Aplicação de fosfito no manejo da cercosporiose no café

Aplicação de formulações de fosfito, de modo preventivo e associada a outras medidas de controle, pode auxiliar no manejo da doença

09.09.2020 | 20:59 (UTC -3)

A aplicação de formulações de fosfito, de modo preventivo e associada a outras medidas de controle, pode auxiliar no manejo da cercosporiose, doença importante capaz de provocar perdas diretas e indiretas no cafeeiro.

Os cultivos de café estão sujeitos a vários fatores capazes de reduzir a produtividade. Destacam-se as doenças, especialmente a cercosporiose, causada pelo fungo Cercospora coffeicola capaz de causar perdas de até 30% na produtividade quando não controlada. Seus principais sintomas são manchas foliares necróticas de coloração amarronzada, com centro claro, que podem ou não ser circundadas por um halo amarelado e lesões elípticas e deprimidas nos frutos. Portanto, as perdas podem ser diretas, por afetar os frutos depreciando a qualidade da bebida, e indiretas pela diminuição da área foliar, desfolha e consequente redução da fotossíntese. Cultivos com maior espaçamento favorecem a doença, porque o fungo produz uma toxina denominada cercosporina que é ativada pela luz e está relacionada à virulência do fungo.

A principal forma de controle da cercosporiose consiste na aplicação de fungicidas. Por muito tempo produtos a base de cobre (oxicloreto de cobre, calda bordalesa) com ação protetora e amplo modo de ação foram os únicos utilizados no controle de doenças do cafeeiro. Entretanto, na década de 1960 estes fungicidas foram substituídos pelos sistêmicos que possuem tanto ação protetora quanto curativa e modo de ação específico ,entre os quais se destacam as estrobilurinas, os triazóis e as misturas de ambos. A constante aplicação destes fungicidas tem selecionado populações de C. coffeicola resistentes e isso fez com que a doença, antes secundária, ganhasse maior importância. Além disso, o mercado tem cada vez mais exigido que os alimentos produzidos tenham quantidades mínimas ou zeradas de resíduos provenientes de produtos como fungicidas, inseticidas, entre outros. Com isso as empresas e instituições de pesquisa têm voltado os estudos para redução na aplicação de produtos fitossanitários químicos ou para encontrar produtos pouco tóxicos que possam ser uma fonte alternativa no controle da cercosporiose. Destacam-se os extratos de plantas, fertilizantes foliares, indutores de resistência, entre outros.

Os fertilizantes foliares são aplicados em plantas de cafeeiro para suprir deficiências de micronutrientes como Mn, Zn, Cu, Mo e B ou de macronutrientes, principalmente de Ca e K. A aplicação destes produtos pode reduzir de forma indireta a intensidade da cercosporiose, pois fornecem macro e micronutrientes. Estes são cofatores (ativadores) de enzimas de defesa das plantas. Com isso a atividade dos vegetais aumenta e reduz a intensidade da doença quando em comparação com uma planta que não recebeu a aplicação. Além disso, os nutrientes promovem maior e melhor crescimento/desenvolvimento das plantas levando a formação de barreiras físicas como maior espessura da camada de cera, fechamento dos estômatos e aumento na espessura da parede celular vegetal.

Figura 1. Diferença entre lavoura atacada pela cercosporiose e lavoura sadia.
Figura 1. Diferença entre lavoura atacada pela cercosporiose e lavoura sadia.

Os fosfitos são sais derivados do ácido fosforoso, registrados e comercializados como fertilizantes foliares com potencial para o controle de doenças do cafeeiro, de acordo com vários estudos do Laboratório de Fisiologia do Parasitismo da Universidade Federal de Lavras (UFLA). As pesquisas se concentram principalmente no manejo da ferrugem (Hemileia vastatrix), cercosporiose (Cercospora coffeicola), mancha de Phoma (Phoma tarda) e mancha aureolada (Pseudomonas syringae pv. garcae) com fosfitos e caracterização dos modos de ação (bioquímico, molecular, entre outros). Estes produtos apresentam triplo modo de ação no controle de doenças de plantas, sendo estes a indução de resistência e nutrição do hospedeiro, além da toxidez direta contra patógenos fúngicos e bacterianos. Entretanto, a nutrição em fósforo não ocorre, pois o íon fosfito não é metabolizado pela planta para ser convertido em fosfato, que é a única forma em que a planta absorve o fósforo. Outra característica dos fosfitos é a sua translocação via xilema e floema, o que facilita e otimiza a aplicação. O preço destes produtos é competitivo quando comparado ao dos fungicidas comerciais. Entretanto, o controle proporcionado por estes produtos é geralmente intermediário, sendo o ideal substituir uma das aplicações do fungicida ciproconazol+azoxystrobin, por exemplo, por uma aplicação de fosfito em condições de campo. Já no viveiro devem ser realizadas mais aplicações intercaladas com as de fungicida, de acordo com o nível de incidência da cercosporiose.

Figura 2. Sintomas da cercosporiose em folhas de café. Local: área experimental da UFLA, Lavras – MG.
Figura 2. Sintomas da cercosporiose em folhas de café. Local: área experimental da UFLA, Lavras – MG.

Para maior efetividade do fosfito no controle da cercosporiose a aplicação deve ser realizada de forma preventiva, ativando os mecanismos de defesa para que, ao ser invadida pelo fungo, a planta esteja com a defesa pronta pra impedir ou retardar a colonização do tecido vegetal. Um trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar o efeito da aplicação de formulações comerciais de fosfitos de potássio sobre a severidade e a incidência da cercosporiose em mudas de cafeeiro.

O ensaio foi realizado em casa de vegetação da Ufla. Foram utilizados os fosfitos comerciais Reforce, Pepfós e Green Fós, comparados com o fungicida comercial ciproconazol+azoxystrobin, com o indutor de resistência acibenzolar-S-metile com uma testemunha sem aplicação. Estes produtos foram aplicados em mudas de cafeeiro da cultivar Topázio com 6 pares de folhas. Após a aplicação foi realizada a inoculação do fungo (Cercospora coffeicola) através da pulverização de uma suspensão com 3x104 esporos por mililitro de água. As plantas foram então acondicionadas por 72 horas em câmara úmida com umidade aproximada de 80±2% e temperatura de 25±2ºC. Após o aparecimento dos sintomas (30 dias após a inoculação) foram realizadas cinco avaliações da severidade (área foliar lesionada) e da desfolha. Com base na severidade e na desfolha foram calculadas a área abaixo da curva de progresso da severidade (AACPS) e da desfolha (AACPD) além dos controles proporcionados individualmente pelos produtos utilizados. As curvas de progresso da severidade e da desfolha indicam o crescimento ao longo do tempo. AACPS e AACPD representam o “acúmulo” da doença ao longo do tempo.

Figura 3. Lesões de elípticas e deprimidas nos frutos, típicas da doença em café.
Figura 3. Lesões de elípticas e deprimidas nos frutos, típicas da doença em café.

É possível verificar que todos os fosfitos utilizados promoveram redução na severidade e na desfolha da cercosporiose ao longo do tempo apresentando efeito bem próximo ao do fungicida e muito menores que os da testemunha. 

Figura 4. Progresso da severidade (A) e da desfolha (B) da cercosporiose do cafeeiro ao longo do tempo em função dos produtos aplicados
Figura 4. Progresso da severidade (A) e da desfolha (B) da cercosporiose do cafeeiro ao longo do tempo em função dos produtos aplicados

Todos os fosfitos utilizados promoveram controle da AACPS (A) e da AACPD (B) da cercosporiose com mesmo efeito do fungicida e do indutor de resistência. Foram obtidos controles de 74 a 87% na AACPS e de 79 a 89% na AACPD. 

Figura 5. AACPS (A) e AACPD (B) da cercosporiose do cafeeiro em função dos produtos utilizados e controles proporcionados por estes em ambas as variáveis. Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si ao nível de 5% pelo teste de Scott-Knott.
Figura 5. AACPS (A) e AACPD (B) da cercosporiose do cafeeiro em função dos produtos utilizados e controles proporcionados por estes em ambas as variáveis. Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si ao nível de 5% pelo teste de Scott-Knott.

Com base nos resultados obtidos é possível recomendar qualquer uma das três formulações de fosfitos de potássio para o controle da cercosporiose do cafeeiro no viveiro nas mesmas doses utilizadas neste ensaio. Novos ensaios serão montados em campo para verificar a eficácia destes produtos neste ambiente, uma vez que o mesmo está sujeito à ação de muitos outros fatores que podem favorecer ou não a intensidade da cercosporiose. Assim poderemos saber qual melhor sistema de aplicação dos fosfitos e se a associação destes com fungicidas é mesmo viável.


Manoel Bastista da Silva Júnior, Mário Lúcio Vilela de Resende, Alexandre Ribeiro Maia de Resende, Victor Augusto Maia Vasconcelos, Rossiane Oliveira Vilela, Lucas Gabriel Pimenta Nogueira, Universidade Federal de Lavras; Bruno Henrique Garcia Costa, Agrichem do Brasil


Artigo publicado na edição 214 da Cultivar Grandes Culturas.

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