Monitoramento da ferrugem do café

Ferramenta técnica que pode ser utilizada tanto na criação de área de manejo como na avaliação das estratégias de controle utilizadas

23.12.2019 | 20:59 (UTC -3)

Desde a chegada da ferrugem do café ao Brasil são buscadas formas de harmonizar o convívio com a doença e a manutenção da produção. Contudo, tem prevalecido a busca por reduzir a zero sua incidência no campo, forma de pensamento nem sempre mais econômica e sustentável. Por isso, o monitoramento é uma ferramenta técnica de grande valor, que pode ser utilizado tanto na criação de área de manejo como na avaliação das estratégias de controle utilizadas

A ferrugem do café, causada pelo fungo Hemileia vastatrix, chegou ao Brasil na década de 70. Seu principal sintoma é a ocorrência de pústulas com esporos alaranjados na face inferior das folhas. O principal dano causado é a queda prematura das folhas, que causa danos à planta e reduz a produção.

Desde a chegada da ferrugem no Brasil procurou-se estabelecer técnicas de convívio com a doença e garantir a manutenção da produção nacional. O controle da ferrugem normalmente envolve uma série de ferramentas como o uso de variedades resistentes, fungicidas protetores, especialmente à base de cobre, e produtos sistêmicos aplicados na parte aérea e no solo. O uso destas ferramentas, associado ao manejo de adubação, espaçamento entre plantas e irrigação, dentre outras técnicas agronômicas, fez com que o Brasil não só convivesse com a ferrugem, como aumentasse sua produção.

O fato é que a ferrugem do café está presente em praticamente todos os plantios brasileiros, aumentando de importância de acordo com os tratos culturais, clima, produtividade, espaçamento e até mesmo falhas em lidar com ela. Não é incomum vê-la causando forte impacto em situações específicas ao longo do Brasil. Ou seja, tratar deste tema é sempre importante e há algo mais a ser aprendido.

Sem dúvida, o controle químico é fundamental quando as condições são favoráveis à ferrugem. Existem diversas formas de combinar os produtos disponíveis no mercado. É o que se denomina manejo químico da doença. Cada indústria tem seu pacote tecnológico e os agrônomos consultores também desenvolvem suas estratégias. As medidas utilizadas também dependerão da forma como o produtor conduz sua lavoura, é claro. Logicamente, é o produtor quem tem a decisão final. Cabe ao produtor a escolha de quais métodos de controle e de que forma irá adotar as ferramentas disponíveis.

Alguns princípios devem ser seguidos para garantir a melhor eficiência dos fungicidas na cultura do café, como o uso de produtos à base de cobre, que são os óxidos ou hidróxidos de cobre. Estes produtos isoladamente são menos eficientes que os fungicidas sistêmicos, como os triazóis, porém, são importantes na melhoria do controle e na redução da resistência da doença a determinado produto. Os fungicidas sistêmicos são mais eficientes no controle da ferrugem, contudo, o uso contínuo do mesmo ingrediente ativo pode favorecer a seleção de populações resistentes, levando à perda de sua eficácia. Isto não é o desejo nem da indústria que investiu no desenvolvimento do produto, nem do produtor, que acaba perdendo uma ferramenta a mais para controlar a doença. Existem no mercado algumas caldas contendo micronutrientes e cobre, recomendadas para o controle da ferrugem. A vantagem destas caldas é que associam o controle da doença com a correção de pequenas deficiências nutricionais da lavoura.

Cada produto químico tem sua vantagem e desvantagem, por isso devem ser utilizados com critério, aproveitando o que cada um tem de melhor. Os produtos à base de cobre não conseguem eliminar a doença já estabelecida na folha, por isso, seu uso é recomendado preventivamente, em mistura com sistêmicos ou no início da epidemia, quando a doença atinge pelo menos 5% das folhas do terceiro ou quatro par nos ramos produtivos. Por agirem como barreira química, protegendo as folhas do ataque do fungo, produtos protetores não devem ser aplicados em dias chuvosos. Durante sua aplicação, a calda deve atingir a parte inferior das folhas.

Já os fungicidas sistêmicos apresentam menor ou maior capacidade de penetrar nas folhas e eliminar a ferrugem após a doença se estabelecer. É o conhecido efeito curativo. Estes tipos de produtos permitem que o agricultor possa esperar o momento certo da pulverização, caso queira obter um controle eficiente da doença com menor número de pulverizações. Para isto, o produtor precisa de um acompanhamento técnico e critérios para intervir quimicamente em sua lavoura.

O produtor sabe melhor que ninguém que a importância da ferrugem varia a cada ano, de acordo com a produtividade da lavoura, nutrição das plantas e o clima, que especialmente nos últimos tempos tem sido fator predominante. Logo, é importante definir quais produtos serão utilizados, como e quando serão aplicados.

O produtor pode decidir quando aplicar um produto sistêmico com base em um sistema de aviso fitossanitário, aplicação em épocas predeterminadas (calendário de aplicação) e a aplicação conforme a amostragem da doença na lavoura.

Em experimento conduzido no norte do Espírito Santo, em uma lavoura de café Conilon, procurou-se identificar comparativamente a melhor época de aplicação de fungicidas sistêmicos (com efeito curativo) com base na quantidade de folhas doentes.

Para amostrar a ferrugem na lavoura de Conilon, 60 folhas foram coletadas mensalmente, três folhas de cada lado da planta, em dez plantas por parcela. A coleta foi feita no terceiro ou quarto par de folhas dos ramos produtivos. Posteriormente, contou-se a porcentagem de folhas com pelo menos uma pústula de ferrugem. O experimento foi realizado de janeiro a julho de 2012.

A pulverização de fungicidas sistêmicos foi efetuada quando o número de folhas doentes atingia 2,5% (T1), 5% (T2), 10% (T3), 15% (T4), 20% (T5) do total de folhas coletadas. Foi feita a aplicação conforme um calendário recomendado para a região (T6). Realizou-se também o controle por meio da aplicação de um fungicida sistêmico via solo (T7). Uma parcela não recebeu controle químico para a ferrugem, sendo considerada a testemunha, para saber se havia condições favoráveis à doença.

Figura 1 – Evolução da ferrugem do cafeeiro (H. vastatrix), medida pela incidência de folhas de café doentes. No gráfico A estão representados os tratamentos que receberam a aplicação de fungicida sistêmico quando havia as seguintes quantidades de ferrugem: 2,5% (T1); 5% (T2), 10% (T3); aplicação preventiva via solo (T7) e a testemunha (sem controle químico). No gráfico B é apresentada a evolução da ferrugem em plantas que receberam a aplicação de fungicida sistêmico quando a ferrugem atingia 15% (T4) e 20% (T5); calendário de aplicação (T6) e testemunha (sem controle químico)
Figura 1 – Evolução da ferrugem do cafeeiro (H. vastatrix), medida pela incidência de folhas de café doentes. No gráfico A estão representados os tratamentos que receberam a aplicação de fungicida sistêmico quando havia as seguintes quantidades de ferrugem: 2,5% (T1); 5% (T2), 10% (T3); aplicação preventiva via solo (T7) e a testemunha (sem controle químico). No gráfico B é apresentada a evolução da ferrugem em plantas que receberam a aplicação de fungicida sistêmico quando a ferrugem atingia 15% (T4) e 20% (T5); calendário de aplicação (T6) e testemunha (sem controle químico)

O gráfico A da Figura 1 mostra que a aplicação de fungicida sistêmico, quando o número de folhas doentes variou de 2,5% a 10%, proporcionou o melhor nível de controle da ferrugem. Resultado semelhante foi obtido com a aplicação do produto via solo no mês de março daquele ano.

No ano em que foi conduzido o experimento, as chuvas foram irregulares, o que ocasionou a baixa eficiência do controle feito com base em datas predefinidas (Figura 1, B). O mesmo ocorreu no caso de aplicação dos fungicidas com 15% e 20% de folhas doentes.

A vantagem de esperar o início da ferrugem para dar início ao controle químico com fungicidas sistêmicos é realizar a aplicação no momento correto e evitar aplicações desnecessárias. Esse sistema demanda uma presença no campo maior por parte do produtor e condições de equipamento e mão de obra para a rápida aplicação dos produtos. Em propriedades muito grandes o monitoramento pode ser adotado juntamente com outros métodos, como a aplicação preventiva ou via solo.  A desvantagem é que, muitas vezes, no campo deseja-se o nível zero de doença. Esta forma de pensamento não é a mais econômica e sustentável, porém, continua prevalecendo. Outro fator que dificulta a adoção deste sistema é a falta de treinamento para o produtor.

A certificação de café no Brasil tem crescido e um dos quesitos é a adoção de boas práticas agrícolas nas áreas certificadas. O monitoramento da doença no campo é uma ferramenta técnica de grande valor, podendo ser utilizada também na criação de área de manejo e na avaliação das estratégias de controle utilizadas.

O gráfico apresentado é parte da dissertação de mestrado em Agricultura Tropical da Ufes, campus de São Mateus, defendida por Olivério Poltronieri Neves. O experimento integra projeto financiado com recursos do Consórcio Brasileiro de Café, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo.


Marcelo Barreto da Silva, Universidade Federal do Espírito Santo 


Artigo publicado na edição 189 da Cultivar Grandes Culturas. 

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