Como transformar nossos sistemas alimentares para garantir a segurança alimentar e dietas saudáveis para todos

Por Cristiane Lourenço, líder de Relacionamento Corporativo em Alimentos e Nutrição da Bayer para a América Latina

13.10.2020 | 20:59 (UTC -3)

No momento em que o Dia Mundial da Alimentação, comemorado em 16 de outubro, começa a suscitar discussões sobre o estado da nutrição e da segurança alimentar no mundo atualmente, podemos fazer duas observações gerais. Primeiramente, os efeitos da crise de COVID-19 na segurança alimentar serão globais e duradouros. Em segundo lugar, alguns dos maiores desafios alimentares já existiam muito antes da pandemia e, embora tenham sido exacerbados pelo novo coronavírus, não foram criados por ele.

De qualquer forma, não estamos nos aproximando do futuro com fome zero que os líderes mundiais sonham. O número total de pessoas que sofrem com a fome aumentou em 10 milhões desde 2019 e uma avaliação preliminar da pandemia sugere que serão acrescentados de 83 milhões a 132 milhões de pessoas a este total, dependendo do cenário de recuperação que o mundo seguir. A COVID-19 se soma à lista dos principais vetores da pobreza alimentar, junto com as condições econômicas em deterioração, desigualdade de recursos, conflitos e a mudança climática.

Algumas partes da América Latina sentirão esses efeitos de maneira especialmente forte. A insegurança alimentar já é uma realidade para 205 milhões de latino-americanos, de acordo com o relatório sobre o Estado de Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo em 2020 .

Ao mesmo tempo, a obesidade afeta a população da América Latina de forma desproporcional, em consequência da falta de acesso a dietas saudáveis. Na América Latina, uma opção de alimentação saudável custa cinco vezes mais do que uma não saudável. É o custo relativo mais alto do mundo e cerca de 104 milhões de pessoas não têm como pagar por isso.

Tudo isto em uma região com enorme potencial agrícola. Os países da América Latina e do Caribe respondem por 56% da produção mundial de café, 25% da produção global de banana, 28% da produção mundial de cítricos, 44% da produção global de açúcar e 50% da produção mundial de soja. Como um todo, a região exporta mais do que importa alimentos e commodities agrícolas. Porém, mesmo com a tecnologia agrícola que temos hoje, ainda existem muitos desafios, como o desperdício de alimentos. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que 6% das perdas globais de alimentos ocorrem na América Latina e no Caribe; a cada ano, a região desperdiça cerca de 15% dos alimentos disponíveis.

O lema do Dia Mundial da Alimentação em 2020 é "Nossas ações são o nosso futuro". Claramente, são necessárias mais ações para tornar os sistemas alimentares mais estáveis, mais preparados para o futuro e mais resistentes às ameaças globais. Podemos basear essa ação em três princípios fundamentais: sustentabilidadeinovação e colaboração.

A sustentabilidade já é um dos temas mais compreendidos no sistema alimentar, mas nosso entendimento ainda não é correspondido por ações escaláveis. Precisamos fazer mais para fomentar e reforçar as práticas sustentáveis em todo o sistema de produção, transporte, processamento e varejo. Todo novo investimento agrícola, por exemplo, precisa ter a sustentabilidade como critério fundamental.

As iniciativas e as políticas para recompensar os agricultores pelo uso sustentável da terra por exemplo se pagarão regenerando e preservando nossa área de terras agrícolas e biodiversidade existentes, garantindo a segurança alimentar e dietas saudáveis. Considere a introdução de incentivos pela Bayer para a adoção de práticas climáticas inteligentes e regenerativas, como o plantio direto e culturas de cobertura. Sistemas como este criam uma abordagem de sustentabilidade liderada pelo mercado — reconhecendo que a mudança começa no campo, e que somente envolvendo todos poderemos alcançar o seu potencial máximo.

O poder da tecnologia na agricultura é inquestionável, desde a detecção por imagem de satélite de doenças nas lavouras até a tecnologia blockchain que aumenta a transparência na cadeia de abastecimento e para o consumidor final. Mas o desenvolvimento de novas tecnologias é apenas uma parte da inovação que necessitamos; ao mesmo tempo, precisamos aumentar o acesso à tecnologia. Para 3 bilhões de pessoas no mundo, a digitalização ainda não significa nada, pois vivem em áreas remotas ou carentes, desprovidas de internet. A FAO destaca a necessidade de "fechar a lacuna digital". Para isso, será necessário um conjunto completo de ações, incluindo desenvolvimento social, investimento em infraestrutura e um plano de implementação coordenado que incorpore agentes nacionais e regionais.

Isso está intimamente ligado ao terceiro princípio, a colaboração. Nenhum de nossos objetivos será realizado a menos que consigamos conectar stakeholders através de fronteiras intranacionais e internacionais. Precisamos estabelecer grupos inter-mercadológicos e conectados, compartilhando percepções sobre como resolver desafios —não apenas os responsáveis pelo sistema de alimentos, mas também os profissionais de saúde e nutrição, a sociedade civil, a academia e os formuladores de políticas públicas. Iniciativas como Diálogos sobre Sistemas Alimentares já estão em ação para unir múltiplos stakeholders e tomadores de decisão sob uma visão comum, permitindo uma ação conjunta eficaz. Espero ver iniciativas coletivas como essa crescerem rapidamente.

O que fica claro ao considerar esses princípios-chave é que não podemos vê-los como soluções individuais — precisamos enfrentá-los como um caminho interconectado. A ação coordenada permitirá o fechamento de lacunas tecnológicas, o que acelerará a transformação do sistema alimentar com base na sustentabilidade. À medida que progredimos em direção a um, avançamos em direção a todos. Ações como a promoção do acesso a novas tecnologias, a conscientização dos consumidores quanto à importância da ciência e da tecnologia para a sustentabilidade na produção de alimentos e o estabelecimento de laços mais fortes entre agricultores e consumidores podem trazer resultados em grande escala na região, mas nenhuma entidade poderá realizar tudo isso sozinha.

Especificamente na América Latina, tenho esperança de que é possível alcançar grandes progressos em termos de sustentabilidade, inovação e colaboração. Se todos os atores do sistema de alimentos trabalharem juntos, podemos começar a transformar o sistema hoje.

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