Dichelops spp.

14.05.2025 | 16:13 (UTC -3)
<i>Dichelops</i> spp. - Foto: Adair V. Carneiro
Dichelops spp. - Foto: Adair V. Carneiro

Os percevejos do gênero Dichelops têm ganhado crescente relevância no cenário agrícola brasileiro, destacando-se as espécies Dichelops melacanthus e Dichelops furcatus.

Estas espécies emergiram como pragas-chave em diversos sistemas produtivos, especialmente após a expansão do sistema de plantio direto e a consolidação da sucessão soja-milho em várias regiões do país.

Taxonomia

A classificação taxonômica dos percevejos D. melacanthus e D. furcatus segue a hierarquia sistemática dentro da ordem Hemiptera. Ambas as espécies pertencem ao Reino Animalia, Filo Arthropoda, Classe Insecta, Ordem Hemiptera, Subordem Heteroptera, Família Pentatomidae, Subfamília Pentatominae, Tribo Carpocorini e Gênero Dichelops.

A espécie D. melacanthus foi descrita por Dallas em 1851, enquanto D. furcatus foi descrita por Fabricius em 1775.

O gênero Dichelops foi estabelecido por Spinola em 1837 e seu nome deriva do grego "di" (dois) e "chelops" (garras), referindo-se à forma bifurcada da cabeça destes insetos. Atualmente, reconhecem-se aproximadamente 14 espécies dentro deste gênero, com distribuição predominante na região Neotropical, especialmente na América do Sul.

Morfologicamente, estes percevejos são caracterizados pelo jugo projetado anteriormente, formando uma estrutura bifurcada na cabeça, pronoto com ângulos umerais desenvolvidos em forma de espinho, escutelo triangular bem desenvolvido e corpo de formato pentagonal ou triangular, com tamanho médio de 9-13 mm de comprimento.

A diferenciação entre D. melacanthus e D. furcatus baseia-se principalmente nos espinhos pronotais (mais longos e pontiagudos em D. furcatus), no jugo (mais proeminente em D. furcatus) e em características da genitália.

Biologia

Como todos os pentatomídeos, os percevejos do gênero Dichelops apresentam metamorfose incompleta (hemimetabolia), passando pelos estágios de ovo, ninfa (cinco ínstares) e adulto.

Os ovos possuem formato de barril, coloração inicialmente esbranquiçada que se torna rosada próximo à eclosão, e são depositados em grupos de 10-15 unidades, geralmente na face inferior das folhas. O período de incubação varia de 5 a 8 dias, dependendo da temperatura.

As ninfas emergem com comportamento gregário no primeiro ínstar, iniciando sua alimentação efetiva a partir do segundo ínstar. Apresentam coloração variável conforme o desenvolvimento, com tons esverdeados e marrons, ausência de asas funcionais e sistema reprodutivo imaturo. O período ninfal total dura cerca de 20-25 dias em condições ideais (25-28°C).

Na fase adulta, desenvolvem-se completamente as asas e o sistema reprodutivo. Os adultos podem viver de 30 a 60 dias, com período de pré-oviposição de 10-15 dias após a emergência. As fêmeas são capazes de produzir entre 100-300 ovos durante sua vida reprodutiva. O ciclo completo, de ovo a adulto, leva aproximadamente 30-40 dias em temperaturas entre 25-28°C.

O comportamento alimentar destes percevejos baseia-se em um aparelho bucal do tipo picador-sugador, com o qual inserem os estiletes nas estruturas vegetais, injetam saliva com enzimas digestivas, e sugam o conteúdo celular liquefeito. A saliva contém substâncias fitotóxicas que causam danos adicionais aos tecidos vegetais. Embora ambas as espécies sejam polífagas, D. melacanthus apresenta preferência alimentar por gramíneas como milho e trigo, enquanto D. furcatus mostra maior adaptação à soja.

Quanto à reprodução, o acasalamento ocorre aproximadamente 7-10 dias após a emergência dos adultos, podendo a cópula durar várias horas. Feromônios sexuais são importantes na aproximação entre machos e fêmeas, e a oviposição geralmente ocorre à noite ou nas primeiras horas da manhã, com as fêmeas preferindo plantas em estágios vegetativos ou reprodutivos iniciais.

Setas azuis indicando as diferenças na região do abdômen: percevejo-barriga-verde com abdômen verde (esq.) e percevejo-marromcom o abdômen marrom (dir.) - Foto: Adair V. Carneiro
Setas azuis indicando as diferenças na região do abdômen: percevejo-barriga-verde com abdômen verde (esq.) e percevejo-marromcom o abdômen marrom (dir.) - Foto: Adair V. Carneiro

Ecologia

A distribuição geográfica original de D. melacanthus compreende principalmente as regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil, enquanto D. furcatus é predominante na região Sul, com ocorrência nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Contudo, ambas as espécies têm expandido sua distribuição, acompanhando a fronteira agrícola brasileira e beneficiando-se das alterações nos sistemas produtivos.

Os habitats preferenciais destes percevejos incluem ambientes agrícolas, especialmente áreas de cultivo de grãos em sistemas de plantio direto, onde restos culturais proporcionam abrigo. Áreas com sucessão soja-milho ou soja-trigo e bordas de cultivo próximas a matas ou áreas de vegetação nativa que servem como refúgio são particularmente favoráveis à sua presença.

Como espécies polífagas, alimentam-se de diversas plantas cultivadas e selvagens. D. melacanthus mostra preferência por milho, trigo, sorgo e outras gramíneas, atacando secundariamente a soja, enquanto D. furcatus apresenta maior adaptação à soja, atacando também milho e culturas de inverno. Hospedeiros alternativos incluem plantas daninhas como trapoeraba (Commelina spp.), picão-preto (Bidens pilosa) e capim-marmelada (Brachiaria plantaginea), além de plantas de cobertura como aveia, milheto e crotalária, e espécies nativas de gramíneas e leguminosas.

Os principais inimigos naturais destes percevejos são parasitoides de ovos da família Scelionidae (Telenomus podisi, Trissolcus basalis e Trissolcus urichi), predadores como coleópteros das famílias Carabidae e Coccinellidae, hemípteros predadores e aranhas generalistas, além de entomopatógenos como os fungos Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae, e parasitoides de adultos e ninfas da família Tachinidae.

A dinâmica populacional destes percevejos é influenciada por fatores abióticos como temperatura (desenvolvimento ótimo entre 25-30°C), precipitação e fotoperíodo. Apresentam sazonalidade marcante, com maior incidência no período de transição entre culturas e menor presença durante o inverno nas regiões Sul e Sudeste. Possuem capacidade de voo de até 1-2 km em busca de hospedeiros adequados e realizam movimentação sazonal entre culturas em resposta à disponibilidade de alimento.

As práticas agrícolas modernas têm favorecido estas espécies, destacando-se o sistema de plantio direto (que proporciona microclima favorável e proteção), a sucessão e rotação de culturas (que garante disponibilidade contínua de hospedeiros), a expansão de áreas cultivadas (reduzindo habitats naturais para inimigos naturais), o uso intensivo de inseticidas (selecionando populações resistentes) e o cultivo de safrinha (eliminando períodos sem hospedeiros).

Danos às culturas agrícolas

Os percevejos Dichelops causam danos significativos em diversas culturas de importância econômica no Brasil, variando conforme a espécie, a cultura atacada e o estágio fenológico da planta.

Na cultura do milho, particularmente suscetível ao ataque de D. melacanthus, os danos mais severos ocorrem nos estágios iniciais de desenvolvimento. Os sintomas incluem perfurações na base do colmo, "encharutamento" foliar (folhas retorcidas e enroladas), perfilhamento excessivo devido à morte do meristema apical, plantas com aspecto de "coração morto" e deformação nas espigas em ataques tardios. O impacto econômico manifesta-se na redução de estande (5-30%), plantas dominadas com menor produtividade e perdas totais de produtividade entre 15-60% dependendo da infestação, sendo o nível de dano econômico estabelecido em 0,8-1 percevejo/m² na fase inicial da cultura.

Na soja, ambas as espécies causam deformação de vagens, grãos chochos e enrugados, retenção foliar (conhecida como "soja louca"), redução da qualidade dos grãos e do poder germinativo das sementes. As perdas econômicas incluem redução do rendimento (10-30%), desvalorização comercial pela presença de grãos manchados e maior custo de produção, sendo o nível de dano econômico de 2 percevejos/m durante o período reprodutivo.

Em culturas de inverno como trigo, aveia e cevada, os danos manifestam-se como murchamento e morte de perfilhos (sintoma conhecido como "cabeça-branca"), espigas vazias ou parcialmente granadas, grãos enrugados de baixo peso e redução do poder germinativo. Estas perdas resultam em redução de rendimento (5-20%), queda na qualidade industrial dos grãos e aumento nos custos de controle, com nível de dano econômico de 1-2 percevejos/m².

Além dos danos diretos por alimentação, estes percevejos podem causar prejuízos indiretos como transmissão de patógenos (atuando como vetores de fungos), danos fisiológicos (alteração no metabolismo da planta, desequilíbrio hormonal, retardamento da maturação) e impacto na qualidade (redução do valor nutritivo dos grãos e alteração na qualidade industrial).

A severidade dos danos é influenciada pelo estágio fenológico da cultura (plantas jovens são mais sensíveis), densidade populacional de percevejos, condições ambientais (estresse hídrico amplifica os danos), sistema de cultivo (plantio direto favorece maiores populações iniciais), histórico da área e cultivar utilizada.

Estratégias de controle

O manejo eficiente dos percevejos Dichelops requer uma abordagem integrada, combinando diferentes métodos para manter as populações abaixo do nível de dano econômico.

O monitoramento sistemático é fundamental para a tomada de decisões, utilizando métodos como pano-de-batida em soja, inspeção visual em milho e trigo, amostragem de solo e palhada antes do plantio e, experimentalmente, armadilhas com feromônios. Os níveis de controle estabelecidos são de 2 percevejos adultos/m durante o período reprodutivo da soja, 0,8-1 percevejo/m² na fase inicial do milho, 1-2 percevejos/m² do perfilhamento ao espigamento do trigo, e 1-2 percevejos/m² na palhada pré-plantio.

O controle químico ainda é o método mais utilizado pelos agricultores, empregando inseticidas como neonicotinoides (imidacloprido, tiametoxam), piretroides (lambda-cialotrina, bifentrina), organofosforados (clorpirifós, acefato) e misturas (neonicotinoide + piretroide). As modalidades de aplicação incluem tratamento de sementes, pulverização foliar, pulverização em pré-semeadura e associação com herbicidas na dessecação pré-plantio. Este método enfrenta desafios como desenvolvimento de resistência, dificuldade de atingir percevejos abrigados na palhada, impacto sobre inimigos naturais e custo elevado em aplicações sucessivas.

O controle biológico tem apresentado crescente adoção, utilizando parasitoides de ovos (Telenomus podisi, Trissolcus basalis, Trissolcus urichi), entomopatógenos (Beauveria bassiana, Metarhizium anisopliae), conservação de predadores generalistas e bioinseticidas comerciais. A liberação inundativa de parasitoides (100.000-150.000/ha) e a multiplicação e conservação em sistemas de produção em larga escala são estratégias promissoras.

O manejo cultural inclui práticas agronômicas como destruição de restos culturais, rotação de culturas, uso de plantas-armadilha, ajuste da época de plantio, manejo da palhada e implementação de culturas-barreira. A resistência de plantas, embora ainda com uso limitado comercialmente, apresenta potencial crescente, explorando mecanismos como antibiose, antixenose, tolerância e escape.

Técnicas de controle comportamental, utilizando semioquímicos como feromônios de agregação, repelentes, disruptores de alimentação e estratégias "push-pull", encontram-se em desenvolvimento. Medidas regulatórias como estabelecimento de calendários de plantio, obrigatoriedade de vazio sanitário e programas regionais de manejo integrado de pragas complementam o arsenal disponível.

O manejo integrado de pragas (MIP) representa a abordagem mais eficiente, integrando monitoramento sistemático, controle químico racional, preservação de inimigos naturais, rotação de mecanismos de ação, métodos culturais e ações coordenadas regionalmente.

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