Barreiras Ambientais internacionais e os Reflexos à Agroindústria brasileira

Por João Pedro Sab Zacharias, advogado Ambiental no Lobo de Rizzo

14.03.2023 | 16:57 (UTC -3)

A expressão “o Brasil é o celeiro do mundo” é comumente utilizada quando se pretende justificar as características agroprodutivas que o país reúne, seja por sua posição geográfica privilegiada, que propicia solo, clima e hidrografia favoráveis, seja em razão das novas tecnologias implementadas com a modernização do setor agropecuário, garantindo que a nação se imponha como uma potência agroeconômica a partir da produção e exportação de commodities.

Em paralelo a este contexto narrado e com o desbravamento das fronteiras agrícolas, notou-se um aumento da cautela com o Meio Ambiente, ganhando destaque nas últimas décadas o termo “sustentabilidade”, que se tornou parte indissociável da produção agrícola moderna e que pode ser representado, em síntese, como: o ponto de equilíbrio entre desenvolvimento da produção e a conservação dos recursos ambientais. Ainda, de acordo com o conceito da Organização das Nações Unidas (“ONU”): “Sustentabilidade é suprir as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”[1].

Assim, as discussões ambientais foram ganhando novos contornos, novas demandas emergiram, pressões sociais e climáticas fizeram com que a “régua” adotada pela vasta legislação ambiental brasileira – sem entrar no mérito de sua suficiência/eficiência – não fosse sempre tida como suficiente para suprir anseios de mercados externos, compostos, em regra, por países desenvolvidos e que figuram como importadores das commodities nacionais.

Como reflexo dessas mudanças, ganhou força a discussão acerca das chamadas “barreiras ambientais”, que podem ser traduzidas como restrições comerciais às matérias-primas oriundas de áreas desmatadas, de modo que as empresas que comercializam commodities deverão comprovar que suas cadeias de produção não envolvem áreas desflorestadas. A iniciativa para impor tais restrições foi proposta pela União Europeia (UE), sob o pretexto de preservar a biodiversidade das florestas ameaçadas e conter a emissão de gases do efeito estufa.

Assim, recentemente, em dezembro de 2022, a UE aprovou uma lei com objetivo de combater o desmatamento global e a degradação florestal impulsionada pelo consumo do bloco. O modo de viabilizar seu objetivo foi por meio da imposição de barreiras comerciais a commodities selecionadas (óleo de palma, soja, carne bovina, café, cacau, madeira e borracha), bem como aos seus produtos derivados[2], que tenham sido produzidos em áreas desmatadas após a data de 31.12.2020.

Apesar da maior rigidez no enfrentamento ao desmatamento, vale esclarecer que as “barreiras ambientais” estão relacionadas apenas aos biomas da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica, não se referindo a outros biomas brasileiros sensíveis como o Cerrado. A extensão a outros ecossistemas deverá ser avaliada no prazo de um ano, a contar da entrada em vigor do texto normativo.

Cumpre destacar, ainda, que a normativa em comento não pretende combater apenas o desmatamento ilegal, mas também abrange a supressão de vegetação legal, o que certamente gerará um conflito com as leis brasileiras, uma vez que o Código Florestal permite tal prática, exigindo-se a preservação de 20 a 80% de vegetação nativa na área do imóvel rural, a depender do bioma em que esteja inserido (artigo 12 da Lei 12.651/2012).

O aparente conflito normativo e as potenciais discussões sobre protecionismo de mercado certamente criam um alerta ao setor especializado. Os reflexos da nova normativa europeia tendem a não afetar apenas as grandes companhias exportadoras, mas toda a cadeia produtiva das commodities, chegando até a “ponta da linha”, ou seja, no próprio produtor rural, que, a depender da situação de seu imóvel, enfrentará dificuldades no comércio de seus produtos para o mercado externo. Ainda, não se pode descartar que tais exigências também afetarão os custos de produção e, consequentemente, os valores das commodities negociadas com os mercados externos mais exigentes, como é o caso da UE.

Ademais, merece destaque a exigência de rastreabilidade da origem das commodities listadas e que serão exportadas aos países integrantes do bloco europeu, devendo ser possível relacioná-las às terras agrícolas onde foram cultivadas, por meio de informações geográficas precisas, de modo que se comprove que não foram produzidas em áreas desmatadas.

Nesse sentido, as companhias exportadoras terão que realizar processos de due diligence de suas cadeias, detalhando a origem dos seus produtos e atestando que suas mercadorias seguem as novas exigências impostas, sob pena de sofrerem multas sobre o valor de suas transações, bem como a proibição de comercialização com o bloco europeu, na linha da proposta de Diretiva da UE sobre due diligence de sustentabilidade corporativa.

No interim das discussões para aprovação do regulamento da UE, os Estados Unidos da América (EUA) também se movimentaram, por meio do Projeto de Lei S.2950 – Forest Act of 2021, para definir restrições comerciais visando a proibir commodities oriundas de áreas desmatadas a partir de dezembro de 2020. O tema foi submetido ao processo de consulta pública, com o objetivo de receber opiniões sobre os modos possíveis de se limitar as cadeias de commodities ligadas ao desmatamento e incentivar a comercialização de produtos agrícolas sustentáveis.

No Brasil, há novidades em consonância com esse movimento. No dia 7.12.2022, o IBAMA implementou nova ferramenta de controle da cadeia produtiva florestal nacional: o DOF + Rastreabilidade. O sistema é um importante marco para a gestão florestal no País, contendo parâmetros que permitem a rastreabilidade dos créditos de produtos florestais ao longo da cadeia produtiva, por meio de um código, da origem ao destino final.

Embora esta temática ainda seja nova para o Agro e muitas normas estejam em construção, o que se sabe é que as restrições já passarão a vigorar após 18 meses da publicação da normativa europeia. Assim, todos os grandes players que comercializam as commodities selecionadas pelo regulamento já deverão realizar uma rigorosa due diligence de seus produtos e fornecedores, atentando-se aos requisitos exigidos, de modo a garantir sua permanência no mercado europeu.

Em meio às discussões sobre o tema, somadas às pressões de agentes externos ligados à causa, verifica-se que grandes companhias já estão se mobilizando internamente, com o objetivo de se prevenirem e se adequarem ao novo cenário exigido, cumprindo com mais um passo na sustentabilidade da sua cadeia – lembrando que tais movimentos tendem a se intensificar quando da entrada em vigor das normas em discussão e de eventuais novos acordos relacionados às “barreiras ambientais”.

[1] Conceito extraído do relatório “Nosso Futuro Comum”, publicado pela ONU em abril de 1987.

[2] As commodities elencadas deverão ser atualizadas regularmente, levando em consideração novos dados, como eventuais mudanças nos padrões de desmatamento.

João Pedro Sab Zacharias, advogado Ambiental no Lobo de Rizzo

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