
Bipolaris sorokiniana (Sacc.) Shoemaker é um fungo fitopatogênico de grande relevância para a agricultura brasileira e mundial, responsável por causar doenças economicamente importantes em cereais de inverno, principalmente trigo e cevada.
Este patógeno destaca-se pela sua capacidade de infectar diferentes órgãos da planta, causando múltiplas doenças como a helmintosporiose (mancha-marrom), podridão comum de raízes e ponta-preta dos grãos.
Taxonomia e características morfológicas
Do ponto de vista taxonômico, B. sorokiniana pertence ao Reino Fungi, Filo Ascomycota, Classe Dothideomycetes, Ordem Pleosporales e Família Pleosporaceae.
Este fungo já foi conhecido por diversos nomes científicos, incluindo Helminthosporium sativum, Helminthosporium sorokinianum e Drechslera sorokiniana, refletindo as revisões taxonômicas ocorridas ao longo do tempo. Sua fase sexual, embora raramente observada na natureza, é denominada Cochliobolus sativus.
Morfologicamente, o patógeno caracteriza-se pela produção de conídios fusiformes a elipsoides, de coloração marrom-escura, com 3-10 septos transversais, medindo aproximadamente 60-120 μm × 15-28 μm.
Seu micélio é septado e dematiáceo (escuro), produzindo conidióforos eretos que emergem através dos estômatos ou diretamente do tecido vegetal colonizado.
Uma característica distintiva do gênero Bipolaris é a germinação bipolar dos conídios, com a emissão de tubos germinativos a partir das extremidades do esporo.
Etiologia e mecanismos patogênicos
A patogenicidade de B. sorokiniana está associada a diversos mecanismos de virulência que facilitam sua infecção, colonização e reprodução nos tecidos hospedeiros.
O processo infeccioso inicia-se com a germinação dos conídios em condições favoráveis de umidade (>80%) e temperatura (18-28°C). A penetração pode ocorrer diretamente através da cutícula, utilizando pressão mecânica e enzimas líticas, ou indiretamente via aberturas naturais e ferimentos.
Entre os principais fatores de virulência, destacam-se a produção de enzimas degradadoras de parede celular (celulases, pectinases e proteases), fitotoxinas específicas (prehelmintosporol, helmintosporol e sorokinianina) e melanina.
As toxinas produzidas induzem necrose tecidual, interferem na fotossíntese e alteram a permeabilidade das membranas celulares do hospedeiro. A melanina, por sua vez, confere proteção às estruturas fúngicas contra condições ambientais adversas e mecanismos de defesa da planta.
O patógeno também possui mecanismos para suprimir as defesas do hospedeiro, produzindo compostos que inibem ou atrasam respostas de defesa, alterando o metabolismo celular e interferindo na produção de compostos fenólicos e fitoalexinas. Essa sofisticada capacidade de manipulação dos mecanismos de defesa do hospedeiro contribui significativamente para o sucesso do processo infectivo.
Ciclo de vida e dispersão
O ciclo de vida de B. sorokiniana é complexo e adaptado para garantir sua sobrevivência em diferentes condições ambientais.
O patógeno sobrevive principalmente como micélio dormente e conídios em restos culturais, onde pode permanecer viável por 1-3 anos. Também pode sobreviver em sementes infectadas, no solo associado à matéria orgânica e em plantas voluntárias ou hospedeiros alternativos, como gramíneas selvagens.
A dispersão de B. sorokiniana ocorre por diversos mecanismos. As sementes infectadas constituem o principal meio de introdução do patógeno em novas áreas, permitindo seu transporte a longas distâncias. Os conídios podem ser dispersos pelo vento (dispersão aérea), por respingos de água (chuva ou irrigação) e pelo escoamento superficial. Implementos agrícolas contaminados também contribuem para a disseminação do patógeno entre diferentes áreas de cultivo.
Fatores ambientais e práticas agrícolas influenciam significativamente a dispersão e o estabelecimento deste patógeno.
Períodos secos com ventos favorecem a dispersão aérea, enquanto períodos chuvosos facilitam a dispersão por respingos.
O sistema de plantio direto, predominante no Brasil, pode aumentar o inóculo inicial por manter restos culturais infectados na superfície do solo, especialmente quando não associado a práticas adequadas de rotação de culturas.
Importância econômica no contexto brasileiro
No contexto agrícola brasileiro, B. sorokiniana assume grande importância econômica, principalmente nas regiões Sul e Centro-Oeste, onde se concentra a produção de cereais de inverno. Estados como Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Goiás são particularmente afetados, pois apresentam condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento do patógeno e cultivam extensivamente espécies hospedeiras.
Os danos causados por este fungo manifestam-se de diferentes formas: redução da área fotossintética devido às lesões foliares; comprometimento da absorção de água e nutrientes em função da podridão radicular; e diminuição da qualidade e do valor comercial dos grãos pela ocorrência da ponta preta.
Em situações de alta incidência e severidade, as perdas de produtividade podem atingir 30-50%, dependendo da suscetibilidade da cultivar e das condições ambientais.
Além dos danos diretos à produção, a ocorrência de B. sorokiniana impõe custos adicionais relacionados às medidas de controle, como aplicações de fungicidas e tratamento de sementes. O patógeno também pode afetar a qualidade industrial do produto final, especialmente no caso da cevada destinada à produção de malte, onde grãos com ponta preta são indesejáveis.
Estratégias de manejo
O manejo eficaz de B. sorokiniana requer uma abordagem integrada, combinando diferentes estratégias para reduzir o inóculo inicial, prevenir novas infecções e minimizar os danos às culturas.
Manejo: práticas culturais
A rotação de culturas com espécies não-hospedeiras como soja, feijão, canola ou girassol por 2-3 anos é fundamental para reduzir o inóculo presente no solo e em restos culturais. Em sistemas de plantio direto, esta prática torna-se ainda mais importante para interromper o ciclo do patógeno.
O manejo adequado de restos culturais, incluindo sua incorporação ao solo para acelerar a decomposição em áreas com alta incidência da doença, contribui para reduzir a sobrevivência do patógeno. Da mesma forma, a eliminação de plantas voluntárias que servem como ponte verde entre safras é essencial para reduzir o inóculo.
A escolha adequada da época de semeadura, evitando períodos que coincidam com condições climáticas altamente favoráveis ao patógeno, e a adoção de adubação equilibrada também são práticas importantes no manejo cultural da doença.
Manejo: controle genético
A utilização de cultivares com resistência genética constitui uma das estratégias mais sustentáveis para o manejo de B. sorokiniana. No Brasil, instituições como Embrapa e IAPAR têm desenvolvido variedades com diferentes níveis de resistência às doenças causadas por este patógeno.
A resistência genética a B. sorokiniana geralmente é quantitativa, conferindo tolerância parcial. Embora a resistência completa seja rara, o uso de cultivares menos suscetíveis, associado a outras práticas de manejo, contribui significativamente para reduzir os danos causados pela doença.
Manejo: controle químico
O tratamento de sementes com fungicidas como carboxina+tiram, difenoconazol, iprodiona e triadimenol é essencial para reduzir a transmissão semente-plântula e proteger as plantas nas fases iniciais de desenvolvimento. Esta prática é particularmente importante para prevenir a podridão comum de raízes e o tombamento de plântulas.
A aplicação foliar de fungicidas também desempenha papel fundamental no manejo da helmintosporiose. Produtos dos grupos dos triazóis, estrobilurinas, carboxamidas e suas misturas são amplamente utilizados. O momento de aplicação é crucial, devendo ser realizada preventivamente ou nos estádios iniciais da doença, com base no monitoramento constante da lavoura.
Para evitar a seleção de populações resistentes, recomenda-se a alternância de grupos químicos e o uso de misturas prontas com diferentes modos de ação, seguindo os princípios do manejo integrado de resistência a fungicidas.
Manejo: controle biológico
O uso de agentes de controle biológico, como Trichoderma spp., Bacillus spp. e Pseudomonas spp., tem mostrado resultados promissores no manejo de B. sorokiniana. Estes microrganismos antagonistas podem ser aplicados em sementes ou no solo, contribuindo para reduzir o inóculo do patógeno e promover o desenvolvimento das plantas.
A integração estratégica de práticas culturais, resistência genética, controle químico e biológico, adaptada às condições específicas de cada região e sistema de produção, constitui a abordagem mais eficaz para o manejo sustentável de B. sorokiniana. O monitoramento regular da lavoura e a utilização de sistemas de previsão baseados em condições climáticas permitem otimizar as estratégias de controle, reduzindo custos e impactos ambientais.