Metarhizium anisopliae

27.05.2025 | 15:43 (UTC -3)

O fungo entomopatogênico Metarhizium anisopliae é uma das ferramentas mais utilizadas e promissoras no manejo integrado de pragas.

Metarhizium anisopliae pertence ao Reino Fungi, Filo Ascomycota, Classe Sordariomycetes, Ordem Hypocreales e Família Clavicipitaceae.

A descoberta e descrição inicial deste fungo remonta a 1879, quando Metschnikoff o isolou de besouros infectados na Ucrânia, conferindo-lhe o nome em homenagem ao pioneiro dos estudos de patologia de insetos. O epíteto específico "anisopliae" deriva do primeiro hospedeiro identificado, o besouro Anisoplia austriaca.

Estudos filogenéticos modernos baseados em marcadores moleculares revelaram que o que tradicionalmente era considerado M. anisopliae sensu lato representa na verdade um complexo de espécies crípticas.

Essa reclassificação, fundamentada em análises de sequências de múltiplos genes (ITS, TEF, RPB1, RPB2), identificou pelo menos nove espécies distintas, incluindo M. anisopliae sensu stricto, M. brunneum, M. pinghaense. Esta diversidade críptica tem implicações significativas para a compreensão da especificidade hospedeira, distribuição geográfica e eficácia no controle biológico.

A evolução filogenética indica que Metarhizium divergiu de outros gêneros da família Clavicipitaceae há mais de 100 milhões de anos. A especialização entomopatogênica evoluiu independentemente em diferentes linhagens fúngicas, sugerindo forte pressão seletiva para este estilo de vida.

As adaptações evolutivas desenvolvidas pelo fungo incluem sistemas enzimáticos especializados para degradação da cutícula de insetos, produção de toxinas específicas e mecanismos sofisticados de evasão das defesas imunológicas dos hospedeiros.

Características morfológicas e estruturais

O micélio de M. anisopliae é constituído por hifas septadas, hialinas a levemente pigmentadas, com diâmetro variando entre 1,5 a 4,0 μm. As hifas apresentam crescimento apical típico dos fungos filamentosos e podem formar estruturas especializadas como apreensórios para penetração no hospedeiro. Em meios de cultura, as colônias inicialmente apresentam coloração branca a creme, desenvolvendo posteriormente a pigmentação verde-oliva característica que facilita sua identificação.

Os conidióforos são estruturas eretas, simples ou ramificadas, que surgem diretamente do micélio e podem atingir até 200 μm de comprimento. Os conídios, que são os propágulos infecciosos, apresentam formato cilíndrico a ovoide com dimensões aproximadas de 3-9 × 2-4 μm. Estes esporos assexuados possuem parede lisa e coloração verde-oliva característica, sendo produzidos em cadeias longas nas extremidades dos conidióforos através de um processo fialídico.

A fase sexuada (teleomorfa) é raramente observada na natureza, mas quando presente produz peritécios globosos contendo ascos cilíndricos com ascósporos filiformes e septados. Esta reprodução sexuada contribui para a variabilidade genética das populações naturais do fungo.

Biologia e ciclo de vida

Em condições naturais, M. anisopliae pode crescer como saprófito, obtendo nutrientes de matéria orgânica em decomposição presente no solo. Esta capacidade saprofítica é fundamental para sua persistência no ambiente mesmo na ausência de hospedeiros adequados. O crescimento ótimo ocorre em temperaturas entre 25-28°C, pH próximo ao neutro (6,0-7,5) e umidade relativa elevada, condições que favorecem tanto o desenvolvimento vegetativo quanto a produção de estruturas reprodutivas.

O ciclo parasítico de M. anisopliae é um processo complexo e altamente especializado que compreende várias etapas sequenciais. A infecção inicia-se quando conídios entram em contato com a cutícula do inseto hospedeiro, aderindo através de mucilagens e proteínas específicas. A adesão é influenciada por fatores como hidrofobicidade da superfície cuticular e características químicas do tegumento do hospedeiro.

Sob condições adequadas de umidade e temperatura, os conídios germinam produzindo tubos germinativos que se diferenciam em estruturas especializadas denominadas apreensórios. Estas estruturas de penetração concentram pressão mecânica e enzimas líticas para romper a barreira cuticular. O fungo atravessa a cutícula utilizando uma combinação sinérgica de pressão mecânica e degradação enzimática, produzindo quitinases, proteases, lipases e outras enzimas hidrolíticas.

Uma vez no interior do hemocele do inseto, o fungo desenvolve-se na forma de corpos hifais (blastosporos) que se multiplicam rapidamente no fluido corporal. A morte do hospedeiro resulta da combinação de depleção de nutrientes, obstrução física dos órgãos internos e, principalmente, da produção de micotoxinas como as destruxinas e ácido oxálico. Após a morte, o fungo emerge através do tegumento do inseto morto, produzindo conidióforos e novos conídios que podem infectar outros indivíduos, reiniciando o ciclo epidemiológico.

Ecologia e distribuição

M. anisopliae apresenta distribuição cosmopolita, sendo encontrado em todos os continentes exceto a Antártica. Esta ampla distribuição reflete tanto processos de dispersão natural quanto introdução antropogênica para programas de controle biológico. O fungo habita preferencialmente o solo, onde pode persistir como saprófito por longos períodos, mantendo populações viáveis mesmo durante a ausência de hospedeiros adequados.

Os habitats naturais incluem solos agrícolas, especialmente em áreas com histórico de infestação por insetos, solos florestais associados à serapilheira e raízes de plantas, pastagens com alta população de cigarrinhas e a rizosfera de diversas espécies vegetais. Esta versatilidade ecológica contribui para sua eficácia como agente de controle biológico em diferentes sistemas produtivos.

Fatores ambientais limitantes

A atividade de M. anisopliae é significativamente influenciada por fatores ambientais. A umidade é o fator mais crítico, sendo necessária umidade relativa superior a 80% para germinação eficiente dos conídios e estabelecimento da infecção. A temperatura ótima situa-se entre 25-30°C, com limites de sobrevivência entre 5-40°C, embora diferentes isolados apresentem adaptações específicas às condições climáticas de suas regiões de origem.

O pH do solo também influencia a sobrevivência e atividade do fungo, que tolera uma faixa ampla (4,0-8,5) mas apresenta crescimento ótimo em condições próximas à neutralidade. A radiação ultravioleta constitui um fator limitante significativo, causando danos ao DNA dos conídios e reduzindo drasticamente sua viabilidade, o que influencia estratégias de aplicação e formulação de produtos comerciais.

Interações ecológicas

Descobertas recentes revelaram que M. anisopliae pode estabelecer associações endofíticas com plantas, colonizando tecidos internos sem causar sintomas patogênicos. Esta relação simbiótica confere proteção às plantas contra herbívoros e pode melhorar a tolerância a estresses abióticos, ampliando o espectro de benefícios ecológicos proporcionados pelo fungo.

No solo, M. anisopliae interage com diversos outros microrganismos, estabelecendo relações de competição, antagonismo ou cooperação. Bactérias antagonistas podem inibir seu crescimento através da produção de antibióticos, enquanto outros fungos competem por substratos ou produzem metabólitos inibitórios. Estas interações influenciam a dinâmica populacional do fungo no ambiente e devem ser consideradas em estratégias de manejo.

Arsenal enzimático

A patogenicidade de M. anisopliae baseia-se na produção de um arsenal enzimático diversificado e altamente especializado.

As quitinases degradam a quitina, principal componente estrutural da cutícula dos insetos, enquanto as proteases hidrolisam proteínas cuticulares e internas. As lipases degradam lipídios da epicutícula, e as fosfolipases afetam membranas celulares do hospedeiro.

A expressão coordenada dessas enzimas é regulada temporalmente durante o processo de infecção, maximizando a eficiência da penetração e colonização.

Produção de metabólitos secundários

M. anisopliae produz diversos compostos bioativos que contribuem para sua patogenicidade.

As destruxinas constituem o grupo mais importante de micotoxinas, sendo ciclopeptídeos hexadepsipeptídicos com atividade inseticida, citotóxica e imunosupressora. Diferentes isolados produzem perfis distintos de destruxinas, contribuindo para variações na virulência e especificidade hospedeira.

Outros metabólitos incluem ácidos orgânicos, pigmentos e compostos antioxidantes que participam dos processos patogênicos.

Estratégias de evasão imune

O fungo desenvolveu múltiplas estratégias para evadir ou suprimir as defesas imunológicas dos insetos.

Elas incluem a produção de compostos imunosupressores que interferem com a resposta celular e humoral do hospedeiro, modificação de componentes da parede celular para evitar reconhecimento pelos sistemas de defesa, e produção de enzimas que degradam componentes do sistema imune dos insetos.

Principais pragas controladas

O controle de cigarrinhas das pastagens (Mahanarva fimbriolata, Deois flavopicta, Notozulia entreriana) representa uma das aplicações mais consolidadas de M. anisopliae no Brasil. Estas pragas causam perdas significativas em pastagens e cana-de-açúcar através da sucção de seiva e injeção de toxinas, e o fungo demonstra alta especificidade e eficácia contra elas, com taxas de mortalidade superiores a 80% em condições ideais.

Diversas espécies de cupins, incluindo Heterotermes tenuis, Procornitermes striatus e espécies do gênero Nasutitermes, são suscetíveis ao fungo. O controle é particularmente efetivo contra formas aladas e operárias que entram em contato direto durante o forrageamento.

Em grãos armazenados, M. anisopliae controla efetivamente gorgulhos, traças e besouros, oferecendo proteção prolongada sem deixar resíduos nos produtos.

Vantagens do controle microbiano

As principais vantagens de M. anisopliae incluem sua segurança ambiental, sendo naturalmente presente no ambiente sem causar desequilíbrios ecológicos. Sua alta seletividade preserva inimigos naturais, polinizadores e outros organismos benéficos, fundamental para manutenção do equilíbrio em agroecossistemas. A ausência de resíduos tóxicos permite colheita imediata após aplicação, sendo particularmente importante para culturas destinadas à exportação ou produção orgânica.

O complexo mecanismo de ação torna extremamente difícil o desenvolvimento de resistência pelas pragas. Mesmo após décadas de uso, não há relatos consistentes de resistência a M. anisopliae, contrastando com a rápida evolução de resistência observada com pesticidas químicos.

Limitações e desafios

As principais limitações incluem a forte dependência de condições de alta umidade, que restringe a aplicação em regiões áridas ou durante períodos secos. A velocidade de ação é mais lenta comparada aos inseticidas químicos, com morte dos insetos ocorrendo entre 5-15 dias após infecção. A incompatibilidade com muitos fungicidas e alguns inseticidas limita seu uso em programas convencionais de proteção de culturas.

Os produtos requerem condições específicas de armazenamento para manter a viabilidade, e sua vida útil limitada pode representar desafios logísticos. Estas limitações podem ser parcialmente superadas através de melhorias nas formulações, desenvolvimento de isolados mais tolerantes e estratégias adequadas de integração com outros métodos de controle.

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