Como realizar o manejo integrado e racional de percevejos

Manejo integrado e racional destes insetos, com ações regionalizadas, que incluam outras ferramentas além do controle químico, é indispensável para enfrentar este grande problema nas lavouras

18.11.2021 | 15:36 (UTC -3)

Com potencial para afetar de maneira irreversível a quantidade e a qualidade da produção de soja, o ataque de percevejos pode resultar em prejuízos mesmo após a colheita, sob determinadas condições de armazenamento. O manejo integrado e racional destes insetos, com ações regionalizadas, que incluam outras ferramentas além do controle químico, é  indispensável para enfrentar este grande problema nas lavouras.

Quando há em uma lavoura de soja um grupo de insetos que pode incidir de maneira irreversível na quantidade e qualidade da produção, o risco da sua presença passa a ser grande e se o problema não for tratado a tempo esses danos tendem a acarretar prejuízos até mesmo em pós-colheita, indo além dos descontos no momento da comercialização. É o caso dos danos provocados pelos percevejos, Euschistus heros e Piezodorus guildinii, espécies consideradas, dentro do complexo de percevejos fitófagos da soja, de maior incidência. Representam mais de 90% da população total de pentatomídeos que ocorrem na cultura, com predominância de uma ou de outra espécie, de acordo com a região, ano, ou cultivar utilizada.

Embora a colonização pelos percevejos se inicie na metade ou no final do período vegetativo da cultura, sua presença é preocupante, principalmente, na fase reprodutiva da soja, pois a partir do aparecimento das vagens, as populações desses fitofagos aumentam de forma considerável, com seus indivíduos se alimentando, principalmente, dos grãos em desenvolvimento, ocasionando a murcha e a má formação das sementes e vagens (Figura 1). Além do que, em alguns casos, as plantas de soja atacadas não amadurecem normalmente, permanecendo verdes na época da colheita.

Figura 1 – Vagens com grãos danificados devido à alimentação dos percevejos. – Fotos: Cecilia Czepak
Figura 1 – Vagens com grãos danificados devido à alimentação dos percevejos. – Fotos: Cecilia Czepak

O problema é que ao danificarem os grãos, estes percevejos, promovem grandes prejuízos, mesmo com uma única picada. Basta que consigam romper o tegumento e atingir o cotilédone e então esse grão começa um processo que altera de forma irreversível a umidade e o equilíbrio interno, além de facilitar a penetração de microrganismos e água. Consequentemente o processo de fermentação pode se iniciar já nas lavouras, principalmente em períodos chuvosos, e continuar no pós-colheita dependendo das condições de armazenamento.

Vale lembrar que durante todo o processo de condução da cultura há um investimento alto para se alcançar boas produtividades. Porém, muitas vezes a qualidade dos grãos fica a desejar e neste caso os problemas começam a ser detectados no momento da classificação desses grãos, quando chegam às unidades de armazenagem, isto é, antes da comercialização e do acondicionamento dos lotes nos armazéns. Por meio dos padrões oficiais aprovados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e com base na instrução normativa MAPA 11/2007 determina-se a o Grupo, a Classe e o Tipo dos grãos de soja. Para tanto uma amostra é analisada e, especificamente, os grãos que apresentarem uma “mancha branca”, conforme observado na Figura 2, provocada pela alimentação do percevejo, são identificados como defeito “leve” e denominados grãos “picados”. Neste tipo de defeito o desconto não é total, como ocorre com os outros defeitos observados na mesma classificação. Isto porque a partir da obtenção dos percentuais de grãos picados estes são divididos por quatro e então somados ao total de grãos avariados. Com isso, se dá o deságio, de acordo com os limites excedidos, aplicando-se os descontos nos lotes de grãos comercializados. Porém, o problema pode se intensificar ao longo do tempo, quando dependendo das condições de armazenagem, ocorrer um processo de fermentação daqueles grãos “picados”, que passam a ser denominados como grãos “fermentados”. Portanto, com base na normativa, o desconto neste caso será total (não será mais dividido por quatro, como ocorreu no momento do recebimento desse grão após a colheita),  e os prejuízos virão nas comercializações futuras e ficarão a cargo das empresas armazenadoras e/ou para o produtor que armazena na própria fazenda.

Figura 2 – Grão apresentando “mancha branca”, provocada pela alimentação do percevejo. – Foto: Matheus Le Senechal Nunes
Figura 2 – Grão apresentando “mancha branca”, provocada pela alimentação do percevejo. – Foto: Matheus Le Senechal Nunes

Além dos prejuízos já mencionados, este grão fermentado também provoca alterações na matéria prima que vai para indústria, promovendo mudanças na cor e aumento na acidez do óleo, o que eleva os custos no processo de branqueamento e neutralização dessa acidez e como consequência há um menor rendimento na extração desse óleo. Esse dano muitas vezes não pode ser evitado, pois conforme se verifica na Figura 3, mesmo com populações sob controle, não foi possível impedir que uma pequena parte dos grãos fosse danificada, porém, resta saber se este percentual de grãos picados, ainda que seja inferior ao limite aceito pelas normas do Mapa, venha a ocasionar um processo lento de fermentação dentro das unidades armazenadoras, comprometendo todo o lote.

Figura 3
Figura 3

É de suma importância estabelecer ou retomar o manejo integrado de pragas nos cultivos de soja, com o intuito também de minimizar todo esse processo danoso ocasionado pelos percevejos. As táticas de controle para esse complexo de pentatomideos são conhecidas há anos, mas, infelizmente, a maioria tem como hábito a aplicação pura e simples de inseticidas e o que é pior, de forma calendarizada, isto é, com base no desenvolvimento da cultura, ou pegando “carona” com os fungicidas, portanto sem o monitoramento prévio.

Como é de conhecimento público, o uso de inseticidas em mistura de tanque com herbicidas, ou mesmo fungicidas, apesar de não regulamentado, é prática corriqueira para os sojicultores, e este procedimento, que têm como justificativa o aproveitamento de operações, tem elevado os problemas com relação ao controle, simplesmente porque a praga alvo não está presente, ou ao contrário, já esta presente, mas em altas populações e, provavelmente, a eficácia do inseticida pode ficar comprometida, sem citar as reduções na quantidade e na qualidade dos grãos que serão colhidos.

Quando se fala em manejo integrado de pragas, muitos têm em mente a ideia de uma agricultura orgânica, sem agroquímicos, mas não é esse o escopo. Pelo contrário, os químicos estão presentes, fazem parte do processo, mas não são e nem podem ser a única ferramenta a ser adotada. É preciso incluir dentro do sistema produtivo, além dos agroquímicos, táticas de controle biológicas, como as liberações de inimigos naturais das pragas chaves e sua manutenção por meio do uso de inseticidas mais seletivos e/ou adotando também o controle microbiano na cultura. São táticas fundamentais para o estabelecimento do manejo integrado de pragas, pois possibilitam que inimigos naturais possam também atuar no controle de percevejos fitófagos.

Além do mais, muitas técnicas relacionadas ao controle cultural são aplicáveis à agricultura intensiva de grande e pequeno porte, tendo como exemplos, a combinação de rotação de cultivos, a destruição dos restos de safra para interromper os ciclos de vida dos fitófagos, a temporização ou disposição cuidadosa dos plantios para evitar sincronia com as pragas, a destruição de plantas hospedeiras, ou o cultivo de plantas armadilhas para atração e controle dos percevejos. Ou, ainda, aquelas que possam conservar a população de inimigos naturais próximas às lavouras.

É importante considerar que com a colheita, a população normalmente decresce e os percevejos coemçam a dispersão para as plantas hospedeiras e, em seguida, se abrigam em áreas de palhada, permanecendo até a próxima safra de soja, sobretudo no caso do percevejo-marrom. Sendo assim, a identificação dos locais onde estes insetos se refugiam para, eventualmente, controlá-los, seria uma forma bastante eficaz se efetuada no final ou no início da safra, evitando, com isso, a entrada ou a saída destes percevejos para as áreas de refúgio.

Portanto, várias são as opções além do controle químico que tem como objetivo, diminuir as populações de percevejos fitófagos na soja. Porém é importante que se saiba que a base para todo o manejo de pragas está na correta identificação e quantificação dos insetos presentes na lavoura, e isto só se consegue com monitoramentos sucessivos e frequentes, o que não é prática usual dos sojicultores.

No monitoramento, o produtor deverá contratar pessoal treinado para o rápido reconhecimento das pragas e dos inimigos naturais presentes na lavoura de soja, e seguir com o mais simples dos métodos, o da batida de pano, utilizando, para isso, tecido ou lona de cor clara, com 1 m de largura e 1,40 m de comprimento, fixado em duas varas. O pano deverá ser disposto cuidadosamente entre as fileiras de soja, desenrolando-se uma parte e ajustando-a na base das plantas que serão batidas, e a outra parte estendida sobre as plantas de soja da fileira adjacente. Em seguida, as plantas deverão ser agitadas vigorosamente sobre o pano, promovendo a queda dos insetos que deverão ser identificados e quantificados, primeiramente os adultos e em seguida as formas jovens (Figura 4).

Figura 4 - Procedimento para monitoramento de artrópodes em cultivo de soja utilizando o método da batida de pano
Figura 4 - Procedimento para monitoramento de artrópodes em cultivo de soja utilizando o método da batida de pano

De modo algum, o produtor, deverá tomar decisões com base em avaliações visuais, pois não são representativas e podem levar a equívocos. Trabalhos realizados em Goiás demonstraram que no pano de batida, independentemente do horário, a extração dos percevejos foi aproximadamente dez vezes maior quando comparado a uma avaliação visual das plantas (Figura 5).

É de conhecimento que os adultos são visualizados com mais frequência pelo produtor. Entretanto, nos monitoramentos comprova-se a permanência maior das ninfas nas partes medianas da soja, aparentemente escondidas entre as vagens, causando danos e prejuízos semelhantes àqueles causados pelos adultos e apesar do percevejo conseguir se alimentar de várias partes da planta, é a vagem com seus grãos, o alimento de maior preferência. Assim, as pulverizações com inseticidas devem ser direcionadas para que alcancem essa população presente, principalmente nos terços médio e inferiores da soja.

Além disso, estudos mostram que ninfas de primeiro instar não se alimentam. Por outro lado as ninfas de terceiro, quarto e quinto instar, são capazes de alcançar com seus estiletes os grãos em formação, danificando-os de forma irreversível. É preciso lembrar ainda que, nesta fase, a forma jovem não faz outra coisa a não ser se alimentar e tende a direcionar todas as energias para este propósito. Por isso representam uma ameaça na reta final do cultivo, quando se definem o rendimento e a qualidade da semente. Já os adultos se alimentam como as formas jovens, mas voam e gastam uma parte do tempo também com acasalamentos e oviposições, objetivando perpetuar a espécie.

A intensidade do dano dependerá, fundamentalmente, da espécie de percevejo e de seu estádio de desenvolvimento, do estágio fenológico das plantas e do tempo em que estes insetos permanecerão se alimentando, além, é claro, do nível populacional existente na lavoura.

As amostragens devem ser realizadas semanalmente, durante todo o ciclo da soja e em número de dez a cada 100 hectares e intensificadas, dependendo da fase de desenvolvimento da cultura e plantios adjacentes. O incremento deste procedimento no período reprodutivo da cultura é imprescindível e a média de todos os pontos amostrados deverá ser o indicativo para a adoção de medidas de controle, ou não. Para isso, têm-se os níveis de controle recomendados pelos órgãos de pesquisa, (dois percevejos/m para soja grão e um percevejo/m para soja semente). Porém, estes níveis tem sofrido questionamentos por pesquisadores e técnicos da área, que os consideram, dentro do panorama atual da soja, excessivamente elevados, inflexíveis e ultrapassados. Há uma tendência em se adotar 0,5 percevejo/metro, independentemente do destino da produção, principalmente nas sojas tardias.

Em relação ao controle antes do aparecimento das vagens, a maioria dos estudos concorda que os percevejos nesta fase não causam reduções no rendimento e na qualidade dos grãos. Sendo assim medidas de controle não se justificariam. Porém, com frequência são observadas, no final do período vegetativo e inicio do período de florescimento, áreas com altas densidades de percevejos adultos, provenientes de refúgios ou de cultivos mais adiantados. Neste caso a manutenção destes insetos, muitas vezes pode desencadear níveis populacionais difíceis de serem controlados, pois deixarão descendentes que em poucos dias estarão nas vagens em formação e consequentemente danificando grãos. Portanto, a decisão de controlar pode ser uma alternativa a se considerar, sendo o diferencial quando se tem, dentro do sistema produtivo, cultivos de soja em diferentes fases de desenvolvimento.

É necessário salientar que a planta de soja pode vir a compensar as perdas advindas dos insetos que atacam os grãos. Porém, somente quando os danos ocorrerem ainda no inicio da formação das vagens, quando são capazes de contrabalançar o dano aumentando o peso do grão ou retendo mais vagens. Contudo, isso não será possível se houver a presença constante de percevejos ao longo do desenvolvimento da cultura, especialmente, entre R5 e R6, pois nestas fases, o dano na vagem pode resultar em significativa perda de produção, sem falar na qualidade que pode ser afetada, e neste último caso, é conhecida somente no momento da comercialização.

Acompanhar os cultivos, mesmo nas fases finais de maturação da soja (R7 e R8), é importantíssimo, pois as altas populações provenientes de outras lavouras, ou populações remanescentes, podem ainda prejudicar a qualidade dos grãos, sobretudo se o cultivo é para semente, além do que, possivelmente, estas populações migrarão posteriormente para outras lavouras ou para refúgios perpetuando o problema desses sugadores na área.

Enquanto os impasses na pesquisa não forem resolvidos, o melhor é contar com o bom senso, pois a eficácia de controle dependerá de vários fatores, como localização da lavoura, fases da cultura e do inseto, plantios de soja nas circunvizinhanças, cultivares utilizados, equipamentos disponíveis para aplicação, horário de aplicação, escolha do inseticida, entre outros. O importante é esclarecer que 33 milhões de hectares de área plantada com soja (safra 2015/16) não podem ser conduzidos sob as mesmas recomendações, pois a agricultura é um processo dinâmico e tende a sofrer grandes ou pequenas variações ao longo do tempo e entre as diferentes regiões de cultivo.

Enfim, é necessária uma regionalização do Manejo Integrado de Pragas (MIP) nos sistemas produtivos brasileiros, adotando-se ferramentas sustentáveis sob o ponto de vista socioambiental com o objetivo de se alcançar safras cada vez mais produtivas por unidade de área, mas com grãos de boa qualidade, já que o mercado de soja se baseia, principalmente, no óleo e no teor de proteínas.

Morfologia e Biologia

Euschistus heros (Percevejo marrom)

O percevejo-marrom vive predominantemente nas regiões tropicais e subtropicais, correspondendo às principais áreas produtoras do grão no Brasil Como o nome comum já sugere, sua coloração é marrom. O adulto apresenta dois prolongamentos laterais pontiagudos no pronoto (os espinhos). As ninfas têm coloração variada, desde o esverdeado ao marrom-escuro.

Os ovos, de cor bege, em pequeno número (5 a 8 por postura), são depositados nas folhas e vagens da planta e quando estão prestes a eclodir, apresentam uma mancha rósea. As ninfas recém-eclodidas apresentam comportamento gregário e não causam danos à cultura. É a partir do terceiro estágio que passam a se dispersar, principalmente entre as vagens do terço médio das plantas, com o intuito de sugar os grãos de soja (Figuras 6 e 7).

Figura 6 – Ciclo biologico do percevejo marrom Euschistus heros
Figura 6 – Ciclo biologico do percevejo marrom Euschistus heros
Figura 7 - Adulto, ovos e ninfas de Euschistus heros em cultivo de soja
Figura 7 - Adulto, ovos e ninfas de Euschistus heros em cultivo de soja

Piezodorus guildinii (Percevejo verde pequeno)

Percevejo com aproximadamente 1 cm de comprimento. Possui coloração verde-clara com uma faixa transversal marrom, vermelha ou amarelada sobre o protorax. As posturas, de cor escura, se apresentam em fileiras duplas contendo de 10 ovos a 30 ovos, preferencialmente nas vagens, mas também podem ser encontradas em folhas, caule e ramos. As ninfas logo após eclodirem possuem abdome avermelhado e cabeça e tórax escuros. Nesse período, à semelhança das ninfas do percevejo marrom, permanecem agrupadas próximas aos ovos. Quando estão mais desenvolvidas, adquirem cor verde com manchas escuras e avermelhadas no tórax e abdome e se dispersam pelas plantas de soja atacando, principalmente, grãos em formação (Figuras 8 e 9).

Figura 8 – Ciclo biologico do percevejo verde pequeno Piezodorus guildinni
Figura 8 – Ciclo biologico do percevejo verde pequeno Piezodorus guildinni
Figura 9 - Adulto, ovos e ninfas de Piezodorus guildinii em cultivo de soja
Figura 9 - Adulto, ovos e ninfas de Piezodorus guildinii em cultivo de soja

Artigo publicado na edição 215 da Cultivar Grandes Culturas, mês abril, ano 2017. 

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