Lavoura high tech: a importância da tecnologia no agronegócio
Por Marcos Pazeto, Diretor de Serviços da AdopTI, consultoria com portfólio exclusivo e especializado na plataforma de gestão empresarial SAP
Em meados dos anos de 1980 todas as recomendações sobre mistura em tanque foram retiradas das instruções de uso por orientação do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa). Após muitas discussões e passados dez anos foram regulamentadas pela Portaria do Mapa nº 67, que permitia às empresas incluírem nos registros a recomendação das misturas em tanque. Entretanto, essa portaria acabou sendo revogada pela Instrução Normativa 46/2002 e até então se espera por uma solução dos órgãos governamentais competentes.
Durante todo esse período, o questionamento que mais se ouviu foi: a mistura é ou não é proibida? Um estudo jurídico encomendado pela Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda) em 2011, concluiu que a mistura em tanque não é proibida e pode ser praticada pelo agricultor, sob sua responsabilidade. Entretanto, ela não pode ser prescrita por profissional legalmente habilitado em um receituário agronômico, pois qualquer agroquímico só pode ser recomendado observando-se as informações de uso aprovadas em rótulo e bula (Decreto 4.074/02). Assim, o entendimento, do ponto de vista legal, é que a mistura em tanque não é proibida.
Na prática, é comum a ocorrência simultânea de insetos-pragas, plantas daninhas e doenças em uma mesma cultura. Além disso, muitos dos inseticidas, herbicidas e fungicidas tem espectro de ação específico, ou seja, não controlam todas as espécies alvo. Esta característica contribui para que alguns produtores optem pela realização da mistura de tanque com objetivo de reduzir custos e otimizar os tratos fitossanitários.
Com a falta de regulamentação as informações sobre as misturas em tanque, de fontes seguras, foram escasseando, gerando insegurança e riscos aos agricultores e técnicos. O receio de autuação por parte do poder público desestimulou a geração e a transferência de informações, e criou um contraste com o que ocorre na prática, uma vez que a mistura em tanque nas propriedades agrícolas do Brasil é usual.
Por outro lado, produtos formulados em mistura, ou seja, misturados previamente pela indústria, podem ser registrados no Brasil, mas não atendem as diversidades que ocorrem comumente no campo, por falta de espectro de ação ou dose dos ativos misturados. Além disso, o número de produtos registrados também não atendem às necessidades do campo. Em contrapartida, a mistura em tanque permite uma solução caso a caso, individualizada para cada tipo de problema, e com a vantagem de poder ser realizada com base no diagnóstico de um profissional.
Para conhecer a realidade do uso das misturas em tanque de agroquímicos nas propriedades agrícolas do Brasil foi realizado um estudo (Gazziero, 2015), em que foram entrevistados agentes de assistência técnica privada (consultores), da assistência técnica ligada ao governo, da assistência técnica ligada às cooperativas e produtores rurais. Os resultados mostram que 97% das aplicações dos defensivos são feitas com misturas em tanque (Figura 1), e que 95% das misturas contemplam o uso de dois a cinco produtos associados em um só tanque. Em 5% dos casos ocorre a mistura de seis ou mais produtos aplicados concomitantemente (Figura 2). Verificou-se ainda que em 69% das vezes os produtos são colocados diretamente no tanque de pulverização, e em 31% são pré-misturados antes de serem colocados no pulverizador. A pré-mistura é recomendada para verificar a existência de reações indesejadas.
Na visão dos entrevistados são inúmeras as vantagens que podem ser citadas com utilização de agroquímicos em misturas, tais como: economia de tempo, de mão de obra, de água, de óleo diesel, agilidade nas operações, facilidade de manejo da cultura, diminuição da compactação do solo, aumento do espectro de ação dos produtos, manejo da resistência e aplicação no momento adequado. Em relação às desvantagens foram apontadas falta de regulamentação, preocupação com os riscos à saúde e ao ambiente, possibilidade da ocorrência de fitointoxicação, incompatibilidade química, redução da eficiência (antagonismo) e maior desgaste dos equipamentos.
Entre os entrevistados apenas um terço desconhece haver problemas com as misturas, enquanto a maioria confirma haver possibilidade de ocorrer algum tipo de problema, como por exemplo, a dificuldade de dissolver os produtos misturados, a fitotoxicidade, o excesso de formação de espumas, entupimento de bicos e decantação de produtos no tanque. Em pulverização não se pode admitir em hipótese alguma que ocorram. Outra observação importante a ser destacada no trabalho realizado por Gazziero (2015) foi o consenso entre os entrevistados de que as informações sobre as mistura não são suficientes. Isto estimula uma reflexão: se a prática da mistura em tanque se mostra tão comum e necessária para a agricultura, por que não regulamenta-la?
A regulamentação da mistura em tanque de agroquímicos é um assunto de interesse de todos os que atuam na área da sanidade vegetal, e especialmente dos agricultores e profissionais que prestam assistência técnica. As misturas de produtos com diferentes mecanismos de ação é uma prática mundialmente recomendada para prevenir ou manejar problemas com insetos-praga, doenças e plantas daninhas resistentes. A resistência das pragas aos herbicidas, fungicidas e inseticidas é atualmente uma ameaça mundial, que afeta diretamente a agricultura no Brasil.
Várias instituições públicas e privadas que acreditam na necessidade de uma solução para o caso das misturas em tanque, tem trabalhado junto ao governo federal, no sentido de que seja elaborada uma Instrução Normativa Conjunta pelos Ministérios da Agricultura, Saúde e Ambiente, para que a regulamentação das misturas se torne uma realidade. As discussões levam em consideração as legislações internacionais utilizadas em países desenvolvidos, uma rigorosa análise de riscos e a realidade brasileira. O fato é que o Brasil precisa encaminhar uma solução. Desde meados dos anos 80 incontáveis moções solicitando a regulamentação foram feitas ao governo, entretanto, sem sucesso. Porém, nunca se chegou tão perto de uma solução como atualmente, pois há o entendimento dos órgãos competentes de que esse problema deve ser definitivamente solucionado. Existe expectativa de que uma decisão seja tomada ainda em 2017, pois os agricultores não podem continuar trabalhando com a falta de informações necessárias, assim como os profissionais legalmente habilitados não devem ser impedidos de atuar nesse assunto. A regulamentação pelos órgãos governamentais, como ocorre em outros países, permitirá que as informações circulem livremente chegando aos usuários e resultando em benefícios econômicos, agronômicos, ambientais e para a saúde do trabalhador.
*O artigo foi publicado na Cultivar Grandes Culturas, edição 220, de setembro de 2017.
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