Orgânico, convencional ou local? O que os números não mostram no rótulo

Por Valmir Rodrigues, fundador da My Trusted Source (MyTS)

09.12.2025 | 14:06 (UTC -3)

O selo “orgânico” virou sinônimo de saúde, sustentabilidade e justiça com o produtor. Mas, quando olhamos para os números, a história fica bem menos simples. 

Hoje, o mercado global de alimentos e bebidas orgânicos movimenta algo em torno de US$ 230–260 bilhões por ano e pode ultrapassar US$ 600 bilhões – chegando, em alguns cenários, perto de US$ 1 trilhão na próxima década. Nos Estados Unidos, as vendas de orgânicos certificados já passam de US$ 70 bilhões ao ano, em um universo de mais de 40 mil fazendas e empresas certificadas. 

Esse tamanho vem acompanhado de um prêmio de preço consistente. Um levantamento recente, com base em dados do USDA, mostra que frutas e vegetais orgânicos custam em média 52,6% a mais que as versões convencionais. Em metade dos itens, o ágio é de pelo menos 50%; em alguns casos, como alface iceberg, chega perto de 180%. O selo não é só uma escolha de estilo de vida: é um grande negócio. 

Onde há prêmio alto, cadeia longa e fiscalização limitada, há espaço para fraude. O maior caso já julgado nos EUA envolveu um produtor que, entre 2010 e 2017, vendeu grãos convencionais como orgânicos, movimentando mais de US$ 140 milhões. Em 2016, o esquema chegou a representar cerca de 7% de todo o milho orgânico e 8% da soja orgânica do país. Na União Europeia, operações coordenadas pela Europol têm encontrado dezenas de milhares de toneladas de produtos com selo orgânico e indícios de fraude, com apreensões e reclassificações em larga escala.

Mesmo fora dos grandes escândalos, o sistema está sob pressão: só em 2022, quase 1.000 operações em 55 países perderam a certificação orgânica por suspensão ou revogação, incluindo 452 nos Estados Unidos e 39 no Brasil, segundo o National Organic Program (NOP), do USDA.

É nesse contexto que o livro do jornalista Peter Laufer, Organic: A Journalist’s Quest to Discover the Truth Behind Food Labeling, ganha peso. Ao seguir a trilha de produtos “orgânicos” em países como Bolívia, Tunísia, Costa Rica e Áustria, Laufer mostra como, em cadeias longas, o consumidor passa a depender quase exclusivamente de documentos e rótulos – sem enxergar o que realmente acontece na fazenda. 

A pergunta, então, deixa de ser apenas “orgânico ou convencional?” e passa a ser: quem produz, como produz e quem fica com o valor quando eu pago mais caro?

Produção local e regional, com boas práticas, transparência clara e menos intermediários, muitas vezes entrega mais coerência do que um produto orgânico caro e opaco. Isso não significa que o orgânico “não vale nada” – ao contrário: o setor trouxe avanços reais em consciência, regulamentação e práticas de campo. Mas o próprio sucesso do selo mostra que está na hora de dar o próximo passo.

Selo é importante, mas não basta. Se quisermos que “orgânico” siga significando confiança – e não apenas marketing –, vamos precisar de mais transparência por produto, por propriedade e por cadeia. E de um consumidor disposto a olhar além do rótulo, entendendo quem produz, como produz e quem fica com o valor quando paga mais caro. 

Como ainda não temos informação ampla e padronizada, o consumidor precisa ir além do rótulo e do selo: buscar marcas que mostrem origem, modo de produção, quem produz e quais padrões seguem. Quando isso não aparece, faz sentido priorizar produtos regionais ou nacionais, de cadeias mais curtas. No fim, muita gente ainda paga bem mais por um selo do que por transparência.Para a indústria de alimentos, o recado é parecido: não basta cumprir a lei e ter certificado. É hora de contar melhor a própria história, mostrar a origem, as práticas e as pessoas por trás do produto. 

Mais do que escolher entre orgânico ou convencional, o consumidor precisa escolher transparência e a indústria, aprender a comunicá-la. No fim, o que pesa não é o adjetivo no rótulo, e sim a verdade que ele carrega.

*Por Valmir Rodrigues, fundador da My Trusted Source (MyTS)

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