Manejo nutricional do feijoeiro

O cultivo de feijoeiro em sucessão ao milho solteiro ou em consórcio com braquiária tem sido utilizado como estratégia para aumentar a produtividade da cultura

27.10.2017 | 21:59 (UTC -3)

O sistema plantio direto (SPD) tem sido uma das melhores alternativas para a conservação dos recursos naturais na utilização agrícola dos solos brasileiros. Uma das vantagens desse sistema de cultivo é a proteção que confere ao solo, reduzindo o impacto das gotas de chuva, o escorrimento superficial e a erosão. No entanto, um dos fatores limitantes do SPD é a dificuldade de manutenção permanente de palhada na superfície do solo, especialmente em regiões com inverno seco como, em que a produção de palhada é baixa.

Para tentar contornar essa dificuldade de produção de palhada no SPD tem se buscado várias alternativas, sendo que uma delas é o cultivo consorciado de plantas produtoras de grãos com forrageiras tropicais, o que tem aumentado significativamente nessas regiões com baixa oferta hídrica no inverno. Essa técnica tem sido empregada com o objetivo de produzir forragem no período de menor oferta e ao mesmo tempo aumentar a produção de palhada para o SPD na safra seguinte. Nesse sistema, o consórcio de milho com braquiárias tem sido uma opção muito utilizada pelos produtores.

Dentre as espécies de braquiária mais utilizadas estão a Urochloa ruziziensis (Syn. Brachiaria bryzantha) e a Urochloa brizantha (Syn. Brachiaria bryzantha). Vários estudos realizados em Universidades e Instituições de Pesquisa têm demonstrado que o consórcio de milho com U. brizantha promove elevada produção de biomassa e adequada cobertura do solo, não diminui a produtividade do milho e em alguns casos ainda pode aumentá-la.

Nesse cenário de produção agrícola, principalmente na região Centro-Sul do Brasil, uma das principais culturas anuais cultivadas no SPD é o feijoeiro (Phaseolus vulgaris L.). Nesse sistema, a cultura do feijão tem se beneficiado com a inclusão de gramíneas forrageiras no sistema de produção, o que tem permitido a obtenção de produtividades de feijão bem acima da média nacional. No entanto, como o feijoeiro é uma cultura exigente em nitrogênio (N), mesmo em SPD bem conduzido, é necessário que o fornecimento de N ao feijoeiro seja feito de forma adequada, para serem obtidos tetos elevados de produtividade, uma vez que o fornecimento deficiente de N ao feijoeiro causa redução na produtividade de grãos.

A adubação nitrogenada do feijoeiro normalmente tem sido realizada com a aplicação de parte do N no sulco de semeadura, junto ao fósforo e ao potássio e o restante em cobertura. No entanto, em algumas situações a utilização de elevadas quantidades de N no sulco de semeadura, principalmente em associação com a adubação potássica, pode ocasionar redução na população de plantas e comprometer a produtividade. Por outro lado, a aplicação de N em cobertura aumenta o custo de produção e pode provocar danos ao feijoeiro, causados pelo tráfego das máquinas agrícolas dentro da lavoura. Além disso, o fornecimento de N ao feijoeiro em uma fase mais adiantada do ciclo é menos eficiente que a aplicação de N na fase inicial de desenvolvimento da cultura.

Algumas pesquisas têm mostrado que a aplicação de N em SPD, a lanço ou incorporada antes mesmo da semeadura do feijoeiro, resulta em produtividades iguais ou até maiores do que naquelas situações em que o N é aplicado em cobertura. No entanto, apesar das pesquisas indicarem a possibilidade de antecipação do N para o feijoeiro em SPD, ainda existem dúvidas se essa técnica pode ser empregada rotineiramente em condições em que o feijoeiro é cultivado em sucessão ao milho consorciado com forrageiras perenes, pois nessa condição normalmente a produção de massa vegetal e a quantidade de palhada na superfície do solo são maiores.

Nesse sentido, foi desenvolvida pesquisa na Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu, sob a coordenação do professor Rogério Peres Soratto, com o intuito de compreender melhor a resposta do feijoeiro a épocas de aplicação da adubação nitrogenada, em sistema de plantio direto após milho solteiro ou consorciado com braquiária (U. bryzantha). Neste caso, a semeadura da forrageira foi realizada misturando-se 10kg/ha de sementes (VC=24%) ao adubo de base do milho, safras de verão 2004/2005 e 2005/2006. Assim, as sementes da braquiária foram distribuídas na mesma profundidade do adubo e simultaneamente à semeadura do milho. Após a colheita do milho da safra 2005/2006, a área foi apenas manejada com triturador de palha a cada seis meses até semeadura do feijão aproximadamente um ano e meio depois. No momento da semeadura do feijão as áreas (milho solteiro e milho + braquiária) tinham quantidades de palhada bem diferentes.

Nesse estudo foram pesquisadas três épocas de aplicação da dose de 100kg/ha de N no feijoeiro cultivado após milho solteiro ou milho consorciado com braquiária. As épocas de aplicação do N foram: 33 DAS - 33 dias antes da semeadura do feijão (19 dias antes da dessecação das plantas presentes na área); SEM - no mesmo dia da semeadura do feijão; 23 DAE - 23 dias após a emergência do feijão; e uma testemunha sem aplicação de N. Em todas as épocas o N foi aplicado a lanço na superfície do solo, utilizando como fonte o sulfato de amônio.

Os resultados obtidos no estudo demonstraram que no consórcio milho + braquiária a produção de palhada imediatamente antes da semeadura do feijão foi de 20.415kg/ha de matéria seca com uma quantidade de N presente nessa palhada de 376kg/ha. Já no sistema com milho solteiro a produção de palha e a quantidade de N acumulada nessa cobertura vegetal foram bem menores e não ultrapassaram 12.311kg/ha de matéria seca e 251kg/ha de N. Isso foi um dos fatores que interferiram diretamente na nutrição nitrogenada do feijoeiro cultivado em sucessão (Tabela 1).

Na presença da adubação nitrogenada os teores de N na folha do feijão não foram influenciados pelos sistemas de cultivo antecessor (Tabela 1). Porém, quando não foi realizada a adubação nitrogenada, os teores foliares de N foram maiores nas plantas de feijão cultivadas em sucessão ao consórcio milho + braquiária, indicando que a inclusão da forrageira no sistema ofereceu maior quantidade de N para o feijão cultivado em sucessão, devido à maior quantidade de palhada e N acumulada nesta palhada. Além disso, se observou que a adubação nitrogenada aumentou os teores foliares de N do feijoeiro, porém, de forma expressiva apenas no feijão cultivado após milho solteiro. Vale destacar que neste estudo, o consórcio milho + braquiária foi cultivado na área por dois anos consecutivos (safras de verão 2004/2005 e 2005/2006) e que a forrageira permaneceu na área por aproximadamente 18 meses, entre a colheita da última safra de milho e a dessecação para a semeadura do feijão, proporcionando elevado acúmulo de biomassa.

Um dos sintomas que o fornecimento deficiente de N causa no feijoeiro é o menor crescimento e ramificação da cultura, o que resulta em plantas com menos flores e vagens. Neste estudo foi observado que o número de vagens por planta aumentou com a adubação nitrogenada, apenas quando o feijoeiro foi cultivado em sucessão ao milho solteiro (Tabela 1). Nos tratamentos adubados com N, o cultivo anterior da forrageira em consórcio não afetou o número de vagens do feijoeiro, porque não houve restrição de N para as plantas. Porém, quando não foi aplicado N, o feijoeiro cultivado em sucessão ao consórcio produziu mais vagens. Isso demonstra que a presença da forrageira em consórcio com o milho no cultivo anterior melhorou a nutrição nitrogenada do feijoeiro em sucessão, resultando em plantas maiores, com maior ramificação, número de flores e consequentemente maior quantidade de vagens, mesmo sem aplicação de adubação nitrogenada mineral.

Em relação à produtividade de grãos do feijoeiro se observou que independentemente da época de aplicação do fertilizante, houve em média 33% de aumento da produtividade de grãos com o fornecimento de N, quando o feijão foi cultivado em sucessão ao milho solteiro (Tabela 1). Isto indica que é possível efetuar a antecipação da adubação nitrogenada no feijoeiro cultivado em SPD, já que altas doses de N no sulco de semeadura pode comprometer a população de plantas. E a aplicação em cobertura, além de onerar o custo de produção, pode provocar danos à cultura devido ao tráfego do maquinário agrícola. Além disso, a antecipação do N no feijoeiro pode ser benéfica, pois elevadas concentrações de nutrientes nos estádios iniciais de desenvolvimento podem promover bom crescimento inicial do feijão em SPD, pois, há falta de N na fase inicial de desenvolvimento para as principais culturas anuais de grãos. A planta de feijão deve absorver a maior parte de suas necessidades nutricionais na fase vegetativa, transformando-se em uma planta vigorosa, alta e forte para, futuramente, formar o grão. Isto implica que a planta deve estar bem formada antes de atingir a fase reprodutiva para atingir boa produtividade de grãos.

No cultivo em sucessão ao milho consorciado, o feijão não respondeu à adubação nitrogenada (Tabela 1), sendo que, mesmo sem a aplicação de N (testemunha), a produtividade foi de quase 3.000kg/ha. Este resultado demonstra que a inclusão da forrageira (braquiária brizanta) no cultivo anterior diminui a necessidade de aplicação de N no feijoeiro cultivado em sucessão, dada a elevada capacidade de ciclagem de nutrientes da braquiária.

No entanto, vale destacar que neste estudo houve boa distribuição de chuvas durante o desenvolvimento da cultura, inclusive logo após as aplicações de N, o que favoreceu a oferta do N e o desempenho produtivo do feijoeiro. Além disso, o solo do local era argiloso e com bom teor de matéria orgânica na camada superficial. Isso associado ao elevado acúmulo de resíduos em decomposição na superfície do solo, pode ter contribuído para reduzir as perdas do N aplicado antecipadamente. Contudo, em solos arenosos, com baixo teor de matéria orgânica, com fertilidade limitada e com reduzida quantidade de resíduos vegetais na superfície a antecipação do N pode não ser uma prática eficiente.

Outro aspecto que deve ser levado em conta é que quando se utiliza a ureia como fonte de N, a aplicação a lanço sobre a palhada pode provocar grandes perda por volatilização.

Tabela 1 - Efeito de épocas de aplicação da adubação nitrogenada no teor de N nas folhas, número de vagens por planta e produtividade de grãos do feijoeiro cultivado após milho solteiro ou milho consorciado com braquiária(1)

Época de aplicação do N(2)

Cultura antecessora

Milho solteiro

Milho + braquiária

Teor de N nas folhas (g kg-1)

Testemunha

29,4bB

37,9bA

33 DAS

41,1aA

40,0abA

SEM

42,6aA

45,6abA

23 DAE

42,9aA

48,3aA

Número de vagens por planta

Testemunha

8,4bB

12,3aA

33 DAS

14,0aA

14,3aA

SEM

12,4abA

14,4aA

23 DAE

15,9aA

14,1aA

Produtividade de grãos (kg ha-1)

Testemunha

2.549bA

2.939aA

33 DAS

3.366aA

3.072aA

SEM

3.538aA

2.850aB

23 DAE

3.258abA

3.557aA

Época de aplicação do N(2)

Cultura antecessora

Milho solteiro

Milho + braquiária

Teor de N nas folhas (g kg-1)

Testemunha

29,4bB

37,9bA

33 DAS

41,1aA

40,0abA

SEM

42,6aA

45,6abA

23 DAE

42,9aA

48,3aA

Número de vagens por planta

Testemunha

8,4bB

12,3aA

33 DAS

14,0aA

14,3aA

SEM

12,4abA

14,4aA

23 DAE

15,9aA

14,1aA

Produtividade de grãos (kg ha-1)

Testemunha

2.549bA

2.939aA

33 DAS

3.366aA

3.072aA

SEM

3.538aA

2.850aB

23 DAE

3.258abA

3.557aA

(1) Médias seguidas de letras iguais na coluna, dentro de cada fator, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% probabilidade. (2) Dose de N (100kg/ha-1) aplicado a lanço nas épocas: 33 DAS – 33 dias antes da semeadura do feijão (19 dias antes da dessecação das plantas presentes na área); SEM – no mesmo dia da semeadura do feijão e; 23 DAE – em cobertura no feijoeiro 23 dias após a emergência.

Clique aqui para ler o artigo na edição 178 da Cultivar Grandes Culturas.

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