Como o desenvolvimento de cultivares resistentes pode ajudar no manejo de percevejos em soja, por ajudar a reduzir os custos com aplicações de inseticidas e proteger a longevidade das poucas moléculas disponíveis para o controle químico
23.09.2022 | 14:14 (UTC -3)
Como
o desenvolvimento de cultivares resistentes pode ajudar no manejo de percevejos
em soja, por ajudar a reduzir os custos com aplicações de inseticidas e proteger
a longevidade das poucas moléculas disponíveis para o controle químico.
A
cultura da soja na safra 2017/18 ultrapassou os 35 milhões de hectares
cultivados no Brasil e precisa manter sua produtividade de grãos mesmo sob
ataque de doenças e insetos-pragas. Dentre as principais pragas da soja, os
percevejos se destacam pelos danos causados diretamente nas sementes ainda em
fase de enchimento até sua maturação, quando inserem seu estilete na semente e
secretam enzimas para facilitar sua alimentação. Além dos danos diretos, também
ocorrem os indiretos, causados por patógenos que colonizam as sementes nos
pontos das picadas. Dentre as espécies de percevejos de maior importância para
a soja, o percevejo-marrom Euschistus heros, tem se destacado nas últimas safras com populações elevadas e pelo
potencial de dano para a cultura, além de outras espécies como o percevejo-verde-pequeno
Piezodorus guildinii,percevejo-barriga-verde Dichelops melacanthus
e o percevejo-verde,
Nezara viridula que compõem o complexo de insetos sugadores de grãos.
Em lavouras severamente atacadas por essas espécies,
os danos diretos, dependendo do estádio de desenvolvimento das plantas, podem
provocar o abortamento de vagens ou a formação de vagens com sementes menores e
malformadas (enrugadas e chochas), reduzindo, consequentemente, a qualidade
fisiológica das sementes produzidas (menor germinação e vigor), podendo,
inclusive inviabilizar áreas para produção de sementes. Somando esses danos
diretos aos indiretos causados pela presença de patógenos, há ainda o
apodrecimento das sementes e vagens, atraso na maturação e aumento na ocorrência
de retenção foliar, provocando problemas para a colheita mecânica e reduzindo a
produtividade e a qualidade de grãos.
Estratégias de Manejo e a Resistência
Genética
Dentre as estratégias de manejo do complexo de percevejos, o
controle químico é o método usualmente utilizado pelos agricultores. Na maioria
das vezes essa tática de controle é empregada sem o devido diagnóstico dos
níveis populacionais desses insetos nas lavouras, antecipando sem necessidade e
aumentando o número de aplicações de inseticidas e, consequentemente, os custos
de produção. Além disso, o restrito número de moléculas eficientes para o
controle de percevejos e a exposição contínua dessas populações aos mesmos inseticidas
tem promovido a seleção de indivíduos resistentes principalmente para o
percevejo-marrom, reduzindo a eficiência desta ferramenta para o manejo
adequado das populações desses insetos.
Uma ferramenta extremamente útil para o manejo dos percevejos
reside no uso de cultivares resistentes. A resistência genética é o método mais
simples e barato para os agricultores, pois reduz os custos de produção, traz
benefícios ambientais e interage positivamente com os demais métodos de
controle. Infelizmente, o número de cultivares resistentes registradas no
Brasil é pequeno e restrito a algumas regiões específicas (cultivares IAC-100,
IAC-17, IAC-24 e BRS 391). Por ser uma característica com herança mais complexa
(Godoi & Pinheiro, 2009, Gen Mol
Biology; Souza & Toledo, 1995, Braz J Genet.), o desenvolvimento de
cultivares de soja resistentes e comercialmente competitivas tem exigido grande
esforço das instituições de pesquisa. Considerando uma taxa anual de
crescimento da produtividade de 32,7 kg/ ha no Brasil ou 1,42% ao ano (Balbinot
Júnior et al., 2017, Boletim de P&D / Embrapa Soja) fica fácil perceber o
desafio de inserir essa resistência com herança poligênica em cultivares
competitivas. Felizmente, apesar dessas dificuldades técnicas, algumas
instituições como a Embrapa têm conseguido dar sua contribuição, já com uma
cultivar convencional registrada além de linhagens derivadas das diversas
plataformas trabalhadas na Embrapa (Convencional, RR e Intacta) com alto
potencial produtivo e diferentes níveis de resistência aos percevejos ( em fase
de registro e validação).
Contribuições da resistência genética
A
cultivar BRS 391 é um bom exemplo. Trata-se de material precoce (GM=6.4) com
adaptação para o Oeste, Norte e Noroeste do Paraná, Médio Paranapanema e
Sudoeste de São Paulo e Sul, Centro-Sul e Sudoeste do Mato Grosso do Sul (RECs
201, 202 e 204), com teores médios de 20,7% de óleo e 39,3% de proteína. É
resistente às principais doenças da soja (mancha olho-de-rã, cancro da haste, pústula bacteriana e
podridão radicular de fitóftora), nematoides de galhas (M. javanica e M. incognita)
e percevejos. Ensaios de validação do tipo “lado a lado”, com parcelas de 2 hectares
de cada material, realizados em três áreas de produtores na safra 2014/15,
apresentaram rendimentos entre 5% a 44% superiores à cultivar BRS 232,
atingindo produtividade de 5.910 kg/ha em Florínea, São Paulo (Tabela 1).
Nessas localidades, as populações de percevejos foram monitoradas com o pano-de-batida e o controle
químico realizado quando a densidade populacional de percevejos atingiu o nível
de 4 percevejos por metro, portanto, o dobro do nível de ação para lavoura comercial.
O primeiro impacto direto do uso da genética está na redução
do número de aplicações de inseticidas. Em Cândido Mota foram realizadas duas
aplicações na BRS 391 contra quatro aplicações na BRS 232 (Tabela 1 e Figura 1).
Em Florínea e Andirá foram realizadas uma e duas aplicações, respectivamente, nas
duas cultivares (Tabela 1). Entretanto, mesmo com aplicações no nível de quatro
percevejos por metro, a BRS 391 apresentou maior rendimento e menor percentual
de sementes picadas e inviáveis em relação à BRS 232 (Tabela 1), indicando que
a cultivar suscetível precisaria de pelo menos uma aplicação adicional para
evitar perdas.
O segundo impacto dessa genética superior está na melhoria da
qualidade fisiológica das sementes produzidas. A BRS 391 apresentou vigor e
viabilidade superior ou igual ao padrão BRS 232 em Andirá e Florínea,
respectivamente, proporcionando menor índice de sementes picadas e
inviabilizadas pelos percevejos (Tabela 1). Na área de Cândido Mota não houve
diferença entre as cultivares pela análise do tetrazólio mesmo com duas
aplicações a menos na BRS 391 (Tabela 1 e Figura 1).
A partir dessas validações realizadas em áreas comerciais, constata-se
que a cultivar BRS 391 tolera o dobro do nível de ação preconizado pelo manejo
integrado de pragas, requerendo menor uso de inseticidas.
Perspectivas em curto prazo
Tanto no programa convencional como nos programas RR e
Intacta, já existem linhagens com padrão de resistência / tolerância aos
percevejos superior ou igual ao da cultivar BRS 391. Essas linhagens
exibem características agronômicas de ciclo e potencial produtivo para atender
outras regiões sojícolas, como as macrorregiões 1 e 3. Em ensaios de competição
em rede, as novas linhagens já tiveram seu potencial produtivo comprovado e
devem passar por um processo de validação em áreas comerciais para avaliação do
impacto sobre o manejo de populações de percevejos. Dentre as convencionais
destacam-se as linhagens BRI13-5301 e BR12-10309, a última também resistente à
ferrugem. Para o programa RR, os destaques são BRRI13-1533 e BRRI14‑1417 e para
o Intacta, os genótipos BRB15-232859 e BRB14-210725. Dessa forma,
independentemente da plataforma desejada pelo agricultor, pode-se afirmar que
não faltarão boas opções de cultivares competitivas, mas com atributo adicional
de oferecer aos agricultores uma ferramenta extra para o manejo de populações
de percevejos no Brasil.
Carlos A. Arrabal Arias; Clara B. Hoffmann-Campo; Beatriz S. Corrêa-Ferreira ; Ivani de O. Negrão Lopes, Embrapa Soja
Artigo publicado na edição 229 da Cultivar Grandes Culturas, mês junho, ano 2018.
Compartilhar
Newsletter Cultivar
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura
Newsletter Cultivar
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura