Manejo de plantas tigueras

Importantes fontes de inóculo inicial de fitopatógenos passíveis de transmissão pelas sementes e daqueles transmitidos por meio de insetos-vetores, como os vírus, tigueras são um problema a mais a ser enfrentado p

30.05.2016 | 20:59 (UTC -3)

As plantas tigueras ou voluntárias são aquelas da espécie cultivada, a de interesse econômico, que infestam espontaneamente o cultivo seguinte por ocasião da germinação das sementes de frutos deixados na lavoura após a colheita. Em lavouras de tomateiro, tanto para o segmento industrial como para o segmento de consumo in natura, é comum a ocorrência de tigueras entre as linhas de cultivo e entre as plantas transplantadas na linha de cultivo. Em geral, são observadas em tufos, como resultado de um fruto deixado no campo após a colheita.

As tiqueras são consideradas como plantas daninhas ou invasoras por não serem desejadas na nova lavoura oriunda da implantação de uma nova espécie cultivada ou até a mesma espécie. As tigueras competem com a cultura de interesse econômico recém-instalada por água, luz, nutrientes e CO2, a exemplo de plantas daninhas comuns como maria-pretinha (Solanum americanum), joá-de-capote (Nicandra physaloides) e leiteiro (Euphorbia heterophylla), facilmente encontradas em lavouras de tomateiro. São também importantes fontes de inóculo inicial de fitopatógenos passíveis de transmissão pelas sementes e daqueles transmitidos por meio de insetos-vetores, como os vírus. Assim, perpetuam os patógenos e insetos-vetores nas lavouras a cada ciclo da cultura hospedeira, mesmo quando essa cultura é rotacionada com cultivos de diferentes espécies de plantas não hospedeiras. Isso porque as sementes das plantas tigueras podem permanecer viáveis no solo, apresentando vários fluxos de emergência no decorrer do tempo.

Patógenos transmitidos pelas sementes

As Xanthomonas que causam a mancha-bacteriana (Xanthomonas perforans, Xanthomonas gardneri, Xanthomonas vesicatoria e Xanthomonas euvesicatoria), importante doença da cultura pela sua frequência de ocorrência e capacidade destrutiva, são passíveis de transmissão por sementes de tomateiro (Leite et al, 1995). Essa talvez seja a doença cuja importância das tigueras esteja mais evidenciada nas condições de cultivo do tomateiro no país (Quezado-Duval et al, 2008; Quezado-Duval & Lopes, 2010), principalmente para lavouras destinadas ao processamento industrial. Foram feitas observações de tigueras de tomateiro em lavouras comerciais em Goiás e São Paulo apresentando sintomas da doença, seguidas de coleta de amostras, isolamento e identificação da espécie no Laboratório de Fitopatologia da Embrapa Hortaliças. Nesse segmento, não se sabe ainda ao certo o papel das tigueras que ocorrem nas culturas em sucessão/rotação no incremento do banco de sementes local. Acredita-se que, em razão do sombreamento da cultura principal ou da aplicação de herbicidas, essas plantas não cheguem a produzir frutos/sementes de forma significante. Desde então, a bactéria tem sido detectada em tigueras de tomateiro em ambos os segmentos.

Em geral, quando as fontes de inóculo inicial são as tigueras, as plantas de tomateiro cultivadas se encontram com boa sanidade no início do cultivo e se tornam infectadas de maneira generalizada na área. Esse padrão se difere de uma condição onde a fonte de inóculo são as próprias plantas cultivadas, por exemplo, a partir de sementes infectadas/infestadas, cujo padrão pela baixa incidência inicial é em focos. As condições ambientais que favorecem a doença são temperaturas elevadas e alta umidade, predominantes no período chuvoso ou durante todo o período de cultivo em condições de irrigação por pivô central, aspersão convencional ou por sulco de plantio, essa última considerada uma prática comum em lavouras de tomate estaqueado para mesa no Brasil. Respingos de água (chuva ou irrigação) são então carreadores da bactéria, fazendo a disseminação planta a planta, que pode ser da planta de tomateiro tiguera para a cultivada.

Outras bactérias fitopatogênicas como Pseudomonas syringae pv. tomato que causa a pinta-bacteriana e Clavibacter michiganensis sub sp. michiganensis que causa o cancro-bacteriano podem ser veiculadas pelas sementes (Jones et al, 2014), assim como alguns fungos como a Septoria lycopersici (que causa a septoriose), Alternaria spp. (pinta-preta) e Fusarium oxysporum f.sp. lycopersici (murcha de fusário), entre outros e vírus, como o ToMV (mosaico do tomateiro) (Inoue-Nagata et al, 2005). Desse modo, são também patógenos com potencial de se perpetuarem nas áreas de cultivo do tomateiro por meio das plantas tigueras. Vale lembrar ainda que nem todos os patógenos do tomateiro possuem a questão da infecção e transmissão por sementes bem elucidada.

Patógenos transmitidos por insetos-vetores

A maioria dos vírus que infectam o tomateiro é transmitida por insetos. Nesse caso, eles são chamados de vetores. Dois grupos de insetos chamam a atenção na atualidade como importantes vetores que podem ter abrigo nas tigueras: as moscas-brancas e os tripes. As moscas-brancas são vetores de geminivírus (ou begomovírus) e de crinivírus no Brasil. São várias as espécies de geminivírus (por exemplo, o Tomato severe rugose virus) relatadas no Brasil e uma espécie de crinivírus (Tomato chlorosis virus – ToCV). Os tripes são vetores de tospovírus (Tomato spotted wilt virus, Tomato chlorotic spot virus e Groundnut ringspot virus) que causam a doença conhecida como vira-cabeça do tomateiro. Em seguida, os pulgões aparecem como vetores que podem causar problemas. O tomateiro não tem se mostrado como hospedeiro de pulgões, mas há relatos de prejuízos causados pelos vírus após revoadas de pulgões em lavouras de tomateiro. Os vírus transmitidos pelos pulgões são os potyvírus e um cucumovírus.

Patógenos foliares dispersos pelo ar

Os patógenos que causam doenças foliares, como as Xanthomonas e as Pseudomonas, assim como aqueles que não são conhecidamente transmitidos por sementes, como o fungo Phytophthora infestans que causa a requeima e os oídios (Leveilulla taurica, Oidium lycopersici e Oidiopsis sicula), podem ser carreados pelo vento e respingos de água e, desse modo, serem transmitidos planta a planta. Assim, esses patógenos podem passar de restos culturais ainda não decompostos de lavouras antigas para as plantas tigueras de tomate que surgem nessas áreas e daí para as plantas de tomate transplantadas provenientes do novo cultivo comercial.

Patógenos do solo

O papel das tigueras para esse grupo de patógenos sistêmicos3, como as bactérias Ralstonia solanacerarum (murcha-bacteriana) e Pectobacterium spp. (talo-oco) e os fungos Fusarium oxysporum f.sp. oxysporum e o Verticillium spp., que causam murchas, bem como para os nematoides-das-galhas (Meloidogyne spp.), não está bem elucidado. Porém, potencialmente, a importância estaria no aumento do inóculo na área por meio da multiplicação em tigueras e transmissão por meio de carreamento do solo em maquinário ou por pessoas transitando entre as áreas de lavouras antigas infectadas e com solos infestados e as de lavouras novas sadias e ainda não infestadas.

Tigueras como plantas daninhas

As tigueras de tomateiro competem por recursos essenciais no agroecossistema (água, luz, nutrientes e CO2) com a cultura de interesse comercial implantada em sucessão ou rotação (seja o próprio tomate ou outra espécie cultivada como soja, milho ou feijoeiro). Isso faz com que haja razoável perda de produtividade, que pode variar conforme a distribuição e densidade de plantas emergidas na lavoura comercial. Contudo, é preciso manejá-las de modo que não causem prejuízos ao agricultor. Vale ressaltar que é esperada grande variabilidade genética entre as tigueras de tomateiro, uma vez que se trata de gerações sucessivas de um híbrido (F1), aumentando a capacidade adaptativa ao ambiente local.

Manejo das plantas tigueras

Rotação de culturas. Esta prática consiste no plantio de diferentes culturas em uma mesma época, para apenas voltar ao plantio da mesma cultura depois de, no mínimo, três períodos de cultivo. As culturas em rotação devem, preferencialmente, pertencer a famílias botânicas distintas das do tomateiro, que podem ser hospedeiras dos mesmos patógenos como é o caso de batata, pimentão, fumo e berinjela. Além disso, deve-se tomar cuidado na escolha da espécie para rotação para evitar aquelas que multiplicam os insetos-vetores. Objetiva-se também reduzir o banco de sementes do solo e facilitar o manejo de tigueras, assim como de plantas daninhas. Contudo, a rotação de culturas é benéfica por possibilitar o emprego de herbicidas que tenham reconhecida eficácia no controle das tigueras e de plantas daninhas que tradicionalmente infestam o tomateiro durante os cultivos das culturas componentes do sistema de rotação, tornando possível a redução da infestação em seu ciclo de cultivo. Nesse contexto, culturas como soja, milho e feijoeiro mostram-se boas alternativas a serem incluídas num programa de rotação de culturas, por apresentarem uma maior gama de herbicidas registrados. A aplicação de herbicidas com atividade residual no início do ciclo dos cultivos em rotação, por exemplo, possibilita o controle de vários fluxos de emergência de tigueras que, por sua vez, poderiam estar infestando o tomateiro em sucessão. No entanto, é preciso verificar a atividade residual sobre o tomateiro daquele herbicida utilizado na cultura que o anteceder. O controle químico será abordado em tópico específico posteriormente.

Cuidados na colheita. Uma das formas de se reduzir o problema de tigueras de tomate nos cultivos subsequentes em sucessão é evitar que ocorram perdas de frutos durante os procedimentos de colheita. Assim, no caso do tomate para consumo in natura, os trabalhadores devem estar devidamente orientados e treinados para não deixar frutos de tomate na lavoura que venham a dar origem a novas plantas. Já para o cultivo de tomateiro para processamento industrial, a colhedora deve ser regulada de modo que as perdas de frutos por ocasião da colheita sejam minimizadas. Para tanto, é fundamental que a colheita seja realizada com os frutos estando no estádio recomendado de maturação, o que pode variar conforme o genótipo de tomate cultivado, e que a colhedora esteja devidamente regulada para não derrubar frutos no solo. Da mesma forma, destruir os restos culturais imediatamente após o término da fase de colheita, não abandonando as lavouras de tomateiro ao final do ciclo, ajuda a reduzir o banco de sementes remanescente e quebra a solução de continuidade entre restos culturais-tigueras-nova cultura, no próprio local ou em áreas adjacentes.

Vazio sanitário. A Instrução Normativa SDA 024 (15/4/03) publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, regulamentou o vazio sanitário do tomateiro. A medida enfoca o manejo de moscas brancas e geminivírus, estabelecendo um período de dois meses sem tomateiro rasteiro para processamento e diversas medidas de manejo integrado de pragas, na tentativa de reduzir a incidência das geminiviroses. O vazio foi implementado em Goiás (maior produtor de tomate para processamento, Agrodefesa IN 005/07; IN 002/08; IN 006/11), mas é informalmente seguido em São Paulo e Minas Gerais (segundo e terceiro estados maiores produtores de tomate para processamento). A adoção do vazio fitossanitário prevê que a área de cultivo de tomateiro e todas as outras áreas que lhe são próximas fiquem, simultaneamente, livres de tigueras de tomateiro antes da safra de tomate por, pelo menos, o período de dois meses estabelecido pela IN. Assim, o controle das tigueras é crucial para o sucesso do vazio sanitário estipulado.

Catação. Essa prática só terá algum efeito em termos de manejo das doenças da cultura quando realizada antes que ocorra contato entre as plantas cultivadas (fechamento das linhas). Se as tigueras já apresentarem sintomas, devem também ser retiradas do local, se atentando para evitar movimentação entre as plantas quando estiverem com suas folhas molhadas por orvalho, água de chuva ou de irrigação.

Capina. Durante a safra de tomate, recomenda-se roçar ao redor dos campos de produção para reduzir potenciais reboleiras de tiguera, de modo a diminuir as fontes de inóculo dos diversos patógenos que infectam o tomateiro.

Controle químico. Antes do transplante da lavoura de tomateiro, tanto do segmento in natura como do processamento industrial, o produtor pode lançar mão da aplicação de herbicidas dessecantes para controle das plantas tigueras presentes na área. Além de importante para contribuir na redução de fontes de inóculo dos patógenos do tomateiro, a medida atua na supressão da infestação de insetos-vetores, pois com a dessecação das tigueras grande parte dos insetos que estão na fase imatura (ovos e ninfas) não consegue chegar à fase adulta, reduzindo assim a transmissão de vírus aos novos cultivos de tomateiro. Os herbicidas escolhidos não podem apresentar atividade residual que venha a comprometer o cultivo de tomateiro que será implantado. Para tanto, recomenda-se a aplicação de glifosato, paraquat ou carfentrazone-ethyl em aplicação única ou sequencial. A aplicação sequencial é mais indicada para uma situação em que o intervalo entre a colheita da cultura anterior e o transplante do tomateiro seja de pelo menos 20 ou 30 dias, possibilitando o controle de outro fluxo de emergência das tigueras. Por exemplo: o produtor pode fazer uma primeira aplicação com glifosato duas a três semanas antes do transplante e uma segunda aplicação de paraquat ou carfentrazone-ethyl poucos dias antes ou na véspera do transplante. Caso o intervalo seja pequeno, o produtor poderá fazer uma única aplicação de herbicida dessecante. É importante citar que um novo fluxo de emergência de tigueras só vai ocorrer se houver neste período precipitações pluviais ou irrigações para estimular a germinação e emergência dessas plantas. Assim, no caso do tomateiro para processamento industrial transplantado em meses com pouca precipitação pluvial, bem possivelmente será necessária a aplicação de lâminas de irrigação para estimular a germinação e emergência das tigueras para posterior controle antes do transplante de tomateiro. Pesquisas da Embrapa Hortaliças em parceria com Cargill Agrícola S/A e IF Goiano (Campus Morrinhos) têm apontado que alguns herbicidas não registrados para a cultura, como paraquat + diuron (300 + 150g i.a. ha-1) e flumioxazin (25g i.a. ha-1), apresentam excelente nível de controle de plantas daninhas em pré-transplante (pré-emergência das plantas daninhas) sem que haja comprometimento da produtividade do tomateiro (Cavalieri et al, 2012). Esses herbicidas poderiam ser utilizados como dessecantes antes do transplante para eliminação de tigueras de tomate, também apresentando atividade residual para o controle de plantas daninhas após o transplante do tomateiro. Ambos herbicidas, inclusive, apresentam excelente controle de importantes espécies de plantas daninhas: maria-pretinha, joá-de-capote, caruru (Amaranthus spp.), poaia-branca (Richardia brasiliensis), botão-de-ouro (Galinsoga parviflora) e picão-preto (Bidens pilosa) quando aplicados três dias antes do transplante do tomateiro e complementados com a aplicação sequencial de metribuzin (168g i.a./ha) aos 15 e 30 dias após o transplante das mudas. Acredita-se, também, que possam ser aplicados de forma dirigida nas entre linhas dos cultivos de tomate para controlar tigueras, que emergem após o transplante, auxiliando consequentemente no controle de plantas daninhas presentes no momento da aplicação e de novos fluxos de emergência em razão da atividade residual. Esses resultados são promissores para fins de obtenção de registro por parte das empresas detentoras dessas moléculas, de modo a ampliar as opções de manejo aos produtores de tomate.


Patógenos sistêmicos: patógenos que alcançam os vasos das plantas, causando murchas vasculares.


Este artigo foi publicado na edição 86 da revista Cultivar Hortaliças e Frutas. Clique aqui para ler a edição.

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