necessidade de programas para a produção de mudas livres de vírus, como uma alternativa de baixo custo se considerado o custo relativo à implantação de pomares, que envolvam o fornecimento aos viveiristas de matrizes de cultivares testadas. Dentre os métodos de controle de viroses em fruteiras, este é o mais viável economicamente.

Os resultados comprovaram a necessidade de implantação de programas para a produção de mudas de frutas de caroço livres de vírus no Rio Grande do Sul. No Brasil, a produção de mudas fiscalizadas é regulada pela Lei 6.507 de 19/12/77. No Estado, pela portaria 302/98 da Secretaria Estadual de Agricultura, que estabelece normas para produção de mudas fiscalizadas e certificadas. Neste sentido, a incidência de vírus e de patógenos assemelhados em fruteiras de caroço não pode exceder a 5% para mudas fiscalizadas e 0% para mudas certificadas. Nos Estados Unidos, mais especificamente no Estado de Washington, o programa de certificação de mudas de fruteiras de caroço requer que os materiais propagativos sejam testados em relação às infecções de PDV e de PNRSV, sendo estabelecidos níveis de tolerância de 5% para ambos os vírus.

Devido às características de transmissão e aos danos causados por estes patógenos, medidas profiláticas devem ser adotadas, incluindo-se a obtenção de mudas sadias. Para seleção de matrizes têm sido utilizados, rotineiramente, procedimentos sorológicos, devido a sua praticidade, mas, devido à altíssima sensibilidade, têm sido utilizados, também, métodos moleculares (reação em cadeia de polimerase, após a transcrição do acido nucléico viral ou RT-PCR, conforme a sigla do nome em inglês).

Scheila da Conceição Maciel,

UFPel

Julio Daniels,

Embrapa Clima Temperado

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