Cydia pomonella

25.06.2025 | 10:25 (UTC -3)
Foto: Cidasc
Foto: Cidasc

A traça-da-maçã, Cydia pomonella (Linnaeus, 1758), representa uma das pragas mais significativas e economicamente devastadoras da fruticultura mundial. Esta pequena mariposa da família Tortricidae transcendeu suas origens euroasiáticas para se tornar um problema agrícola de escala global, acompanhando a expansão do cultivo de pomáceas pelos continentes.

Taxonomia e evolução

A classificação taxonômica de C. pomonella reflete uma história nomenclatural rica e evolutivamente significativa. Originalmente descrita por Linnaeus em 1758 como Phalaena pomonella, a espécie passou por sucessivas reclassificações que culminaram em sua atual posição no gênero Cydia, dentro da família Tortricidae.

Essa trajetória taxonômica não apenas documenta o progresso do conhecimento sistemático, mas também revela as relações filogenéticas que conectam esta espécie a um complexo diversificado de lepidópteros carpófagos.

O gênero Cydia, com aproximadamente 215 espécies válidas, representa um grupo monofilético altamente especializado na exploração de recursos reprodutivos vegetais, particularmente sementes e frutos.

A posição de C. pomonella dentro da tribo Grapholitini evidencia uma linhagem evolutiva que desenvolveu adaptações específicas para a vida endófita em estruturas vegetais, características que se tornaram fundamentais para seu sucesso ecológico e, consequentemente, para seu status como praga agrícola.

Arquitetura biológica

A biologia de Cydia pomonella revela uma organização de vida adaptada à exploração de recursos frutíferos. Seu ciclo de desenvolvimento holometábolo, compreendendo as fases de ovo, cinco ínstares larvais, pupa e adulto, está intimamente sincronizado com a fenologia de suas plantas hospedeiras.

A morfologia dos diferentes estágios de desenvolvimento reflete especializações funcionais distintas.

Os adultos, com sua envergadura característica de 15-22mm e padrão de coloração críptico, estão adaptados para atividade crepuscular e noturna, minimizando a exposição a predadores diurnos. A presença da mancha dourada distintiva nas asas anteriores não apenas serve como característica diagnóstica, mas possivelmente desempenha papel na comunicação intraespecífica.

O comportamento larval representa o aspecto mais economicamente relevante da biologia da espécie. As larvas, após eclosão, demonstram comportamento de busca altamente direcionado, localizando e penetrando frutos jovens.

Uma vez estabelecidas no interior dos frutos, desenvolvem um padrão de alimentação que maximiza a utilização de recursos nutritivos, dirigindo-se preferencialmente às sementes, estruturas de maior densidade nutricional.

O fenômeno da diapausa larval constitui uma adaptação crucial para a sobrevivência em ambientes temperados. Esta estratégia permite que a espécie sincronize seu desenvolvimento com as condições sazonais favoráveis, evitando períodos de escassez de recursos e condições climáticas adversas.

A regulação da diapausa por fotoperíodo e temperatura demonstra a sofisticação dos mecanismos adaptativos desenvolvidos por esta espécie.

Estudo de 2019 revelou a duplicação do gene do receptor olfativo OR3 (CpomOR3a e CpomOR3b), que aumenta a capacidade de C. pomonella de explorar cairomônios e feromônios como éster de pera e codlemona para localizar plantas hospedeiras e parceiros. O estudo também identificou o papel do gene CYP6B2 na resistência a inseticidas, com o silenciamento por RNAi aumentando a sensibilidade à deltametrina e ao azinfos-metil (doi.org/10.1038/s41467-019-12175-9).

Ecologia e interações ambientais

A ecologia de Cydia pomonella exemplifica os princípios fundamentais que governam as interações entre organismos especialistas e seus ambientes. Sua distribuição geográfica, virtualmente cosmopolita onde existem plantas hospedeiras adequadas, ilustra tanto sua capacidade adaptativa quanto sua dependência humana para dispersão a longa distância.

As relações tróficas estabelecidas por C. pomonella estruturam-se em torno de uma especialização oligófaga centrada na família Rosaceae. Esta especialização representa um compromisso evolutivo entre eficiência de utilização de recursos específicos e flexibilidade ecológica.

A preferência hierárquica por diferentes hospedeiros (maçã > pera > marmelo > outras rosáceas) reflete gradientes de qualidade nutricional e adequação para desenvolvimento larval.

A dinâmica populacional da espécie obedece a padrões complexos determinados pela interação entre fatores intrínsecos (capacidade reprodutiva, competição intraespecífica) e extrínsecos (condições climáticas, disponibilidade de hospedeiros, pressão de inimigos naturais).

O crescimento populacional exponencial em condições favoráveis pode rapidamente transformar pequenas infestações em surtos devastadores, característica que fundamenta sua importância como praga agrícola.

Os inimigos naturais desempenham papel crucial na regulação populacional de C. pomonella. O complexo de parasitoides, predadores e entomopatógenos associados à espécie representa um sistema de controle biológico natural que, em condições de equilíbrio, pode manter as populações em níveis toleráveis. A eficiência deste controle natural, entretanto, é frequentemente comprometida pelas práticas agrícolas intensivas, criando um ciclo de dependência de controle químico.

Impactos e desafios do manejo

Os impactos econômicos causados por C. pomonella transcendem a simples perda de produção, abrangendo custos de controle, depreciação da qualidade dos frutos, restrições comerciais e impactos em toda a cadeia produtiva da fruticultura.

O manejo de Cydia pomonella representa um dos maiores desafios da entomologia aplicada contemporânea.

Diferentes níveis de resistência a inseticidas contra organofosforados, neonicotinoides, hidrazinas, benzoilureias, piretróides, diamidas, espinosinas, avermectinas, mimetizadores de JH, carbamatos, oxadiazinas e granulovírus C. pomonella (CpGVs) se desenvolveram-se em diferentes países.

As estratégias de manejo integrado incluem componentes culturais (sanitização de pomares, poda adequada), biológicos (liberação de parasitoides, aplicação de entomopatógenos), biotecnológicos (confusão sexual, técnica do inseto estéril) e químicos (aplicações dirigidas e seletivas).

A eficácia destes sistemas depende fundamentalmente da compreensão profunda da biologia e ecologia da praga, evidenciando a importância da pesquisa básica para aplicações práticas.

Resistência global de <i>Cydia pomonella</i> a várias classes de inseticidas - doi.org/10.1016/j.pestbp.2021.104925
Resistência global de Cydia pomonella a várias classes de inseticidas - doi.org/10.1016/j.pestbp.2021.104925

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